Descrição de chapéu The New York Times

Mostra em Israel justapõe emoji sorridente e pictogramas do Egito antigo

Exposição em Jerusalém destaca relação entre escrita milenar e língua franca da era digital

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Isabel Kershner
Jerusalém | The New York Times

As figuras esbeltas, os olhos destacados com delineador e as oferendas aos deuses gravados nos templos e túmulos do antigo Egito estão tendo uma espécie de vida gráfica após a morte, reencarnados nos emojis —de hambúrgueres, lágrimas de alegria e brindes com duas canecas de cerveja— que fazem parte da comunicação com mensagens digitais.

Uma exposição no Museu de Israel, em Jerusalém, “Emoglifos: a Escrita através de imagens, dos Hieróglifos aos Emojis”, destaca a relação aparentemente óbvia, mas também complexa, entre o icônico sistema de comunicação da antiguidade e a língua franca da era digital.

Espécie de viagem visual e linguística no tempo, “Emoglifos” justapõe a escrita dos pictogramas do antigo Egito, antes indecifrável e que começou a ser desenvolvida cerca de 5.000 anos atrás, e o uso mais acessível e universal de pictogramas nascido no Japão no final da década de 1990.

“Sempre foi difícil explicar como se leem hieróglifos”, comentou a egiptóloga Shirly Ben Dor Evian, curadora da exposição. “Mas nos últimos anos isso vem ficando mais fácil porque as pessoas andam escrevendo com imagens. Por isso comecei a estudar os emojis.”

Ben Dor Evian contou que a primeira coisa que chamou a sua atenção foi que alguns emojis se parecem com hieróglifos.

Uma tabela na entrada da mostra traz uma coluna de hieróglifos ao lado de uma coluna de emojis. As semelhanças são surpreendentes: não há necessidade de tradução.

A imagem egípcia de um cão genérico e esbelto guarda semelhança estreita com o emoji de um cão saltitante de perfil.

Um pato (frequentemente usado no antigo Egito como símbolo genérico de um ser alado) reaparece milhares de anos mais tarde num emoji de um pato quase idêntico, também com a cabeça voltada para o lado esquerdo.

E o chamado emoji do homem dançando mostra um homem em pose semelhante ao de um hieróglifo de um homem dançando, ambos com um braço erguido. Não há muito que os distinga, exceto pelo terno roxo do homem no emoji e o tapa-sexo de 3.000 anos atrás.

Em cartaz numa galeria pequena da Ala Bronfman de Arqueologia do Museu de Israel, a mostra inclui mais de 60 artefatos egípcios antigos. A maioria vem do acervo do próprio museu, e muitos estão sendo expostos ao público pela primeira vez.

Em telas interativas, os visitantes podem checar até onde sabem interpretar emojis e seu conhecimento recém-adquirido sobre hieróglifos. Dados sobre as interpretações divergentes feitas de alguns emojis serão coletados como parte de uma pesquisa.

Emojis e hieróglifos podem ter características comuns, mas também existem diferenças profundas e complexas entre eles.

Vista da exposição 'Emoglifos: a escrita através de imagens, dos hieroglifos aos emojis', no Museu de Israel, em Jerusalém
Vista da exposição 'Emoglifos: a escrita através de imagens, dos hieroglifos aos emojis', no Museu de Israel, em Jerusalém - Menahem Kahana/AFP

A escrita hieroglífica era uma linguagem escrita completa, e, embora mesmo uma pessoa analfabeta conseguisse reconhecer e entender alguns dos símbolos básicos, os escribas seguiam regras rígidas e tinham que ser altamente qualificados.

Com o tempo, os escritos da antiguidade egípcia foram sendo modificados até chegar à eficiência fria do primeiro alfabeto de cerca de 20 caracteres. Este podia ser executado e ensinado muito mais facilmente, tendo levado a uma explosão nas comunicações.

“O que aconteceu agora”, disse Ben Dor Evian, que tem um aplicativo de hieróglifos em seu telefone celular, “é que ficou mais fácil clicar sobre um emoji do que escrever uma palavra inteira.”

Os emojis frequentemente são usados como uma linguagem emocional abreviada —pense no emoji de um rostinho sorridente mandando um beijo em forma de coração, usado para suavizar uma mensagem ou assinalar amor, ou de um rostinho dando uma piscadela, que assinala sarcasmo—, preenchendo uma lacuna expressiva que as mensagens de texto podem não transmitir.

Na arte e escrita do antigo Egito, a imagem de um escaravelho expressava todo um conceito da vida após a morte e do renascimento, sendo usado em inscrições para simbolizar o verbo “tornar”.

A escrita hieroglífica também tinha maneiras de contextualizar mensagens por meio de uma série de símbolos mudos conhecidos como “classificadores”. Um bastão de arremesso líbio, por exemplo, podia ser usado para denotar algo estranho ou estrangeiro.

Os dois sistemas parecem ter tomado nota do poder dos pictogramas. Um feitiço antigo inscrito sobre um escaravelho para suavizar a jornada dos mortos até a vida no além trazia imagens de aves sem pernas, para que não pudessem se afastar do feitiço.

Em 2016, milhares de anos mais tarde, a Apple trocou seu emoji realista de um revólver por uma arma de brinquedo verde, de esguicho, em um gesto de reconhecimento às pessoas que combatem o acesso fácil a armas de fogo e a violência cometida com elas. A iniciativa foi seguida por outras plataformas.

Com o início das pesquisas sobre o campo dos emojis, egiptólogos, linguistas cognitivos e especialistas em comunicações começaram a debater as semelhanças e diferenças entre os dois sistemas de comunicação.

Alguns saúdam os emojis como uma nova linguagem. Um entusiasta lançou “Emoji Dick”, uma versão em emojis, criada com a participação e contribuição financeira de muitas pessoas, do clássico de Herman Melville “Moby Dick”.

Em 2015, o dicionário Oxford escolheu o emoji do “rosto com lágrimas de alegria” como sua palavra do ano, dizendo que era o que melhor representava “o ethos, o estado de espírito e as preocupações” da época.

Mas Chaim Noy, professor da escola de comunicações da Universidade Bar Ilan, em Tel Aviv, que ministra um curso sobre emojis “porque isso atrai os estudantes”, acha que é simplista e populista falar dos emojis como uma linguagem.

Ele os encara como um suplemento do texto, baseado na linguagem corporal. Noy, que também é especialista em estudos museológicos, considerou que mesmo assim há algo de dramático na exposição no Museu de Israel, que continuará até 12 de outubro, justapondo a alta cultura do museu e do antigo Egito com a cultura popular dos emojis.

“É um pouco provocante”, refletiu ele, “afasta aquela imagem gasta, empoeirada.”

Tradução de Clara Allain 

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