Manifestantes acusam polícia de usar munição letal para reprimir protestos no Irã

Premiê canadense diz que vítimas de queda de voo estariam vivas se não houvesse escalada de tensão na região

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Dubai e Teerã | Reuters e AFP

Manifestantes que estão indo às ruas pelo terceiro dia consecutivo no Irã nesta segunda-feira (13) acusam a polícia de usar munição letal para dispersar os grupos.

Os protestos criticam o governo desde a admissão de culpa pela derrubada, por engano, de um avião comercial ucraniano com 176 pessoas a bordo, e pedem a renúncia do líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.

Vídeos supostamente gravados no fim de semana e divulgados nas redes sociais mostram pessoas feridas sendo carregadas e poças de sangue no chão. É possível ouvir barulhos de tiros —embora a polícia negue ter aberto fogo contra os ativistas.

A agência Reuters não conseguiu verificar a autenticidade dos vídeos, e é difícil obter uma imagem completa dos protestos por causa de restrições impostas pelo regime à mídia independente. 

Iraniana exibe cartaz que diz "Seu erro foi sem intenção, sua mentira foi intencional", durante protesto em Teerã - AFP

Há também imagens que registram tiros contra protestos na Praça Azadi, em Teerã, além de agentes correndo, segurando rifles, e guardas batendo em manifestantes com porretes. Outros vídeos mostram estudantes gritando frases como "clérigos, despareçam" do lado de fora de universidades em Teerã e em Isfahan (a 340 km da capital) nesta segunda.

O filho de um líder do movimento opositor Verde foi preso, informou o site Sahamnews. Hossein Karoubi foi detido dois dias após seu pai, em prisão domiciliar desde 2011, pedir ao líder supremo que renunciasse, em função da queda do avião ucraniano.

A polícia do Irã nega ter atirado contra os manifestantes e diz que seguiu ordens superiores para agir com comedimento.

Os protestos nas ruas ocorrem após uma série de eventos que elevaram a tensão no Oriente Médio. Em dezembro, mísseis foram disparados contra bases dos EUA no Iraque. Washington culpou milícias ligadas ao Irã pelos disparos.

Em 3 de janeiro, os Estados Unidos mataram, no Iraque, o general Qassim Suleimani, maior autoridade militar do país. A morte gerou comoção no Irã, e centenas de milhares de pessoas foram às ruas prestar homenagens ao general em protestos e cortejos fúnebres que passaram por diversas cidades do Irã e do Iraque.

Em represália, na madrugada do dia 8, o Irã atacou duas bases militares dos Estados Unidos no Iraque. Os ataques com mísseis foram planejados de maneira cirúrgica, de tal forma que não houve mortes.

Horas depois desses ataques, o Irã derrubou um avião da Ukranian Airlines por acidente. Inicialmente, o governo disse que a aeronave havia tido um problema técnico. Após denúncias feitas por líderes internacionais, contudo, o Irã assumiu no sábado (11) ter abatido o voo.

O presidente do Irã, Hasan Rowhani, considerou a derrubada do avião um "erro desastroso", dizendo que as defesas aéreas do país foram acionadas por engano enquanto estavam em alerta depois dos ataques com mísseis contra alvos americanos no Iraque.

Nesta segunda, o presidente americano, Donald Trump, defendeu sua decisão de mandar o Exército dos EUA matar Suleimani. Em uma rede social, disse que "na realidade não importa" se o general representava ou não uma ameaça aos EUA.

"A Imprensa de Fake News e seus Parceiros Democratas estão trabalhando duro para determinar se o futuro ataque do terrorista Suleimani era 'iminente' ou não, & se meu time estava de acordo. A resposta para ambos é um firme SIM, mas isso na realidade não importa em função de seu passado horrível!", postou Trump.

Os democratas, que estão tentando aprovar uma legislação para conter a capacidade de Trump de decidir um conflito no Irã sem a aprovação dos parlamentares, discordaram. "Você não pode tomar medidas militares contra outra nação sem o consentimento do Congresso, a menos que seja uma defesa contra um ataque iminente", disse o senador democrata Chris Murphy no Twitter.

"Agora está claro que essa foi uma ação ilegal. Isso também tornou a América menos segura", completou ele, citando uma reportagem da rede NBC News que afirmava que Trump autorizou o assassinato de Suleimani sete meses atrás.

Desde a confirmação de que Suleimani foi morto por um ataque aéreo dos EUA em Bagdá, oficiais do governo disseram que agiram por causa do risco iminente de ataques a diplomatas e militares americanos no Iraque e em toda a região.

Mas os legisladores, incluindo alguns republicanos, afirmaram que o governo falhou em mostrar qualquer evidência de que um ataque estava por ocorrer.

No sábado, o jornal americano The New York Times e o britânico The Guardian relataram protestos em que manifestantes gritavam "Khamenei é assassino" e "Khamenei acabou", em referência ao líder supremo do país, assim como pessoas rasgando fotos do general Suleimani.

No Twitter, Trump disse aos líderes do Irã no domingo que "não matem seus manifestantes" e que não impeçam a divulgação de informações. "Religuem a internet e deixem os repórteres andarem livremente."

Em resposta, o porta-voz do governo iraniano, Ali Rabiei, afirmou que a população local não esquecerá que Trump ordenou a morte de Suleimani e que ele impôs sanções que prejudicaram a economia do país. Ele disse ainda que o presidente americano derramou "lágrimas de crocodilo" ao demonstrar apoio aos manifestantes. 

Em novembro, uma onda de protestos contra o aumento do preço dos combustíveis teve atos em várias cidades do Irã. Naquela ocasião, jovens e trabalhadores também pediram a renúncia do aiatolá.

As manifestações foram duramente reprimidas pelas forças de segurança, com ao menos 7.000 pessoas presas e 200 mortas de acordo com a ONG britânica Anistia Internacional —o governo iraniano nega a acusação. Houve também cortes no acesso à internet.

Investigação da queda do voo

O premiê canadense, Justin Trudeau, disse nesta segunda em uma entrevista para a Global News TV que as vítimas da queda do voo "estariam agora em casa com suas famílias" se não houvesse uma escalada recente de tensões na região.

Cinco países cujos cidadãos morreram no acidente —que matou as 176 pessoas a bordo—, se reunirão em Londres na quinta-feira (16) para discutir possíveis ações legais, disse à Reuters o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Vadym Prystaiko.

Os cinco incluem o Canadá, que tinha pelo menos 57 portadores de passaporte no voo, muitos deles estudantes e acadêmicos iraniano-canadenses voltando para casa após férias no Irã.

O Conselho de Segurança no Transporte do Canadá (TSB, na sigla em inglês) informou que o Irã sinalizou que a agência poderia desempenhar um papel ativo na investigação e a convidou a analisar as caixas- pretas do avião. Dois investigadores canadenses viajaram para Teerã.

A diretora de investigações do TSB, Natacha Van Themsche, disse que uma das principais perguntas era por que o Irã não fechou o espaço aéreo em torno de Teerã imediatamente após o ataque de mísseis às bases iraquianas que abrigam tropas americanas.

Um importante comandante iraniano disse que havia dito às autoridades no dia do acidente que o avião havia sido abatido, levantando questões sobre o motivo pelo qual o Irã inicialmente o negou.


Cronologia da crise no Irã

15.nov Regime anuncia aumento de ao menos 50% no preço da gasolina, e manifestações tomam as ruas; repressão deixa mais de 200 mortos nos dias seguintes

31.dez Manifestantes atacam a embaixada dos EUA em Bagdá, em resposta ao bombardeio dos americanos contra a facção pró-Irã Kataib Hezbollah; ação matou 25 iraquianos

3.jan EUA matam general iraniano Qassim Suleimani em ataque a aeroporto de Bagdá; ele era a segunda pessoa mais importante do país, atrás apenas do líder supremo

5.jan Irã anuncia que vai deixar de cumprir as exigências do acordo nuclear assinado em 2015, colocando um ponto final no pacto e abrindo caminho para produção de armas nucleares

6.jan Centenas de milhares de pessoas vão às ruas de Teerã em cortejo fúnebre de Suleimani

7.jan Confusão durante funeral de Suleimani em sua cidade natal, Kerman, deixa 56 mortos e 213 feridos

8.jan Guarda Revolucionária do Irã ataca com mísseis duas bases americanas no Iraque, sem deixar soldados americanos mortos; horas mais tarde, avião ucraniano com destino a Kiev cai perto ao aeroporto de Teerã, matando as 176 pessoas a bordo

11.jan Irã assume que Exército do país derrubou avião por “erro humano”, e manifestantes contra o governo vão às ruas

13.jan Terceiro dia de protestos contra o regime; ativistas acusam a polícia de usar munição letal para dispersar grupos

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