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Na mídia do Irã, Trump foi derrotado, e 80 soldados americanos morreram em ataques

País persa se afasta do conflito com os EUA, mas mantém encarniçada guerra de versões na imprensa

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São Paulo

Enquanto o presidente Donald Trump comemorava vitória em seu embate com o Irã, celebrando a morte “de um terrorista implacável” e o fato de nenhum soldado americano ter morrido nos ataques iranianos, a visão no Irã era bem diferente. Ou, pelo menos, a visão que a mídia iraniana, controlada pelo governo, tentava emplacar.

Alguém que só acompanhasse pela imprensa iraniana o desenrolar dos acontecimentos após o assassinato do general iraniano Qassim Suleimani no Iraque, na sexta (3), a mando de Trump, poderia sair com a nítida impressão de que os EUA saíram com o rabo entre as pernas após Teerã retaliar com ataques a bases americanas no Iraque.

Em meio à guerra de versões, a agência de notícias iraniana Mehr chegou a anunciar que “mais de 80 soldados terroristas americanos” tinham sido mortos e “cerca de 200” haviam ficado feridos nos ataques com mísseis iranianos na base americana em Ain al Assad, no oeste do Iraque, citando “relatos precisos de fontes locais” passados à TV estatal IRIB.

Vários veículos da mídia do Irã reproduziram esses números.

A Guarda Revolucionária iraniana também disse a jornalistas locais que o aiatolá Ali Khamenei estava coordenando uma segunda onda de ataques em uma sala de controle e que 30 soldados americanos haviam morrido e vários helicópteros e drones tinham sido destruídos.

Segundo Trump, não houve nenhuma morte e ocorreu apenas “dano mínimo a nossas bases militares”.

Tudo armação, segundo a TV libanesa Al Mayadeen, ligada à milícia xiita Hizbullah, patrocinada pelo Irã.

“Os americanos impediram que qualquer soldado iraquiano se aproximasse para esconder as perdas causadas pelos mísseis iranianos”, disse a TV em sua conta do Twitter. Também na rede social, a TV creditava a agência iraniana Tasnim para dizer que “o sistema de defesa americano não conseguiu abater mísseis iranianos devido à velocidade extremamente alta dos mísseis Fateh 313.”
 
No discurso televisionado da Casa Branca, Trump fez questão de dizer que os iranianos é que haviam recuado e que as forças americanas estavam preparadas para tudo.

Na mídia iraniana, nada disso apareceu. Ao final do discurso, o Tehran Times publicou artigo com o título: “Trump recua de mais conflitos militares com o Irã”.

Referia-se ao fato de Trump ter ameaçado, pelo Twitter, atacar 52 pontos no Irã, entre eles sítios culturais, se o país fizesse retaliações por causa do assassinato de Suleimani.

O Jaam-e Jam, jornal de grande circulação, citava um suposto comentário de um jornalista da CNN para dizer, no título de uma reportagem: “Correspondente da CNN diz que Irã mostrou que pode responder aos EUA”.

A Press TV, rede do governo iraniano voltada ao público internacional, também omitiu de sua cobertura no site as menções de Trump ao suposto recuo iraniano e aos poucos danos inflingidos às bases do país. E apontava: “Autoridades americanas se negam a dar informações sobre os danos em suas bases ou mortes causadas pelos mísseis”.

Na mídia ocidental, prevaleceu a narrativa de que o Irã propositalmente fez ataques que não causaram nenhuma morte, porque precisava mostrar que estava reagindo ao assassinato do segundo homem mais poderoso do país, mas não queria entrar em guerra com os EUA, que tem uma enorme superioridade militar.

O Tehran Times culpou o mensageiro. “Um especialista em mídia afirma que certos veículos de mídia ocidentais estão tentando minimizar a importância dos ataques iranianos contra as forças americanas”, noticiava o jornal, sem identificar o especialista, que teria pedido anonimato ao Tehran Times.

Homem bronzeado e loiro discursa em frente a microfone
O presidente Donald Trump faz discurso na quarta (8) sobre os mísseis lançados pelo Irã às bases militares no Iraque - Shealah Craighead/White House

Ao mesmo tempo, TVs estatais veiculavam imagens mostrando o arsenal de mísseis do Irã e vídeos de um suposto lançamento contra bases americanas, em que se escuta, ao fundo, “Allahu Akbar (Deus é grande)”.

O jornal conservador Kayhan comemorou: “Bases americanas atingidas com incrível precisão”.

Veículos de mídia no Irã têm “incentivos” para aderir à narrativa oficial.

Segundo o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), o Irã está em sétimo lugar no ranking dos países que mais censuram a imprensa —atrás de Eritreia, Coreia do Norte, Turcomenistão, Arábia Saudita, China e Vietnã.

“O governo do Irã prende jornalistas, bloqueia sites e mantém um clima de medo com assédio e vigilância, incluindo as famílias dos jornalistas. A mídia doméstica precisa respeitar rigoroso controle estatal.”

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