Corte Internacional ordena que Mianmar proteja muçulmanos rohingyas

Primeira decisão do tribunal de Haia sobre o tema afirma que minoria está sob risco de genocídio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Haia | Reuters e AFP

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) ordenou nesta quinta-feira (23) que Mianmar tome “medidas urgentes” para proteger os muçulmanos rohingyas de perseguição e atrocidades e preserve evidências de crimes contra eles.

Desde agosto de 2017, quase 740 mil rohingyas buscaram refúgio em Bangladesh para escapar dos abusos do exército birmanês e de milícias budistas, classificados como "genocídio" por investigadores da ONU.

É a primeira vez que as denúncias de perseguição contra essa minoria chegam ao tribunal, sediado em Haia, na Holanda.

Criança rohingya em um campo de refugiados
Criança rohingya em um campo de refugiados - Munir Ur Zaman/11.dez.19/AFP

A ação judicial contra o país asiático foi iniciada pela Gâmbia, de maioria muçulmana, em nome dos 57 Estados membros da Organização da Cooperação Islâmica. O país argumenta que Mianmar violou a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, um tratado do direito internacional aprovado em 1948.

O resultado final do julgamento pode demorar anos, mas a decisão desta quinta diz respeito a um pedido para que sejam tomadas medidas liminares urgentes.

O grupo de 17 juízes foi unânime em declarar que os rohingyas estão em perigo neste momento e que medidas devem ser tomadas para protegê-los. 

A decisão ordena o governo birmanês a exercer influência sobre seus militares e grupos armados para evitar assassinatos e ferimentos de membros do grupo, além de vetar a imposição de “condições de vida que deliberadamente pretendam levar à destruição física no todo ou em parte" dos rohingyas.

O grupo continua “sob sério risco de genocídio”, afirmou o juiz que preside o caso, Abdulqawi Yusuf, e Mianmar deve "tomar todas as medidas em seu poder para prevenir tais atos”. 

O ministério de Relações Exteriores de Mianmar afirmou na tarde desta quinta que tomou ciência da decisão.

"A condenação sem provas de Mianmar por alguns atores de direitos humanos tem criado uma imagem falsa da situação em Rakhine e afetado as relações bilaterais do Estado com vários outros países", escreveu a pasta em nota. 

Embora emita decisões que são obrigatórias segundo o direito internacional, a CIJ não conta com um mecanismo para garantir que seus julgados sejam cumpridos. 

Ativistas rohingyas que viajaram até a Haia para a audiência comemoraram duplamente: além da ordem de proteção, a decisão traz um reconhecimento, ainda que tácito, de que os rohingyas compõem um grupo étnico.

A Convenção sobre Genocídio, da qual o Brasil também é parte, prevê que suas regras somente são aplicáveis no caso de atos praticados contra "grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

O Estado de Mianmar não vê os rohingya como uma minoria distinta, e autoridades costumam se referir a eles como "imigrantes de Bangladesh", embora haja vastas provas que atestam a presença do grupo na região há centenas de anos. 

"Isso é algo pelo qual lutamos por muito tempo: sermos reconhecidos como humanos assim como todos os outros", disse Yasmin Ullah, uma rohingya que mora no Canadá. 

A líder de Mianmar,  Aung San Suu Kyi, se recusa a chamá-los de "rohingya", usando termos como "muçulmanos" ou "habitantes de Rakhine", o estado na região norte do país onde a minoria se concentra. 

Os rohingyas não têm direito à cidadania birmanesa. Como apátridas, eles não têm acesso a serviços básicos, como educação e saúde, e são proibidos de votar.

Pouco antes da apresentação da decisão da Corte, o jornal Financial Times publicou um artigo de Suu Kyi, no qual ela diz que podem ter sido cometidos crimes de guerra contra os rohingyas, mas que os refugiados exageram os abusos que teriam sofrido.

Na primeira audiência do caso, no dia 10 de dezembro, ela negou qualquer "tentativa de genocídio".

Suu Kyi, que já venceu o Nobel da Paz em 1991 por ser considerada um ícone da democracia, admitiu aos juízes que o Exército pode ter feito um "uso desproporcional da força", mas afirmou que isto não é prova de que tentava aniquilar esta minoria.

"Certamente, nas circunstâncias, a tentativa de genocídio não pode ser a única hipótese", completou, na audiência na qual defendeu os interesses de Mianmar.

"Lamentavelmente, Gâmbia apresentou à Corte uma fotografia incompleta e enganosa da situação no estado de Rakhine", disse ela na ocasião.

A CIJ estabeleceu o delito de genocídio em apenas uma ocasião: o massacre de 8.000 homens e crianças muçulmanas em 1995 na localidade de Srebrenica, na Bósnia.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.