Descrição de chapéu The New York Times

Milhares de judeus se reúnem nos EUA para orar e desafiar onda de antissemitismo

Evento tradicional em um estádio ganhou novos contornos com os ataques recentes contra religiosos

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Joseph Berger
East Rutherford (EUA) | The New York Times

Nos últimos cem anos, milhares de judeus participaram de um gigantesco ato religioso , ler uma página do Talmude todos os dias até terminar todos os 38 volumes dessa texto indispensável do judaísmo. A tarefa leva quase 7 anos e meio para ser concluída e termina em uma grande festa. 

Na quarta-feira (1º), os judeus lotaram o MetLife Stadium (próximo a Nova York) para celebrar a ocasião, mas desta vez, uma recente onda de ataques antissemitas por todo o país deu um significado extra à comemoração comunitária.

Judeus participam da celebração no estádio de Nova Jersey na última quarta (1º)
Judeus participam da celebração no estádio de Nova Jersey na última quarta (1º) - Jeenah Moon/Reuters

Em um dia de muito frio e vento, o encontro proporcionou uma chance de afirmarem sua fé diante daqueles atos terríveis.

Para alguns, o evento incorporou lembranças dos judeus que foram mantidos em guetos ou campos de concentração durante o Holocausto e resistiram a seus perseguidores fazendo orações clandestinas, ensinando seus filhos a Torá ou tocando furtivamente uma trombeta de chifre de carneiro no Rosh Hashaná (Ano-Novo judaico).

 "Não é exatamente a mesma coisa, mas estamos mostrando que não vamos permitir que esses ataques mudem nossa trajetória, mudem nosso idioma, mudem nossa vestimenta, mudem nosso Deus", disse Daniel Retter, advogado de imigração cujos pais escaparam da Áustria sob o regime nazista e que participaram do estudo do Talmude com uma dúzia de outros membros de sua sinagoga no Bronx.

Estima-se que 350 mil judeus em todo o mundo participam do movimento conhecido como Daf Yomi, que significa "uma página por dia" em hebraico.

Nas salas de estudo de sinagogas, nas salas de reunião de Wall Street e até no trem da estação de  Long Island às 7h51 da manhã eles estudam uma página em frente e verso todos os dias até que todas as 2.711 sejam concluídas.

 Muitos, como Retter, optam por iniciar o ciclo novamente, esperando obter mais conhecimento ou sabedoria. Ele completou seu sexto ciclo do Daf Yomi.

 O movimento se tornou tão popular que a cerimônia na área de Nova York no dia de Ano-Novo não apenas atraiu 90 mil participantes, lotando o estádio de futebol americano em Meadowlands (no estado de Nova Jersey), mas também atraiu 20 mil pessoas para o Barclays Center no Brooklyn (Nova York). Houve celebrações menores em 80 cidades, em 15 países, segundo os organizadores.

 A celebração, conhecida como Siyum HaShas, ou "conclusão do Talmud", foi organizada pelo Agudath Israel of America, o grupo coordenador ultraortodoxo que iniciou o programa em 1923 como uma maneira de unificar os judeus e sua prática em uma diáspora crescente. 

Outra organização, Dirshu, também patrocina o estudo do Daf Yomi e realizará celebrações no Prudential Center e em outros dois espaços em Nova Jersey, no dia 9 de fevereiro. 

A grande maioria dos presentes no MetLife Stadium eram homens ortodoxos, muitos das vertentes hassídicas e ultraortodoxas, e seus ternos e chapéus tingiram o estádio em um tom de carvão.

Havia uma área especial para mulheres para que esposas e filhas pudessem apoiar seus maridos e pais. Embora um número crescente de mulheres ortodoxas modernas participe do estudo do Talmud, adeptos mais tradicionais diferenciam bastante os papéis de cada gênero.

"Temos nosso papel e os homens têm seu papel", disse Avigayil Gleiberman, uma contadora de 29 anos que veio ao estádio com o marido e a família. “Embora tenhamos aulas de Torá, a maior parte do meu dia é consumida com trabalho, cuidado com meus filhos e apoio ao meu marido.”

 Para alguns, a celebração deste ano não teve a exuberância das dos anos passados. Ela foi obscurecida por uma percepção recente de que os judeus nos Estados Unidos se tornaram alvos nos últimos 14 meses de violência antissemita, por vezes mortal, em Pittsburgh, na área de San Diego, em Jersey City e no Brooklyn.

No sábado (28), um grupo de judeus ortodoxos que acendia velas pela sétima noite do Hanukkah na casa de um rabino no subúrbio de Monsey, em Nova York, foi atacado por um homem empunhando um facão.

Ele esfaqueou cinco dos convidados, deixando um rabino, Josef Neumann, com uma fratura no crânio. Em um comunicado, a família de Neumann disse que ele pode não recobrar a consciência.

 Os promotores incriminaram Grafton E. Thomas, que segundo eles teria feito buscas na Internet para "por que Hitler odiava os judeus?". A família e o advogado do acusado disseram que ele tem um histórico de doença mental, mas nunca foi antissemita.

 Após esse ataque, a celebração de Daf Yomi foi vista não apenas como um ato de fé, mas também como de resistência.

 "O Talmud sobreviveu às Cruzadas, aos pogroms, ao Holocausto e a muitas outras atrocidades, mas o Talmud e o povo judeu perseveraram e mantiveram nossas raízes, e continuarão a crescer", disse Yossi Gleiberman, um importador de relógios, pai de cinco filhos e sogro de Avigayil Gleiberman.

 O Talmud, elaborado entre os anos 200 e 540, é a base central da lei religiosa judaica e consiste em debates entre centenas de rabinos sobre os pontos sensíveis coletados dos ensinamentos mais generalizados do Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia. As discussões envolvem ética, filosofia, folclore e rituais e contemplam quase todos os aspectos da vida de um judeu vigilante.

 A persistência nesse estudo, afirma Yossi, mostra ao mundo que "não vamos desaparecer. Nós viemos para ficar."

Tradução de AGFox

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