'Añez usa presidência interina como trampolim', diz ex-presidente da Bolívia

Jorge Quiroga abandonou governo interino e anunciou candidatura à eleição

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Buenos Aires

Quando Jeanine Añez assumiu a Presidência da Bolívia, em 12 de novembro de 2019, Jorge Quiroga foi um de seus principais pilares de apoio. 

O ex-presidente recebeu, naquela ocasião, uma tarefa informal: divulgar que a transição no país, realizada por meio de uma controversa manobra, havia sido um processo legal e constitucional. 

Quando Añez declarou que seria candidata no novo pleito, marcado para 3 de maio, no entanto, Quiroga, 60, afastou-se da presidente interina.

"Fiquei decepcionado. Ela prometeu a todo o país que não faria isso e, assim, tirou legitimidade do processo de transição institucional que vínhamos defendendo", afirmou à Folha, por telefone.

"Añez está usando a presidência interina como trampolim."

O ex-presidente da Bolívia Jorge Quiroga, em La Paz
O ex-presidente da Bolívia Jorge Quiroga, em La Paz - David Mercado - 6.jan.2020/Reuters

Primeiro, ele deixou o governo e passou a defender uma reforma política que impeça a reeleição. Depois, lançou-se candidato, como já havia feito em 2005 e em 2014. 

"Não quis me candidatar no ano passado porque a eleição, a meu ver, era ilegal. Se Evo Morales ia disputar um quarto mandato, contra a Constituição, eu não podia fazer parte da competição", diz ele. 

"Agora é diferente. Estou preocupado com a radicalização do MAS [Movimento ao Socialismo, partido de Evo] e com o que a presidente pode fazer numa campanha eleitoral na qual é também a presidente interina."

Engenheiro, com graduação e pós-graduação na Universidade do Texas (EUA), Quiroga está longe de ser um novato. Elegeu-se vice-presidente em 1997 na chapa de Hugo Banzer —que já havia governado o país antes, nos 1970, ditatorialmente, após comandar um golpe de Estado. 

Quando Banzer teve de renunciar, depois de receber um diagnóstico de câncer, Quiroga assumiu a Presidência.

Hoje, o candidato que se define como um democrata de direita afirma que suas prioridades, caso eleito, são a "recuperação da economia e a reconstrução da institucionalidade do país". 

Para ele, Evo já vinha gastando verbas do país de modo temeroso desde que o preço do petróleo começou a cair. Agora, "Añez teme fazer ajustes porque precisa ganhar a eleição e não pode tomar medidas impopulares". 

Quiroga propõe diversificar as exportações, centradas no gás e no petróleo, e intensificar a exploração de lítio, no qual a Bolívia é forte.

Um dos empecilhos para sua chegada à Presidência é comum aos concorrentes de seu espectro ideológico. 

Enquanto o MAS reúne as forças progressistas, sindicatos e indígenas numa só candidatura, as outras opções surgem fragmentadas. 

Poucas legendas superam os 10% das intenções de voto num país em que as pesquisas não são confiáveis. Quiroga vê como difícil a formação de uma chapa única, porque há candidatos de perfis muito diferentes. 

Um deles, terceiro lugar na anulada eleição de outubro passado, é o pastor evangélico sul-coreano Chi Hyun Chung, de posição contrária a pautas progressistas.

Católico, Quiroga defende que "os valores morais do presidente não devem prevalecer em suas decisões". "Se o aborto fosse aprovado pelo Congresso, eu validaria. Jamais vetaria, apesar de ser contra, pessoalmente." 

Añez, por sua vez, já mostrou governar "com a Bíblia", quando a levantou ao entrar no palácio presidencial, no dia de sua posse. 

"Foi outro erro", diz Quiroga, "a Bolívia é um estado multicultural, temos de ter políticas que nos integrem, não que nos dividam".

Além deles, há no cenário eleitoral também Luis Fernando Camacho, líder cívico de Santa Cruz de la Sierra, outro que se decepcionou com Añez. Quiroga não vê possibilidade de uma parceria devido à falta de experiência política de Camacho e por uma avaliação de que ele não estaria à altura do cargo.

Na área de segurança, Quiroga tem uma visão mais linha-dura. Defende uma reforma carcerária e aumento das penas. Questionado sobre o alto índice de violência contra a mulher —a Bolívia é o país sul-americano com a cifra mais alta—, quer aumentar as penas para esse tipo de crime, criar agravantes e dificultar saídas por bom comportamento para os que cometam violência contra a mulher. 

Nos últimos dias, Quiroga tem criticado as movimentações de Evo, que vive em Buenos Aires há dois meses na condição de refugiado, mas viajou a Cuba na madrugada de segunda-feira (10). Segundo sua assessoria de imprensa, o ex-presidente foi a Havana por questões de saúde. 

Quiroga diz não acreditar na justificativa para a viagem. "Creio que ele estava se transformando numa pessoa tóxica para o governo de Alberto Fernández, tornando-se um convidado incômodo quando a Argentina vai, justamente, começar a negociar sua dívida com o FMI [Fundo Monetário Internacional]. Além do mais, em Cuba o que ele fizer estará mais encoberto, pois não haverá muita atenção midiática. É preciso ficar atento."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.