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Espectador da crise EUA-Irã, Putin manda recado militar a Trump

Presidente russo supervisiona exercício militar no mar Negro com 30 navios, 1 submarino e 40 aviões

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São Paulo

Espectador privilegiado da crise Irã-EUA, Vladimir Putin deu uma resposta nada sutil à provocação feita por seu colega Donald Trump no discurso em que o americano descartou escalada militar após ter bases suas atacadas por Teerã no Iraque.

Putin supervisiona exercício militar no cruzador de mísseis Marechal Ustinov, no mar Negro
Putin supervisiona exercício militar no cruzador de mísseis Marechal Ustinov, no mar Negro - Alexei Drujinin/Sputnik/Kremlin/Reuters

Sem relação direta com a crise da qual falava, ao comentar o poderio bélico dos EUA na quarta (8) Trump disse que “muitos mísseis hipersônicos estão sendo construídos”.

Na manhã desta quinta (9), lá estava Putin, todo empacotado em roupas navais, supervisionando um exercício militar no mar Negro que envolveu 30 navios, 1 submarino de ataque e 40 aviões —inclusive 2 MiG-31K que dispararam mísseis hipersônicos Kinjal.

O exercício já estava programado, até pelo seu escopo, mas não se sabe se a ida de Putin estava prevista ou se ele aproveitou a oportunidade.

No fim do ano, o russo havia feito o anúncio da entrada em serviço de um segundo tipo de arma hipersônica, o planador Avangard (vanguarda, em russo), confirmando ser o único país do mundo a ter esse tipo de equipamento.

Logo na sequência, os EUA anunciaram que vão gastar US$ 2,5 bilhões (R$ 10 bilhões) para fazer voar neste ano sua versão do que é considerado uma arma do futuro, atingindo velocidade que vai de 5 a quase 30 vezes a do som, com possibilidade no caso dos russos de manobrar no caminho.

O Kinjal (punhal) é lançado de aviões rumo a alvos no solo e já opera desde meados do ano passado. É usado em patrulhas no estratégico mar Negro, onde fica a Crimeia anexada por Putin, que sedia a única frota naval do país com acesso ao Mediterrâneo, por meio do mar de Mármara (Turquia).

Também foram disparados, de dois navios e um submarino, mísseis de cruzeiro Kalibr (calibre), o tipo de arma que Putin testou na Síria e que demonstra capacidade de engajamento típica para conflitos no teatro do Oriente Médio.

Dois caças Sukhoi-30 russos participam de manobras militares no mar Negro
Dois caças Sukhoi-30 russos participam de manobras militares no mar Negro - Alexei Drujinin/Kremlin/Sputnik/Reuters

Ato contínuo, a imprensa estatal russa distribuiu fotos de um impassível Putin vestindo uniforme e em posição de comando, que contrastam com a imagem de Trump falando sob olhares opressivos de seus chefes militares da véspera.

Rixa pessoal entre os líderes das únicas superpotências nucleares à parte, seu gesto diz muito sobre a posição neste momento de crise aguda a cerca de 2.000 km a sudeste de onde estava.

Desde que interveio na guerra civil síria em 2015, salvando o governo do ditador aliado Bashar al-Assad, Putin ocupou vácuos deixados pelos americanos em seu crescente desengajamento da região.

Ao contrário do rival geopolítico, o Kremlin tem relações de aceitáveis a excelentes com todos os principais atores da região. Transita entre as monarquias sunitas do Golfo Pérsico, em especial a Arábia Saudita com quem tenta operar o preço do petróleo, Israel, Turquia e Irã.

A relação com os turcos, que foi tensa no começo da intervenção devido ao abate de um caça russo por Ancara, virou um casamento de conveniência que gerou a partilha da região norte da Síria.

Buscando cacife ante os EUA, a Turquia comprou sistemas antiaéreos sofisticados russos. Turcos e russos anunciaram agora um cessar-fogo na Líbia, onde cada um apoia um lado na guerra civil, sem nenhuma ingerência americana.

Por fim, enquanto Trump falava, Putin e o presidente Recep Tayyip Erdogan inauguravam a rota que promete ampliar a oferta de gás russo à Europa sem precisar passar pela Ucrânia, que o Kremlin vê como um quintal seu sob assédio do Ocidente.

Mas é no Irã que Putin poderá fazer a diferença nos meses a seguir. O país persa sempre foi um aliado econômico e militar de Moscou, desde os tempos da União Soviética.

A ideia convencional de que Teerã obedece ao Kremlin, contudo, é errada. Como no caso da Turquia, no longo prazo os países têm interesses diferentes, em especial a fronteira sul da Rússia, no Cáucaso.

Russos e iranianos agiram juntos na Síria, com a Guarda Revolucionária participando de ações terrestres apoiadas pelo destacamento aéreo de Putin.

Mas quando Israel intensificou sua campanha aérea contra alvos de Teerã no país de Assad, para evitar o estabelecimento de mais uma frente próxima às suas fronteiras, Moscou aquiesceu.

O navio antissubmarino Vice-Almirante Kulakov participa de exercício militar no mar Negro
O navio antissubmarino Vice-Almirante Kulakov participa de exercício militar no mar Negro - Alexei Drujinin/Kremlin/Sputnik/Reuters

De todo modo, Putin segue apoiando o acordo nuclear de 2015, que Trump deixou em 2018 e que os iranianos descartaram no discurso —embora não formalmente, o que significa portas abertas para inspeções internacionais visando garantir que não farão a bomba atômica.

É, portanto, a única potência com voz na região que pode de fato intermediar eventuais saídas diplomáticas para o imbróglio que segue, apesar da distensão promovida pelo ataque limitado do Irã e pelo comedimento de Trump.

Putin pode contar também com a evolução da discussão sobre novas sanções contra o Teerã, que não são consensuais na Europa, para tentar trazer à tona a questão daquelas que a Rússia sofre desde que anexou a Crimeia em 2014.

Analistas russos creem que Putin agirá suavemente, embora em outras ocasiões ele tenha aliado movimentos políticos com ações militares para ocupar espaços. Isso não parece nem possível, nem desejável, em relação ao Irã.

Já acerca do Iraque, cujo governo abriu canais importantes com os russos, uma eventual saída americana poderá intensificar a relação.

Se não são esperadas tropas de Moscou em Bagdá, uma mãozinha dos mercenários russos para ajudar a conter as tensões não é impossível.

Naturalmente, os cenários que se delineiam são dependentes da volatilidade extrema ainda no ar. No caso de um novo acirramento de tensões entre Irã e EUA, é mais provável ver um Putin cauteloso e à distância do que qualquer envolvimento direto.

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