Descrição de chapéu The Washington Post

Mudo sobre os protestos em Hong Kong, Trump apoia manifestantes iranianos

Para diretor de ONG de direitos humanos, republicano mina credibilidade do governo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

David Nakamura
Washington | Washington Post

Em meio a reportagens sobre os protestos contra o governo do Irã no fim de semana passado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou uma série de tuítes com o objetivo de pressionar Teerã, pedindo que grupos de direitos humanos possam "monitorar e relatar" os tumultos.

"Não pode haver mais um massacre de manifestantes pacíficos, nem um bloqueio da internet", escreveu Trump em inglês e farsi. Seu raro uso de uma língua estrangeira torna o desafio à liderança do Irã mais aguçado. "O mundo está assistindo."

Várias horas depois, em Hong Kong, Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch, sediada nos EUA, foi impedido de entrar no país após desembarcar no aeroporto. Um porta-voz do governo chinês em Pequim disse que a proibição é um "direito soberano" do país, diante do apoio desse grupo aos protestos maciços pró-democracia desde o verão passado.

Trump nada disse sobre a situação de Roth.

Estudantes iranianos reunidos em uma universidade em Teerã para protesto contra a derrubada do avião ucraniano pelo Irã - Atta Kenare/AFP

Para a maior parte do mundo, os protestos em Hong Kong e em Teerã refletiram frustrações semelhantes dos cidadãos sobre o controle, a repressão e a irresponsabilidade dos regimes autoritários.

Relatos de táticas com armas pesadas usadas pelas autoridades para reprimir os levantes em Teerã —que ganharam ênfase depois que militares iranianos admitiram ter abatido por engano um avião de passageiros ucraniano, matando as 176 pessoas a bordo, em meio a uma operação militar contra os EUA— ecoaram alguns dos confrontos mais sangrentos em Hong Kong.

Mas, para Trump, os dois pontos de indignação provocaram respostas retóricas marcadamente diferentes, mostrando um presidente que sempre usou a defesa dos direitos humanos de maneira tática e discutível, visando principalmente ganhar concessões sobre segurança ou comércio, e não como uma expressão mais ampla de valores democráticos no estilo ocidental.

Nos últimos dias, ele havia se esforçado para oferecer solidariedade aos manifestantes no Irã, enquanto esteve decididamente mais cauteloso sobre a situação em Hong Kong.

"Os princípios de direitos humanos são princípios fortes porque se aplicam a todos. Quando Trump escolhe onde promover os direitos humanos, ele mina a credibilidade da voz do governo americano", disse Roth, que pretendia divulgar um relatório crítico a Pequim em uma entrevista coletiva em Hong Kong.

"Não quero menosprezar a importância do apoio do governo dos EUA aos manifestantes do Irã, mas ele seria muito mais eficaz se fosse aplicado de maneira mais baseada em princípios", acrescentou Roth. "É tão fácil responder a Trump alegando que ele está instrumentalizando os direitos humanos —usando os direitos humanos como simplesmente mais uma ferramenta em uma batalha com os religiosos."

O fluxo de tuítes e retuítes de Trump em apoio aos manifestantes iranianos nos últimos três dias ocorreu quando o governo redobrou sua campanha de pressão máxima em Teerã após o confronto militar na semana passada, que resultou na morte por um drone americano do principal general do Irã; depois o Irã disparou uma dúzia de mísseis balísticos contra bases iraquianas que abrigavam tropas americanas, na noite em que o avião ucraniano foi abatido.

O presidente também parecia ansioso para usar as manifestações na capital iraniana para marcar pontos políticos contra os democratas, enquanto procurava pintar a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, como apoiadores do regime iraniano, entre críticas à sua política externa e aos esforços para seu impeachment.

Os democratas acusaram Trump de retirar de forma imprudente os Estados Unidos do acordo nuclear iraniano negociado pelo governo Obama, e muitos manifestaram apoio aos manifestantes, enfatizando seu descontentamento com as políticas de Trump e as recentes medidas em relação ao Irã.

"Apoio o direito da população iraniana de protestar pacificamente contra seu governo corrupto. Mas isso não é contra nós", tuitou a senadora democrata Elizabeth Warren. "Deveríamos apoiá-los, inclusive levantando a proibição a muçulmanos —não tentar modificar o regime ou nos arriscarmos de forma imprudente a uma guerra."

No domingo (12), Trump soltou outro tuíte em farsi —traduzindo um anterior que alertava os líderes iranianos: "NÃO MATE SEUS MANIFESTANTES"—  em meio a uma tempestade de tuítes furiosos sobre o impeachment, enquanto os programas de entrevistas na televisão estavam em andamento. Os aliados republicanos de Trump cortaram uma resposta de Pelosi no programa "This Week" da ABC, na qual ela disse "existem diferentes razões pelas quais as pessoas estão nas ruas", para sugerir que ela não acredita que os manifestantes estejam denunciando o regime dominante.

Trump retuitou várias postagens de usuários do Twitter —incluindo várias contas com origens vagas— referindo-se aos protestos no Irã e empregando o hashtag #NancyPelosiFakeNews. Entre eles, havia um post com uma imagem adulterada de Schumer usando um turbante e Pelosi com hijab, com texto acusando-os de correr "em socorro do aiatolá" —meme que provocou a condenação de muçulmanos americanos.

"Por que diabos o presidente dos Estados Unidos está usando o modo como eu e milhões de outros americanos se vestem e as crenças religiosas que temos como um insulto?", escreveu Hend Amry, uma voz conhecida no Twitter.

Em comparação, Trump tem sido muito mais reservado em relação aos protestos em Hong Kong sobre a tentativa de Pequim de impor controles legais mais rigorosos, apesar da antiga abordagem de "um país, dois sistemas" do governo da ilha.

Embora Trump tenha dado notas ocasionais de apoio aos manifestantes —inclusive em um discurso na Assembleia Geral da ONU no outono passado—, ele teve o cuidado de não criticar diretamente o presidente chinês, Xi Jinping, em meio às negociações comerciais em curso.

Trump elogiou a liderança de Xi e sugeriu que um líder chamado de mais cruel que qualquer dirigente chinês desde Mao Tsetung se reunisse com os manifestantes. No outono passado, Trump tuitou parabéns à China pelo 70º aniversário do regime do Partido Comunista, mensagem postada horas depois que um manifestante em Hong Kong foi baleado pelas autoridades.

Ele deixou para o vice-presidente, Mike Pence, e o secretário de Estado, Mike Pompeo, oferecerem críticas mais diretas ao histórico de direitos humanos de Pequim.

Samuel Chu, diretor-gerente do Conselho de Democracia de Hong Kong, com sede em Washington, disse que enfatizou aos parceiros em Hong Kong que, dada a natureza inconstante de Trump, "é nosso trabalho alinhar, ao máximo possível, os interesses políticos do governo com nossos interesses. Não cabe a nós confiar que este governo fará a coisa certa".

Dado o interesse de Trump por um acordo comercial com Pequim, disse Chu, seu grupo concentrou grande parte de seus esforços de lobby no Congresso. Essa estratégia deu frutos em novembro, quando os legisladores aprovaram uma medida com maioria à prova de veto que exige que o governo Trump sancione as autoridades chinesas por violações dos direitos humanos em Hong Kong.

Trump assinou a lei, embora, ao fazê-lo, tenha enfatizado sua amizade com Xi. Nesta semana, Trump participará da cerimônia de assinatura de um acordo comercial da "primeira fase" com a China.

Andrea Prasow, diretora da Human Rights Watch em Washington, disse que a abordagem inconsistente de Trump em relação aos direitos humanos e manifestantes prejudicou a capacidade dos EUA de gerar pressão internacional coordenada sobre regimes opressivos.

Embora Trump tenha liderado uma forte campanha de sanções contra a Coreia do Norte durante seu primeiro ano, depois ele minimizou as questões de direitos humanos desde que iniciou negociações nucleares diretas com o ditador Kim Jong Un. E ele quase não manifestou preocupação com os abusos aos direitos humanos na Arábia Saudita, ao estabelecer um relacionamento próximo com os líderes do reino.

"Trump é visto como tão imprevisível e tão inconstante que não ajuda a construir o que realmente poderia beneficiar o Irã: consenso internacional", disse Prasow. "A reação inicial é: 'Ei, ele está falando sobre direitos humanos!' Mas é contraproducente quando isso vem deste governo, sabendo que será apenas instrumentalizado —e que pode mudar por um centavo."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.