Descrição de chapéu Financial Times

China está levando sua luta ideológica para o exterior

Impulso de Xi Jinping começou porque a diáspora chinesa cresceu muito nos últimos anos

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Jamil Anderlini
Financial Times

Dos anúncios oficiais publicados no site da Embaixada da China na Suécia no ano passado, quase dois terços são ataques vituperantes contra jornalistas, políticos e outras figuras públicas suecas.

"Algumas pessoas na Suécia não deveriam esperar se sentir à vontade depois de ferir os sentimentos do povo chinês e os interesses do lado chinês", foi uma explosão típica, levemente ameaçadora.

A embaixada na Suécia tem sido o exemplo mais agressivo da nova "diplomacia ao estilo de lobo" da China nos últimos anos. Mas está longe de ser o único.

A chave para entender essa beligerância está nas políticas e prioridades que compõem o "pensamento Xi Jinping". Em vários discursos e documentos oficiais, o presidente chinês descreve uma luta amarga entre o "socialismo com características chinesas" e as "forças ocidentais anti-China", com suas ideias "extremamente maliciosas" de liberdade, democracia e direitos humanos.

xi jinping
O líder chinês, Xi Jinping, em seu pronunciamento de Ano-Novo - Xinhua

Nos anos 1950, Nikita Kruschev disse que a União Soviética "enterraria" as democracias capitalistas ocidentais. Desde 2013, Xi diz o seguinte: "O capitalismo está inevitavelmente morrendo e o socialismo está inevitavelmente ganhando (...) Esta é uma tendência geral irreversível no desenvolvimento da história".

É mais uma luta para perpetuar o governo autoritário na China do que uma pura campanha ideológica como a da Guerra Fria, e está sendo travada principalmente em solo chinês. Mas a luta é cada vez mais exportada também, enquanto Pequim se esforça para tornar o mundo seguro para a autocracia chinesa.

O objetivo é impor o preço mais alto possível a qualquer pessoa, em qualquer lugar, que se oponha ao poder ou aos objetivos do partido. As democracias liberais ocidentais são os principais alvos.

Esse impulso no exterior começou porque a diáspora chinesa, estimada em cerca de 60 milhões de pessoas, cresceu muito nos últimos anos e é vista como uma ameaça potencial ao contínuo domínio do partido na China. A história da revolução costuma percorrer as comunidades da diáspora como as que alimentaram Vladimir Lênin na Suíça, Sun Yat-sen no Japão e Deng Xiaoping e Ho Chi Minh em Paris.

Mas as tentativas de aumentar a influência e o controle das narrativas globais pela China vão muito além da diplomacia pública e alcançam muito além da diáspora.

Em novembro, a principal agência de espionagem da Austrália disse estar investigando denúncias "perturbadoras" de que Pequim tentou instalar um agente no Parlamento da Austrália. O agente foi encontrado morto logo depois que ele relatou o plano, e a polícia não conseguiu determinar a causa da morte.

Na vizinha Nova Zelândia, alguns dos maiores doadores dos principais partidos políticos são empresários chineses com laços estreitos com o Partido Comunista. A legislação de financiamento de campanhas aprovada às pressas pelo Parlamento no mês passado pouco fez para fechar as brechas que permitem esse tipo de compra de influência.

Surpreendentemente, um homem que passou pelo menos 15 anos trabalhando no aparelho de inteligência militar da China continua sendo um membro eleito do Parlamento, mesmo depois de admitir que recebeu ordem do partido para ocultar seu passado em seu pedido de imigração na Nova Zelândia.

A pequena Nova Zelândia pode parecer um alvo estranho para a infiltração do Partido Comunista, mas o país é atraente para Pequim como o ponto fraco do acordo de compartilhamento de inteligência dos "cinco olhos" com a Austrália, o Canadá, o Reino Unido e, mais importantes, os EUA.

Um alto funcionário da inteligência de um desses países descreveu a Nova Zelândia como "à beira da viabilidade como membro" do grupo, por causa de sua atitude "passiva" em relação à China e seu "sistema político comprometido".

A China é o maior destino de exportação da Nova Zelândia. Presumivelmente, com medo de que Pequim responda com sanções econômicas, Jacinda Ardern, primeira-ministra do país, fez de tudo para evitar mencionar o tema da interferência política chinesa.

A resposta da Austrália tem sido muito mais robusta. A China ameaçou consequências econômicas para a insolência da Austrália, embora estas tenham se provado nulas.

Enquanto alguns em Canberra se preocupavam com o mau estado do relacionamento no ano passado, as remessas australianas para a China atingiram um recorde, representando quase 40% de todas as exportações. Os embargos políticos costumam ser ineficazes, pois tendem a prejudicar tanto os importadores quanto os exportadores, aumentando os preços e interrompendo as cadeias de suprimentos.

Em alguns países, existem preocupações justificadas sobre o aumento da xenofobia e dos "vermelhos embaixo da cama" visando qualquer pessoa de origem chinesa. O mundo deve se proteger contra esse racismo, principalmente porque seria profundamente perverso punir pessoas que se mudaram para as democracias ocidentais para se afastarem de um sistema repressivo.

Mas ignorar o comportamento prepotente da China seria uma forma igualmente flagrante de racismo em relação aos compatriotas étnicos chineses, já que eles são os principais alvos das operações de intimidação e influência de Pequim no exterior.

Também seria tolice. Como disse o chefe recém-aposentado da principal agência de espionagem da Austrália, em novembro, o Partido Comunista tem sido muito hábil em explorar a abertura dos sistemas democráticos ocidentais. Os "efeitos poderão não se apresentar durante décadas e, a essa altura, será tarde demais", disse ele. "Você acorda um dia e encontra decisões tomadas em nosso país que não são do interesse do nosso país."



 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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