Descrição de chapéu The Washington Post Brexit

O que muda no Reino Unido após o brexit no dia 31 de janeiro?

País oficializará saída da União Europeia, mas regras atuais da relação com o bloco serão mantidas

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William Booth Karla Adam
Londres | The Washington Post

Brexit Day, ou “Exit Day" (dia da saída), como prefere dizer o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, está quase chegando.

Na sexta-feira (31), o Reino Unido vai oficialmente sair da União Europeia, deixando para trás os vínculos estreitos que duraram mais de quatro décadas.

O que vai mudar? Nada. Pelo menos não em um primeiro momento.

Cachecol com bandeiras do Reino Unido e da União Europeia, usado por representante britânico no Parlamento Europeu - John Thys/AFP

O livre comércio e a liberdade de movimento entre Reino Unido e UE vão continuar pelo resto de 2020.

O Reino Unido vai continuar a contribuir para o orçamento da UE. E ainda terá que se reger pelas leis da UE, embora os deputados britânicos no Parlamento Europeu terão feito as malas e perdido o direito de palpitar sobre como essas leis são determinadas.

O maior choque sofrido pela política britânica em uma geração não será sentido pela maioria das pessoas até o término de um período de transição de 11 meses.

Será depois disso que todos verão uma mudança profunda no relacionamento do Reino Unido com a Europa e o mundo. E ainda há muita coisa que precisa ser resolvida até lá.

Veja o que consta da lista de tarefas a cumprir.

Garantir o 'fish and chips' (peixe com fritas)

Tudo se resume ao bacalhau.

Os pescadores britânicos e as pessoas que os apoiam vêm se queixando há anos da superexploração das águas britânicas, ricas em pescado, por frotas pesqueiras irlandesas, francesas e dinamarquesas.

O setor pesqueiro representa apenas uma parte minúscula do PIB britânico e emprega apenas 24 mil pessoas. Mas a questão do pescado é altamente emotiva, agitando o fervor nacionalista.

Boris Johnson já prometeu que o Reino Unido vai recuperar sua “espetacular riqueza marítima”, nem que seja a última coisa que faça.

Enquanto isso, o premiê da Irlanda, Leo Varadkar, avisou na BBC na segunda-feira: “É possível que vocês tenham que fazer concessões em áreas como a da pesca para conseguir concessões em áreas como a dos serviços financeiros” em um acordo comercial pós-brexit.

A Guerra do Bacalhau de 2020 está apenas começando.

Segurar os 450 milhões de consumidores europeus

Durante o período de transição, o Reino Unido vai continuar dentro da união alfandegária e do mercado único da UE, mas depois disso tudo é incerto.

O secretário do Brexit, Stephen Barclay, diz que o Reino Unido quer assinar até o fim do ano um pacto comercial com a UE “com tarifas zero e cotas zero”.

Mas a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já avisou –de maneira muito cordial, muito amigável, muito pública— que é quase impossível que os dois lados consigam concluir um pacto abrangente dentro desse prazo “muito apertado”.

Ela sugeriu que Boris tenha de pedir um adiamento. Ou então aceitar um acordo parcial –e continuar a negociar.

Boris insiste que, se seus prazos finais forem ultrapassados, ele desistirá e caminhará (de novo) em direção ao temido penhasco de uma saída da UE sem acordo. Nem todos acreditam nisso.

Fechar um acordo com o presidente Trump –ou seu sucessor

Uma vez que o Reino Unido tenha oficialmente saído da UE, poderá começar a negociar com países que já não têm acordos comerciais com a UE. O topo dessa lista é ocupado pelos EUA.

O presidente Donald Trump, fã do brexit, prometeu um acordo “colossal”. Os dois lados já disseram que querem redigir alguma coisa em muito pouco tempo.

Mas pode haver obstáculos no caminho, incluindo diferenças em relação a preços de medicamentos e a impostos sobre grandes empresas de tecnologia.

Há também a discussão sobre o chamado “frango clorado”. Acredite se quiser, esse é um problema importante. Mais importante ainda que o bacalhau.

Para possibilitar o comércio livre e fácil de produtos agrícolas, a Europa está pressionando o Reino Unido a permanecer alinhado com as regras da UE relativas à segurança dos alimentos e ao bem-estar animal.

Mas isso colocará o Reino Unido numa rota de colisão com os EUA e seus regulamentos agroindustriais relativamente frouxos. Os processadores de alimentos americanos mergulham as aves em um banho de cloro e injetam antibióticos em seus bovinos –e as duas práticas são estritamente proibidas na UE.

Se Boris vai ou não se dobrar aos americanos em relação ao “frango clorado” e deixar que empresas farmacêuticas americanas tenham acesso ao mercado do serviço britânico de saúde são questões que foram contenciosas na eleição geral britânica do mês passado.

Os britânicos vão acompanhar atentamente o que o primeiro-ministro vai fazer.

Depois, fechar acordos com outros países

Quando o Reino Unido enveredar por seu caminho próprio, vai na prática se retirar de centenas de pactos firmados entre a UE e o resto do mundo.

O jornal Financial Times contabilizou mais de 750 tratados “que cobrem centenas de milhares de páginas e abrangem 168 países não pertencentes à UE. Eles dizem respeito a quase todas as funções externas de uma economia moderna, desde os voos aéreos para os EUA até o comércio de fêmeas de suínos com a Islândia, passando pela pesca em mares distantes”.

O governo de Boris disse que a maioria desses tratados será adaptada rapidamente com o simples acréscimo de algumas linhas de texto e então receberá prontamente o selo de aprovação das partes em questão.

Seja como for, o Reino Unido vai precisar de muita tinta para tantos carimbos.

Imprimir novos passaportes e “retomar o controle” das fronteiras

No início deste ano o Reino Unido vai começar a introduzir passaportes novos em folha –azuis, como nos bons velhos tempos. Até meados de 2020, todos os passaportes britânicos novos serão azuis.

Mas eles não trarão aquele carimbo “União Europeia” na capa, que permite que os 500 milhões de cidadãos do bloco atravessem as fronteiras de seus 28 países membros sem obstáculos.

O livre movimento vai continuar durante o período de transição. Cidadãos londrinos ainda poderão se mudar livremente para Lisboa, berlinenses ainda poderão trabalhar em Birmingham.

Mas os cidadãos da UE que vivem no Reino Unido têm prazo de até junho de 2021 para candidatar-se ao direito de residência, senão estarão no país ilegalmente.

De agora em diante, europeus não terão preferência automática sobre pessoas de outros países que queiram viver e trabalhar no Reino Unido.

E britânicos não poderão viver e trabalhar na Europa tão facilmente.

Mas eles não trarão aquele carimbo “União Europeia” na capa, que permite que os 500 milhões de cidadãos do bloco atravessem as fronteiras de seus 28 países membros sem obstáculos.  

Boris Johnson vai anunciar em breve um plano de imigração pós-brexit que se prevê que seja algo semelhante ao esquema australiano, baseado em pontos.

A questão da imigração foi um dos grandes motivadores no referendo de 2016 sobre a permanência britânica na UE, com os defensores do brexit prometendo “retomar o controle” das fronteiras nacionais.

Boris Johnson vai querer dizer que alcançou esse objetivo.

Tradução de Clara Allain

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