Filha de ex-presidente de Angola é acusada de desviar milhões

Isabel dos Santos é a mulher mais rica da África, segundo o ranking da revista Forbes

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São Paulo

Isabel dos Santos, 46, aparece na 13ª posição na lista da revista Forbes dos maiores bilionários da África de 2020. A filha mais velha de José Eduardo dos Santos, que presidiu Angola durante 39 anos, acumula uma fortuna estimada em 2,2 bilhões de dólares (R$ 9,16 bilhões).

Reportagens publicadas neste domingo (19) por veículos integrantes do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICJI), como New York Times, Guardian, BBC e revista Piauí, revelam que grande parte desse patrimônio foi obtido às custas dos cofres públicos angolanos.

Chamada de “Luanda Leaks”, a investigação se baseou em um vasto conjunto de documentos obtidos por denúncias anônimas pela Plataforma para Proteção de Denunciantes Anônimos na África.

Isabel dos Santos durante uma entrevista em Londres, onde mora
Isabel dos Santos durante uma entrevista em Londres, onde mora - Toby Melville - 9.jan.2020/Reuters

Os registros revelam como Santos e seu marido, Sindika Dokolo, se beneficiaram de uma série de transações envolvendo empresas públicas durante o governo de seu pai. Eles teriam usado um complexo esquema de empresas de fachada registradas em paraísos fiscais e jurisdições sigilosas, como Dubai, Maurício e Ilhas Virgens Britânicas

A companhia estatal angolana de petróleo, Sonangol, está no centro da complexa rede de contratos e empresas de fachada usados pelo casal para desviar fundos públicos a seu favor, segundo o New York Times. 

Em 2016, a empresa entrou em crise após uma queda dos preços do petróleo no mercado mundial. José Eduardo dos Santos, à época presidente, demitiu todo o conselho de administração e nomeou sua filha para chefiar o órgão.

Seis meses antes de ela assumir o cargo, Santos assinou um decreto —elaborado pelo escritório de advocacia do casal— que possibilitou a contratação, por US$ 9,3 milhões (R$ 39 milhões), da Wise Intelligence Solutions, uma empresa incorporada em Malta e de propriedade dos dois, para assessorar na reestruturação da estatal. 

Consultorias renomadas internacionalmente, como McKinsey e BCG (Boston Consulting Group), também foram chamadas para a missão. Elas foram contratadas diretamente pela firma maltesa, que recebia os valores da estatal angolana e os repassava. 

Ainda segundo a reportagem do New York Times, a Wise Intelligence Solutions pagou às consultorias cerca de metade do que recebeu.Depois que Isabel assumiu a presidência do conselho, os valores pagos pela Sonangol dispararam. 

Em maio de 2017, a Wise foi substituída por uma empresa registrada em Dubai de uma amiga próxima da empresária. Mais tarde no mesmo ano, no dia 15 de novembro, horas antes de Isabel ser demitida, a companhia emitiu uma série de faturas, muitas delas sem a descrição mínima do serviço prestado. Nesse espaço de tempo, a Sonangol desembolsou cerca de US$ 38 milhões (R$ 158 milhões), segundo o New York Times.

A petrolífera também foi usada para a compra de uma participação na Galp, empresa portuguesa do ramo de energia avaliada pela Forbes em US$ 13,4 bilhões.

Uma das firmas controladas por Dokolo comprou as ações diretamente da Sonangol em 2006, de acordo com a BBC. Os documentos analisados mostram que apenas 15% do valor foi pago à vista. 

O restante do pagamento, cerca de US$ 70 milhões (R$ 291 milhões), foi convertido em um empréstimo a juros baixos concedido pela estatal. Nos termos do acordo, a dívida só será quitada em 11 anos. 

Atualmente, as ações da Galp valem mais de US$ 975,4 milhões (R$ 4,06 bilhões) e são uma das principais fontes de renda do casal. Eles também possuem participações em dois bancos e e nas empresas de telecomunicação NOS, de Portugal, e Unitel, avaliadas  em mais de dois bilhões de dólares cada. 

A investigação "Luanda Leaks" também revelou, segundo reportagem da revista Piauí, que a Petrobras perdeu entre R$ 267 a 360 milhões numa joint venture com a Galp para produzir biocombustível a partir do óleo de dendê.

As contas do casal foram congeladas em Angola. Os dois negam qualquer irregularidade. Em entrevistas recentes, Isabel afirmou que é vítima de uma perseguição política do atual governo e não descarta se candidatar a um cargo político. 

Segundo a Piauí, em entrevistas com meios de comunicação britânicos e portugueses, ela enfatizou que suas empresas estão entre os maiores contribuintes do país e empregam milhares de pessoas. Ela disse à Bloomberg News temer que o congelamento de ativos possa condenar suas empresas.

Outros membros da família do ex-presidente também estão envolvidos em escândalos.

Em um caso não relacionado a Isabel, José Filomeno dos Santos, seu meio-irmão, está sendo julgado por tentar desviar US$ 500 milhões (R$ 2,08 bilhões) do fundo soberano de Angola, segundo o Guardian.  Ele nega a acusação.

Welwitschia dos Santos, parlamentar e meia-irmã de Isabel, foi alvo de impeachment em 2019, depois de se mudar para o Reino Unido. Ela alega que fugiu por ter sido perseguida pelo serviço secreto angolano.
Isabel participaria do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, nesta semana. Uma de suas empresas, a Unitel, comprou uma cota de patrocínio do evento. 

Segundo o Guardian, o nome de Isabel foi retirado da lista de convidados há duas semanas e a participação da Unitel está sendo reavaliada —um sinal de que os atores internacionais estão tentando evitar serem ligados a ela. 

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