Autor transforma rotina de horrores em Auschwitz em ficção

Holandês ex-prisioneiro relata vida no campo de concentração em livro

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São Paulo

Hans chega ao campo de Auschwitz sem saber o que o espera. Quem já leu diversos livros e viu filmes sobre o Holocausto já sabe o que vai encontrar, mas por vezes pode se surpreender.

Médico, Hans logo nota que a pouca comida servida, uma sopa rala na qual os poucos pedaços de legumes são disputados com vigor, não trará energia suficiente para os árduos dias de trabalho braçal. 

A gasolina é potente, filosofa ele, mas as pessoas são mais baratas. E há centenas de milhares de prisioneiros ali para serem usados como máquinas. 

Conforme o livro avança, Hans vai mostrando ao leitor como Auschwitz tentava funcionar como uma engrenagem, embora fosse um local de escassez. O dia começava às 4h30, com longa fila para ir ao banheiro (usar buracos no chão) tomar banho (com pouca água e nenhum sabão), pegar um pouco de café e esperar a contagem matinal, antes de seguir para um trabalho extenuante, no qual quem não desse conta tomava chutes ou eram mortos a tiros, a depender do humor dos soldados alemães

Ex-prisioneiro de Auschwitz, à esq., atravessa portão de entrada do campo de concentração em Oswiecim com a inscrição ‘o trabalho liberta’
Ex-prisioneiro de Auschwitz, à esq., atravessa portão de entrada do campo de concentração em Oswiecim com a inscrição ‘o trabalho liberta’ - Wojtek Radwanski/AFP

Hans consegue sair das funções pesadas e se torna assistente do ambulatório, onde também faltam gaze e medicamentos. Mas logo ele descobre as trocas de favores e as negociações nas sombras que azeitam a vida no campo. 

Após curar doentes, é recompensado por eles com pães e manteiga escondidos. E essa comida extra pode ser trocada por outros favores, como vista grossa para ver sua amada Friedel, presa no bloco ao lado.

Hans também mostra como a rotina no campo poderia ser caótica, com mudanças repentinas de ordens e decisões aleatórias sobre o destino dos presos. Cada dia podia trazer o risco de uma morte na câmara de gás ou proporcionar horas entediantes limpando vidros.

Os horrores não terminam com a desintegração do campo. Ao fugir, o protagonista cruza com os cadáveres congelados dos prisioneiros levados nas marchas da morte, quando os nazistas tentaram esvaziar os blocos às pressas, às vésperas de perder a guerra. 

Nessas marchas, as vítimas tinham de seguir quilômetros pela neve, nus, em uma caminhada rumo à morte. Alguns, porém, conseguiram escapar.

​Hans é um personagem criado pelo holandês Eddy de Wind (1916-1987) para relatar o que viveu nos cerca de dois anos que ficou em Auschwitz. O livro traz o diferencial de ser sido escrito, inicialmente como um diário, dentro do campo.

O tom de relato foi mantido, com histórias curtas que se desenrolam rapidamente e personagens que chegam e saem sem cerimônia. 

O conteúdo de suas anotações, como a sensação de dormir sob a luz de lâmpadas vermelhas na cerca elétrica ao lado do quarto e o cheiro da fumaça dos crematórios, que parecia “um bife frito sem manteiga”, traz elementos marcantes para lembrar como ações extremistas podem acabar com a vida de pessoas mesmo antes de matá-las.

Última parada: Auschwitz - Meu diário de sobrevivência
Autor: Eddy de Wind. 
Ed.: Planeta. R$ 44,90. 240 págs. 

 
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