Países árabes reagem sem entusiasmo a plano de paz anunciado por Trump

Presidente dos EUA revelou proposta feita sem participação de autoridades palestinas

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Beirute | The New York Times

Quando anunciou na terça-feira (28) seu plano para resolver o conflito entre israelenses e palestinos, o presidente Donald Trump declarou com confiança que países árabes exerceriam um papel crucial no êxito do plano.

Mas nenhum dos aliados árabes dos EUA endossou o plano formalmente ou assumiu qualquer compromisso concreto de apoiá-lo, levando a dúvidas sobre até que ponto eles realmente ajudarão a colocá-lo em prática.

Trump anunciou o plano na Casa Branca ao lado do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu. Descreveu o plano como sendo tanto necessário para a segurança de Israel quanto uma oportunidade para os palestinos terem autonomia e fazerem sua economia crescer. ​

Manifestantes palestinos em Rafah, na Faixa de Gaza, durante protesto contra plano de paz proposto por Donald Trump
Manifestantes palestinos em Rafah, na Faixa de Gaza, durante protesto contra plano de paz proposto por Donald Trump - Said Khatib - 28.jan.20/AFP

Há “muitos, muitos países que querem participar disso”, disse Trump a Netanyahu, prevendo que “vocês receberão apoio tremendo dos países vizinhos e outros”.

Mas faltaram indicações claras desse apoio.

Embora três embaixadores árabes estivessem presentes no anúncio –os de Omã, do Bahrein e dos Emirados Árabes Unidos—, disse Trump, não havia palestinos presentes.

“Vocês não conseguiram encontrar um único palestino para comparecer?”, indagou Daoud Kuttab, jornalista palestino e colunista do site de jornalismo Al-Monitor.

Ele destacou que apesar de Egito e Jordânia terem tratados de paz com Israel e de Trump ter escolhido a Arábia Saudita para a primeira viagem ao exterior de sua Presidência, “nenhum deles compareceu”.

Durante décadas a causa palestina foi algo raro: uma questão que unia os árabes em todo o Oriente Médio. Mas ela perdeu importância nos últimos anos, à medida que o processo de paz foi ficando paralisado.

Alguns líderes árabes voltaram o foco de sua atenção para a segurança e os problemas econômicos de seus próprios países. Outros, incluindo países do Golfo Pérsico como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, acabaram enxergando o Irã como a maior ameaça à região e Israel como potencial aliado contra o Irã.

Mesmo assim, apesar de tudo o que mudou, líderes árabes se abstiveram de apoiar publicamente o plano de Trump.

No discurso que deu na terça-feira (28) na Casa Branca, Trump agradeceu a Omã, Bahrein e Emirados Árabes Unidos “pelo trabalho incrível que vêm fazendo em nos ajudar tanto” e destacou que seus embaixadores estavam presentes. Mas nem mesmo esses países endossaram o plano formalmente.

Alguns outros países adotaram uma postura nitidamente comedida.

A chancelaria do Egito, o primeiro país árabe a selar um tratado de paz com Israel, louvou os esforços de Trump para chegar a um acordo, mas a linguagem usada em sua declaração se mantém dentro dos limites da política egípcia de longa data em relação ao conflito.

O Egito, segundo a declaração, “aprecia os esforços contínuos” da administração Trump para pôr fim ao conflito. Ele incentiva as duas partes a retomar discussões que possam em um momento futuro devolver aos palestinos “seus plenos direitos legítimos, por meio do estabelecimento de um estado independente e soberano”.

A declaração cuidadosamente articulada constitui uma expressão clara de apoio ao presidente americano, embora não do plano, da parte do líder autoritário do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, que Trump descreveu certa vez como “meu ditador favorito”.

A administração Trump está mediando atualmente uma disputa envolvendo o Egito, sediando negociações com representantes de Egito, Etiópia e Sudão sobre uma barragem contenciosa de US$ 4 bilhões que a Etiópia está construindo.

A Jordânia, outro aliado dos EUA que fez as pazes com o Estado judaico, na prática ignorou o plano de Trump e reafirmou seu engajamento com muitos das reivindicações palestinas que a proposta da Casa Branca ignorou.

Entre elas: as fronteiras gerais de um Estado palestino com sua capital em Jerusalém Oriental.

Em declaração à imprensa, o ministro do Exterior Ayman Safadi disse que a Jordânia vai continuar a trabalhar com países árabes e a comunidade internacional “para que se alcance uma paz justa e duradoura que satisfaça todos os direitos legítimos do povo palestino”.

Também a Arábia Saudita elogiou os esforços de Trump, mas não endossou seu plano.

Enquanto aliados dos EUA reagiram cautelosamente à proposta, adversários derramaram escárnio sobre o país por seu apoio a Israel.

O partido político e organização militante Hizbullah, no Líbano, descreveu o plano de Trump como “o pacto da vergonha” e apontou um dedo acusador para os países árabes que se aliaram aos Estados Unidos.

“Este acordo não teria acontecido não fosse pela cumplicidade e traição de uma série de regimes árabes envolvidos secretamente e publicamente nesta conspiração”, disse a entidade em comunicado.

A proposta de Trump foi recebida em boa parte do mundo árabe com fúria, humilhação ou resignação. A hostilidade em relação a americanos e israelenses parece estar no mesmo nível que o sentimento de desilusão de alguns árabes em relação a seus próprios líderes.

“As farsas históricas se repetem”, disse no Twitter o veterano ativista dos direitos humanos Gamal Eid, no Cairo. “Da miserável Declaração de Balfour de 1917 à farsa da Declaração de Trump de 2020. E os líderes árabes ou são inúteis ou estão aplaudindo.”

Nabil Fahmy, um ex-ministro do Exterior egípcio, disse temer que a proposta de Trump não apenas não traga paz à região como afunde de vez as chances de um acordo duradouro.

“Para apresentar a proposta desse modo, é preciso querer que ela seja rejeitada”, explicou. “E se você rejeita esse acordo, está destruindo os princípios do processo de paz e qualquer possibilidade de avanço. É simplesmente espantoso.”

Para muitos, a proposta de Trump assinalou mais um marco funesto naquilo que muitos árabes veem como sendo o abandono americano da causa palestina, que vem ocorrendo há décadas.

Alguns dos comentários também refletiam uma tristeza maior e mais profunda, um sentimento de que uma causa que durante décadas uniu o Oriente Médio está desaparecendo aos poucos, perdendo sua relevância, e que os árabes comuns estão simplesmente perdendo o interesse nela.

Para alguns, os árabes jovens estão preocupados apenas com a violência e turbulência política que se seguiram aos levantes de 2011 em vários países, ou então que eles próprios foram silenciados.

“Se os governos da região estivessem representando a vontade de suas populações, talvez as vozes árabes falassem mais alto”, comentou Timothy E. Kaldas, analista no Cairo do Instituto Tahrir de Política do Oriente Médio.

“Mas, com a repressão extraordinária vista na região, com regimes não interessados em travar diálogos críticos em seus próprios países, é muito difícil visualizar o que os povos desses países poderiam fazer de fato.”


PRINCIPAIS PONTOS DO PLANO DE PAZ

  • Possibilitar a criação de um Estado palestino com mais do dobro do tamanho do território atual, mas sem Exército e Força Aérea e sob controle de Israel a oeste do rio Jordão 
  • Estabelecer Jerusalém como capital “indivisível” de Israel, com a capital palestina ocupando partes do leste da cidade, onde os EUA abririam uma embaixada
  • Reconhecer os assentamentos israelenses na Cisjordânia e o vale do rio Jordão como parte de Israel; nem palestinos nem israelenses serão forçados a deixar suas casas
  • Congelar futuras ocupações de território palestino durante quatro anos, enquanto ocorrem as negociações da criação do Estado da Palestina
  • Recusar o direito de retorno de palestinos refugiados a regiões perdidas para Israel em conflitos anteriores; eles poderão viver no futuro Estado da Palestina, integrar-se nos países em que vivem atualmente ou migrar para um novo país
  • Investimentos de US$ 50 bilhões por parte dos EUA no novo Estado palestino, que criaria 1 milhão de novos empregos e reduziria a pobreza pela metade
  • Reconhecimento de Israel como Estado judeu

Tradução de Clara Allain 

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