Apesar de dizer que o plano de Trump contempla os dois lados do conflito, os palestinos não participaram da sua elaboração e dizem que ele não atende os seus interesses.
A Autoridade Nacional Palestina rechaça, por exemplo, a criação de um estado territorialmente descontínuo.
A posição dos Estados Unidos sobre o status de Jerusalém não ficou clara no anúncio do plano, nesta terça-feira (28). Trump disse que Jerusalém permanecerá como "capital indivisível de Israel" ao mesmo tempo em que, de acordo com a proposta, a capital do Estado palestino ficaria em Jerusalém Oriental, onde os EUA abririam uma nova embaixada.
O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, afirmou, por sua vez, que a capital palestina ficaria em Abu Dis, um bairro localizado nos subúrbios de Jerusalém, a leste da cidade.
Tradicionalmente, o Brasil tem argumentado que o status final de Jerusalém só deve ser definido após negociações de paz que assegurem a coexistência dos dois estados, Israel e Palestina —esta é a posição da ONU e seguida por grande parte da comunidade internacional.
De acordo com diplomatas ouvidos pela Folha, a proposta de Trump contraria a posição histórica do Brasil em relação ao tema em duas frentes.
Primeiro porque o governo brasileiro vinha defendendo que a solução do conflito deveria ter como base negociações diretas entre palestinos e israelenses, o que não foi o caso.
Além do mais, dizem esses diplomatas, o mapa do que seria o futuro estado da Palestina anexa a Israel territórios que, segundo resoluções internacionais, são dos palestinos.
O Brasil declarou apoio ao plano de Trump pouco depois de o presidente Bolsonaro ter se reunido com o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley.
PRINCIPAIS PONTOS DO PLANO DE PAZ
- Possibilitar a criação de um Estado palestino com mais do dobro do tamanho do território atual, mas sem Exército e Força Aérea e sob controle de Israel a oeste do rio Jordão
- Estabelecer Jerusalém como capital “indivisível” de Israel, com a capital palestina ocupando partes do leste da cidade, onde os EUA abririam uma embaixada
- Reconhecer os assentamentos israelenses na Cisjordânia e o vale do rio Jordão como parte de Israel; nem palestinos nem israelenses serão forçados a deixar suas casas
- Congelar futuras ocupações de território palestino durante quatro anos, enquanto ocorrem as negociações da criação do Estado da Palestina
- Recusar o direito de retorno de palestinos refugiados a regiões perdidas para Israel em conflitos anteriores; eles poderão viver no futuro Estado da Palestina, integrar-se nos países em que vivem atualmente ou migrar para um novo país
- Investimentos de US$ 50 bilhões por parte dos EUA no novo Estado palestino, que criaria 1 milhão de novos empregos e reduziria a pobreza pela metade
- Reconhecimento de Israel como Estado judeu
Após a reunião, Shelley disse que apresentou a proposta a Bolsonaro. "Eu dei ao presidente indicações sobre a proposta de Trump e como Israel avalia o plano", disse o embaixador à Folha.
"Todas as pessoas que querem a paz defendem o plano, que é diferente dos anteriores", acrescentou.
Na avaliação do embaixador, o Brasil tem adotado posições firmes e coerentes, como a nota sobre os 75 anos da liberação do campo de concentração nazista em Auschwitz, na Polônia.
"O Itamaraty fez uma outra sobre o Holocausto, que nunca tinha tido. E dá um grande apoio. As coisas estão caminhando bem e devagar."
Shelly se refere a um comunicado publicado na segunda (27). No texto, o Itamaraty diz que vinculação do Brasil ao povo judeu tem raízes históricas e que o governo Bolsonaro reconectou o país "com essa longa tradição de amizade e ação concreta". A nota mencionada pelo diplomata também afirma que Israel sofre "tratamento discriminatório" em organismos internacionais.
Já o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, criticou o plano e disse à Folha que solicitou uma audiência com o presidente brasileiro.
Na avaliação dele, a proposta do governo norte-americano não traz paz para a região. "Não é um plano de paz, mas de imposição da postura israelense. Ele foi apresentado a nós em 2011 e foi recusado pelo governo palestino, porque não atende às aspirações do povo palestino", disse.
O diplomata lembrou que o Brasil sempre foi aliado tanto de Israel quanto da Palestina e disse esperar uma postura de mediador do país sul-americano na negociação da proposta.
Para Hussein Kalout, pesquisador de Harvard, "ao tomar categoricamente um lado, o Brasil não tem nada a contribuir para a solução de dois Estados".
"Os votos do Brasil na ONU e sobre esse tema, em particular, ocorriam em consonância com o que preconizava a nossa constituição. A posição atual do governo brasileiro é de contrariedade ao direito internacional e de rompimento com as premissas mais elementares de fundamentaram as resoluções da ONU sobre o contencioso israelo-palestino."
Na nota do Itamaraty, o governo brasileiro afirma que o plano proposto por Trump é compatível com "os princípios constitucionais que regem a atuação externa do Brasil, notadamente a defesa da paz, o repúdio ao terrorismo e a autodeterminação dos povos".
"Desse modo, o Brasil estará pronto a contribuir com o processo de construção da paz, das maneiras que se afigurarem mais adequadas".
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