É cedo para celebrar fim das tensões Irã-EUA, diz especialista americana

Para ex-diretora do Conselho de Segurança, resposta de Teerã será proporcional à morte de Suleimani

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São Paulo

Embora o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha comemorado o desenlace das tensões com o Irã e o mundo tenha respirado aliviado quando os dois países se afastaram do precipício da guerra, é cedo para declarar vitória. Essa é a visão de Elisa Catalano-Ewers, pesquisadora sênior no think tank progressista Center for a New American Security.

Elisa acredita que os ataques do Irã contra bases americanas no Iraque tinham como objetivo apenas passar a mensagem de que o país pode reagir com precisão. Mas para ela, que foi diretora de Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional no governo Obama, o regime iraniano deixou claro que planeja uma reação proporcional ao assassinato do general Qassim Suleimani.

E essa resposta contra os EUA deve se dar por procuração, ou seja, por meio de grupos apoiados pelo Irã na região, como o Hizbullah do Líbano ou milícias xiitas do Iraque.

Após a escalada de tensões, a situação tende a se acomodar ou o Irã recorrerá a aliados na região para agir contra os EUA ‘por procuração’?

O regime iraniano, na maioria das vezes, toma decisões bastante calculadas. Sabe que seu objetivo estratégico é a sobrevivência do regime, e sempre pesa os riscos para sua sobrevivência. Atacar uma base americana no Iraque tinha como propósito passar o recado de que o Irã pode agir com precisão quando decide fazer isso, mas sem passar dos limites. Pode ter sido uma combinação de intenção e sorte o fato de não ter havido mortes de americanos ou iraquianos nesses ataques. Mas não há razão para acreditarmos que esse foi o fim da resposta do Irã. A mensagem iraniana foi de que aquela ação não vai continuar, e não deveria gerar uma resposta dos EUA, mas também foi de que qualquer resposta do Irã será proporcional, em escala, ao assassinato de Qassim Suleimani.

Iranianos queimam bandeiras de Israel e dos Estados Unidos durante protesto contra ataque que matou general Suleimani - Atta Kenare - 04.jan.20/AFP

A senhora vê risco de a insistência de Teerã e do primeiro-ministro iraquiano de que haja uma retirada das tropas americanas do Iraque levar a um conflito?

É cedo para saber o que essa “retirada de tropas” significa. Uma retirada mal planejada poderia criar retrocesso nas ações contra o Estado Islâmico, o que levaria a um ressurgimento da violência da facção —e, mais uma vez, a maior afetada seria a população iraquiana.

Republicanos dizem que o desenlace das tensões foram uma vitória para Donald Trump. Quem foi o vencedor, EUA ou Irã?

Declarar um vencedor no atual cenário é pensar apenas no curtíssimo prazo. É pouco provável que o Irã tenha esgotado sua resposta à morte de Suleimani. O regime pode levar tempo para planejar seus próximos passos, e pode ser cuidadoso para não ultrapassar nenhum limite que desencadearia uma reação desproporcional dos EUA. Mas sua resposta comedida —ataques a bases americanas no Iraque, sem mortes— é provavelmente só o começo. Enquanto isso, o Irã fez progressos no Iraque, porque, ao exigir a saída das tropas americanas, coloca os EUA em posição de isolamento frente a aliados europeus.

Quais são os efeitos de curto e médio prazo na região?

Haverá impactos sobre a campanha de combate a grupos terroristas como o Estado Islâmico. Existe o risco de uma nova fase de ataques por procuração (por meio do Hizbullah libanês, dos rebeldes houthis do Iêmen ou milícias xiitas no Iraque, todos patrocinados pelo Irã) contra militares americanos ou civis. E para a Arábia Saudita e outras nações da região, é provável que haja mais atentados contra petroleiros e ataques cibernéticos, como os que vimos no ano passado.

Qual é o futuro do acordo nuclear com o Irã?

O Irã teve o cuidado de dizer que iria violar os termos do acordo, mas não o abandonaria totalmente e cooperaria com os inspetores internacionais. Ou seja, está deixando a porta aberta e testando se os outros integrantes do pacto (França, China, Alemanha, Reino Unido e Rússia) irão responder de maneira que beneficie o regime. 

O governo iraniano conseguiu evitar que a opinião pública internacional se voltasse contra ele. Os outros integrantes também calibraram reações, ao mostrar preocupação com o anúncio, mas sem  adotar medidas irreversíveis. Mesmo assim, acho que isso faz parte do lento desmantelamento do acordo que está em curso desde que os EUA se retiraram dele, em 2018.

Trump anunciou novas sanções contra o regime iraniano e setores da economia do país. Quais devem ser os efeitos delas?

Desde que começou sua política de “pressão máxima”. Trump disse que as sanções levariam o Irã a voltar para a mesa de negociação... Seria errado dizer que as sanções não tiveram impactos econômicos no Irã. Mas o Irã tem muita prática em viver em “economia de resistência”. Além disso, é difícil imaginar que o regime iraniano vá aceitar voltar às negociações depois do assassinato de Suleimani, pelo menos no curto prazo.

Como a morte de Suleimani afeta a capacidade do Irã de agir por meio de seus “representantes” no Iêmen, Síria, Líbano e Iraque?

Suleimani era retratado como herói pela propaganda iraniana, mas não era o responsável por tudo. Era poderoso porque passou anos montando uma instituição (Forças Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária) e uma rede de “representantes” que atuavam com uma filosofia muito clara. O sucessor dele, Esmail Qaani, não tem seu carisma nem as relações que ele cultivou, mas isso será compensado pelo fervor dos fãs de Suleimani, que querem mostrar que o regime não vai se curvar. Deve haver impacto no curto prazo, mas não será impossível de superar.


Elisa Catalano-Ewers
Elisa Catalano-Ewers - Arquivo pessoal

 

Elisa Catalano-Ewers
É pesquisadora sênior no Center for a New American Security, think tank progressista em Washington, onde ela está focada em Oriente Médio e segurança nacional. Entre 2005 e 2016, trabalhou no governo americano nas áreas de política externa e segurança nacional. Seu último cargo foi diretora de Oriente Médio e Norte da África no Conselho de Segurança Nacional dos EUA.


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