Irã anuncia prisão de envolvidos em derrubada acidental de avião; protestos continuam

Aeronave levava 176 pessoas e foi atingida por mísseis iranianos na semana passada perto de Teerã

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Teerã e Dubai | AFP e Reuters

O Irã anunciou nesta terça-feira (14) que prendeu pessoas acusadas de envolvimento na derrubada acidental do avião comercial ucraniano que matou 176 pessoas na semana passada.

No entanto, o governo do país não detalhou quantas pessoas foram presas, nem seus nomes ou cargos. "Investigações amplas estão sendo feitas e alguns indivíduos foram presos", disse Gholamhossein Esmaili, porta-voz do Ministério da Justiça, à imprensa estatal.

O presidente Hassan Rowhani, durante discurso em Teerã - Presidência do Irã/via AFP

Pouco antes, o presidente iraniano Hassan Rowhani havia defendido, em discurso exibido pela TV, que todos os responsáveis pelo acidente devem ser punidos. "Para nosso povo, é muito importante que qualquer pessoa que tenha tido culpa ou sido negligente seja levado à Justiça. O Judiciário deve formar uma corte especial com dezenas de especialistas. Este não é um caso comum. O mundo todo estará de olho nesta corte."

Foi o mais recente pedido de desculpas de um oficial de alto escalão do país desde que a revelação de que militares derrubaram o avião gerou uma onda de protestos em Teerã e em outras cidades contra o governo —as manifestações chegaram nesta terça ao seu quarto dia.

Os ativistas pedem a renúncia do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, que está no poder há mais de 30 anos. Vídeos nas redes sociais mostram estudantes gritando "onde está a Justiça?", em frente a duas universidades de Teerã, em protestos que parecem pacíficos.

Os manifestantes acusam a polícia de usar munição letal para dispersar os atos, além de violência, com o uso de cassetetes normais e elétricos (que dão choque). Mas a polícia nega as acusações e responde que age de maneira comedida.

Cerca de 200 estudantes iranianos também protestaram do lado de dentro da Universidade de Teerã. Do lado de fora, apoiadores do regime queimaram um totem de papelão do embaixador britânico, Rob Macaire, além de bandeiras dos Estados Unidos e do Reino Unido.

O diplomata foi detido em um protesto no sábado (11) e liberado logo depois. Ele nega envolvimento com as manifestações e diz que participava de uma vigília pelas vítimas da queda do avião. 

Ao menos 30 pessoas foram presas por participar de protestos considerados ilegais, segundo informações do governo.

O Irã levou alguns dias para reconhecer que a Guarda Revolucionária do país tinha derrubado o avião. No sábado (11), o general Amir Ali Hajizadeh, comandante da seção aeroespacial, assumiu a culpa pelo erro em uma declaração à TV estatal. "Preferiria estar morto a testemunhar um acidente semelhante", afirmou.

O comandante disse que o avião foi confundido com um míssil de cruzeiro (armamento guiado remotamente para liberar ogivas a longas distâncias) e abatido por um míssil de curto alcance. Ele também afirmou que o soldado efetuou o disparo sem ordem por causa de uma interferência nas telecomunicações.

Um vídeo divulgado nesta terça (14) pelo jornal The New York Times mostra dois mísseis sendo disparados em direção ao avião, separados por cerca de 30 segundos. Na semana passada, um outro vídeo divulgado online tinha imagens de um dos foguetes atingindo a aeronave —a pessoa que postou as imagens foi presa, segundo a agência semioficial Fars.

No acidente, o Boeing 737-800 da Ukraine International Airlines caiu cinco minutos após decolar do aeroporto Imam Khomeini, em Teerã. A aeronave, que partiu às 6h12 na hora local (23h42 de terça em Brasília) e seguia para Kiev, pegou fogo minutos após a decolagem. 

Entre as vítimas, havia 82 iranianos, 57 canadenses e 11 ucranianos. Boa parte dos passageiros faria uma conexão para um voo com destino ao Canadá. 

Uma equipe de especialistas canadenses que ingressou na investigação visitou o local do acidente nesta terça, informou uma agência de notícias iraniana. Além disso, o premiê canadense, Justin Trudeau, pediu a ajuda de Kiev para conversar com o Irã sobre a identificação dos corpos dos cidadãos canadenses que foram mortos.

Na quinta (16), Londres organiza uma reunião com Canadá, Ucrânia, Grã-Bretanha e outros países que tinham cidadãos no avião. A Ucrânia disse que consideraria uma ação legal contra Teerã. 

A agitação doméstica provocada pelo acidente de avião ocorre apenas dois meses após a mais violenta repressão aos protestos desde a revolução dos aiatolás, em 1979. As autoridades mataram centenas de pessoas para reprimir uma revolta em novembro, quando manifestantes incendiaram bancos e postos de gasolina em protesto ao aumento de mais de 50% nos preços dos combustíveis.

Nesta terça, Alemanha, França e Reino Unido acusaram formalmente o Irã de descumprir o acordo nuclear firmado em 2015. Caso não haja acordo, o país poderá ser alvo de novas sanções por parte da ONU. 


CRONOLOGIA DA CRISE NO IRÃ

15.nov Regime anuncia aumento de ao menos 50% no preço da gasolina, e manifestações tomam as ruas; repressão deixa mais de 200 mortos nos dias seguintes

31.dez Manifestantes atacam a embaixada dos EUA em Bagdá, em resposta ao bombardeio dos americanos contra a facção pró-Irã Kataib Hezbollah; ação matou 25 iraquianos

3.jan EUA matam general iraniano Qassim Suleimani em ataque a aeroporto de Bagdá; ele era a segunda pessoa mais importante do país, atrás apenas do líder supremo

5.jan Irã anuncia que vai deixar de cumprir as exigências do acordo nuclear assinado em 2015, colocando um ponto final no pacto e abrindo caminho para produção de armas nucleares

6.jan Centenas de milhares de pessoas vão às ruas de Teerã em cortejo fúnebre de Suleimani

7.jan Confusão durante funeral de Suleimani em sua cidade natal, Kerman, deixa 56 mortos e 213 feridos

8.jan Guarda Revolucionária do Irã ataca com mísseis duas bases americanas no Iraque, sem deixar soldados americanos mortos; horas mais tarde, avião ucraniano com destino a Kiev cai perto ao aeroporto de Teerã, matando as 176 pessoas a bordo

11.jan Irã assume que Exército do país derrubou avião por “erro humano”, e manifestantes contra o governo vão às ruas

14.jan Quarto dia de protestos contra o regime; ativistas acusam a polícia de usar munição letal para dispersar grupos

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