Descrição de chapéu The Washington Post

'Uma mulher conseguiria derrotar Trump?' vira pergunta explosiva para os democratas

Questão foi centro de debate entre pré-candidatos na noite de terça, a poucas semanas das primárias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Sean Sullivan Annie Linskey
Des Moines (Iowa) | The Washington Post

Três anos depois de Donald Trump ter sufocado as esperanças democratas de eleger a primeira presidente mulher dos Estados Unidos, uma discussão acirrada está sendo travada na corrida presidencial sobre se uma mulher conseguiria derrotá-lo em novembro.

Graças a isso, questões sobre gênero e sexismo que vinham fervendo em fogo baixo havia muito tempo chegaram ao primeiro plano da disputa primária, faltando apenas semanas para a primeira disputa pela indicação à candidatura presidencial, em 3 de fevereiro.

Os senadores e pré-candidatos Elizabeth Warren e Bernie Sanders durante debate em Iowa, observados pelo pré-candidato Tom Steyer - Reuters

Os senadores Elizabeth Warren (democrata do Massachusetts) e Bernie Sanders (independente do Vermont) reconheceram pela primeira vez esta semana que discutiram o tema incendiário reservadamente mais de um ano atrás. No debate presidencial da terça (14) à noite eles apresentaram versões opostas sobre a discussão: Warren disse que Sanders discordou de sua visão de que uma mulher poderia ganhar.

Sanders disse que apenas alinhavou o que a seu ver seriam os esforços empreendidos por Trump para derrotar outra candidata mulher. No debate, ele disse: “É claro que uma mulher pode ganhar”.

Warren adotou uma abordagem diferente. Lançando seu apelo mais direto até agora com base no gênero, ela exortou os eleitores a não minimizarem o obstáculo adicional enfrentado pelas candidatas mulheres. Mas argumentou que ela é capaz de superar esse obstáculo e fazer história, traçando paralelos com barreiras rompidas pelos presidentes John F. Kennedy e Barack Obama.

“Não podemos negar que essa questão existe”, disse Warren. “Nos anos 1960 as pessoas perguntaram ‘será que um católico vai conseguir vencer?’ Em 2008 as pessoas perguntaram se um afro-americano conseguiria ganhar. Nas duas ocasiões o Partido Democrata reagiu ao desafio e disse ‘sim’.”

O confronto pessoal e público entre Sanders e Warren amplificou repentinamente uma discussão difícil que vem sendo travada em encontros democratas desde que Trump foi eleito. E chamou a atenção para a mudança de atitudes no partido em relação às candidaturas políticas de mulheres na era de Trump.

A derrota de Hillary Clinton em 2016 chocou os democratas e levou muitos a questionar se o país estava preparado para ter uma mulher na Presidência. Mas também mobilizou mais mulheres para envolver-se com a política, levando à eleição de um número recorde de mulheres democratas para o Congresso; ao retorno da primeira mulher presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e ao ingresso de uma nova geração de mulheres na disputa presidencial.

Agora, porém, faltando menos de três semanas para os caucus do Iowa, dois homens –Bernie Sanders e o ex-vice-presidente Joe Biden— chegaram ao topo das pesquisas de intenção de voto, lugar que dividem em algumas delas com Pete Buttigieg, ex-prefeito de South Bend, Indiana.

Desde o outono a candidatura de Warren vem perdendo força. E as campanhas antes promissoras de mulheres como as senadoras democratas Kirsten Gillibrand (Nova York) e Kamala Harris (Califórnia) acabaram.

“Continuamos atolados na questão de ‘será que uma mulher consegue derrotar Trump?’”, comentou Stephanie Schriock, presidente da organização Emily's List, que procura eleger mulheres democratas que apoiem o direito ao aborto. “Estamos há 12 meses encarando a elegibilidade sob uma ótica muito estreita. E isso vem causando um número enorme de problemas nesta primária.”

Mas para muitos eleitores, apostar numa mulher para a Presidência não é uma decisão fácil. Com os democratas tão ansiosos por derrotar um presidente que enxergam como agressor racista e sexista, muitos se indagam se a melhor aposta para derrotá-lo não seria um homem.

“Porque sou mulher, imagino que eu devia estar querendo Warren como candidata, mas não vou votar nela por ela ser mulher”, disse Marilyn Kean, 78, de Wilton, Iowa e partidária de Bernie Sanders.

Joe Biden aludiu indiretamente a esse cálculo no início do mês, quando destacou que Hillary Clinton enfrentou sexismo “injusto” em sua campanha..“Comigo isso não vai acontecer”, disse Biden.

Os relatos sobre a conversa entre Sanders e Warren chamaram a atenção de Trump. “Não acredito que Bernie tenha dito isso”, falou o presidente num comício em Milwaukee na noite de terça.

O desentendimento entre Sanders e Warren trouxe a discussão sobre gênero para a superfície de uma corrida que até recentemente estava mais cordial do que muitas campanhas passadas.

Começou na segunda-feira (13), quando a CNN noticiou pela primeira vez o encontro reservado em 2018 em que Sanders teria dito a Warren que uma mulher não conseguiria derrotar Trump. A campanha de Sanders negou com veemência, e um alto assessor do candidato disse que era mentira. Mas, em um sinal certeiro de que a questão não cairia no esquecimento, Warren confirmou o que Sanders teria dito.

A disputa prosseguiu no debate de pré-candidatos presidenciais democratas da noite de terça-feira promovido pela CNN e o Des Moines Register, em que Elizabeth Warren e a senadora Amy Klobuchar dividiram o palco com quatro homens.

“Na realidade eu não disse isso”, falou Sanders. Ele disse que não queria dedicar muito tempo ao assunto, argumentando que isso acabaria favorecendo Trump, mas que qualquer pessoa que o conhece concordaria que “é incompreensível que eu pensasse que uma mulher não possa ser presidente”.

Sanders disse que o fato de Hillary Clinton ter superado Trump no voto popular em 2016 é uma prova clara de que uma mulher é capaz de vencer. Ele disse também que esperou Warren decidir se seria candidata antes de ele próprio se decidir a candidatar-se naquele ano.

Warren não recuou de sua afirmação de que Sanders lhe disse que uma mulher não conseguiria derrotar Trump. Perguntada o que achou de seu comentário, respondeu: “Discordei”. E disse que é hora de encarar esse tema de frente.

“Uma mulher conseguiria derrotar Donald Trump? Olhem para os homens neste palco: coletivamente, eles já perderam dez eleições”, ela disse, arrancando aplausos e espanto dos presentes. “As únicas pessoas neste palco que venceram todas as eleições de que participaram são as mulheres.” Warren disse que ela é a única que derrotou um republicano em exercício nos últimos 30 anos.

Sanders discordou, dizendo que derrotou um republicano em exercício quando se candidatou ao Congresso em 1990. Warren reagiu com uma pausa, fingindo que estava fazendo contas em sua cabeça e então dizendo “isso não foi 30 anos atrás?”. Sanders acabou recuando e dizendo que essa não era a questão mais importante do momento.

Klobuchar entrou na briga, dizendo que o poder das candidatas mulheres foi evidenciado pelas vitórias recentes de mulheres nas disputas pelo governo do Michigan e Kansas. “É preciso ser competente para ganhar. Você precisa saber o que está fazendo”, ela disse.

A disputa irritou as feridas ainda não curadas da campanha de 2016 e a consternação ainda sentida por alguns apoiadores de Hillary para quem Sanders e seus seguidores não deram apoio suficiente a ela na disputa.

As revelações podem atrair atenção crítica adicional a Sanders, censurado em 2016 por uma campanha vista por muitos como demasiado branca e masculina. Ele tomou medidas para combater essa percepção, contratando assessores de origens mais diversas e conseguindo o apoio da deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, e outras mulheres não brancas.

A divergência no que Sanders e Warren recordaram foi especialmente perturbadora para a ala liberal do partido, temerosa de que divergências entre os dois candidatos mais de esquerda possam favorecer a escolha de um candidato democrata moderado.

“O que está em jogo agora é importante demais para podermos aceitar uma destruição mútua”, disse a estrategista liberal Rebecca Katz, que pretende votar em Warren mas também gosta de Sanders. “Temos que ficar de olho no prêmio final.”

Uma declaração de um sindicato influente transmitiu a mesma posição.

“Não podemos permitir distrações. O único jeito que qualquer candidato conseguirá derrotar Sanders ou Warren é semear divisões entre eles. Isto daqui parece um esforço desesperado para dividir uma coalizão dos candidatos que representam as ideias mais populares entre os trabalhadores”, disse Sara Nelson, presidente da Associação de Comissários de Bordo.

O Comitê de Campanha por uma Mudança Progressista, que apoia Warren, disse em seu próprio comunicado que “uma discussão sobre esse encontro reservado é contraproducente para os progressistas. Neste momento crucial da campanha os progressistas precisam trabalhar unidos para derrotar Donald Trump e impedir que a indicação seja dada a um candidato do establishment menos elegível, como Joe Biden.”

Outros ressaltaram o impacto pessoal das palavras em questão.

“Sim, muita gente me disse que uma mulher não poderá ganhar em 2020”, escreveu no Twitter a escritora e colunista Connie Schultz, casada com o senador democrata pelo Ohio Sherrod Brown, que cogitou em ser candidato a presidente. “Isso é o medo falando e levou a discussões importantes. Mas uma mulher ouve isso de modo diferente quando é ela que é a candidata. Parece algo pessoal, porque é. Podemos por favor não perder de vista essa diferença?”

A campanha de Kirsten Gillibrand, baseada em questões de gênero e que não chegou a ganhar força, fez pesquisas sobre o sexismo que ela enfrentou e descobriu que os eleitores frequentemente diziam que o gênero de um candidato não tem importância. Mas, segundo uma pessoa familiarizada com a campanha, havia um porém.

“Os eleitores diziam que não tinham problema com uma candidata mulher, mas temiam que outras pessoas tivessem”, disse a pessoa. “É um resultado clássico que revela um desvio –na realidade, revela mais o que a própria pessoa pensa.”

Uma pesquisa Washington Post-ABC News de setembro constatou que 23% dos democratas e independentes favoráveis aos democratas disseram que um homem teria mais chances de derrotar Trump que uma mulher, 7% disseram que uma mulher teria mais chances de vencer, e uma maioria de 69% disse que o gênero do candidato não tem importância.

Warren vem dando mais destaque a seu gênero, procurando reengajar o sentimento anti-Trump que levou às marchas de mulheres e a uma alta participação de eleitoras mulheres em 2018.

Enquanto isso, Sanders tenta realçar seu contraste com Biden, não com Warren.

Dan Pfeiffer, um ex-assessor de Barack Obama, comparou a situação atual à que Obama enfrentou como candidato negro em 2008.

“Eu diria que o desafio agora é ainda mais difícil”, ele opinou, explicando que na campanha de 2008 os democratas acreditavam que derrotariam o candidato republicano, após oito anos de George W. Bush na Presidência. “As questões de elegibilidade estavam mais no segundo plano do que estão hoje. Todos os estereótipos raciais e de gênero sobre elegibilidade, que eu vejo como incorretos, estão muito mais prejudiciais hoje.”

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.