Aprovado em sabatina, indicado para embaixada nos EUA minimiza imigração irregular de brasileiros

Diplomata Nestor Forster também disse no Senado que não há alinhamento automático com americanos

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Brasília e Washington

Aprovado por unanimidade —12 votos a 0— na Comissão de Relações Exteriores do Senado nesta quinta-feira (13) para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o diplomata Nestor Forster minimizou as queimadas ocorridas em 2019 na Amazônia e o aumento do número de brasileiros sem documentos ingressando em território norte-americano.

Para ser oficializado como embaixador, o nome do diplomata ainda precisa ser aprovado no plenário do Senado, o que deve acontecer na próxima semana.

Forster disse que é preciso "dar a dimensão devida" ao problema de imigração para os Estados Unidos envolvendo brasileiros sem documentação. Para ele, a questão é "pontual".

Nestor Forster, indicado ao cargo de embaixador em Washington, sabatina da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
Nestor Forster, indicado ao cargo de embaixador em Washington, sabatina da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional - Geraldo Magela/Agência Senado

Entre 2018 e 2019, esse número cresceu dez vezes, chegando a 18 mil pessoas (sendo que 95% são famílias). Há 1,3 milhão de brasileiros vivendo nos EUA, de acordo com o diplomata.

"O que aconteceu? O Brasil está em crise econômica? Alguém está mandando eles embora? Não é isso. É que houve um redirecionamento de organizações criminosas de imigração ilegal que atuavam na América Central e estão atuando hoje no Brasil", afirmou.

Em janeiro, o governo norte-americano anunciou que brasileiros que tentassem atravessar a fronteira sudoeste dos EUA para pedir asilo no país seriam enviados de volta ao México para aguardar a tramitação de seus processos de imigração.

Em outra frente de ação da Casa Branca, mais 130 brasileiros foram deportados num voo fretado na semana passada —o terceiro com o mesmo propósito desde outubro.

Ele também negou que, entre os países comandados pelos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro (sem partido), haja um alinhamento automático, "uma expressão que é usada com um certo cunho depreciativo, mas que, na prática, não poder ser sequer realizada".

"Se houvesse alinhamento automático, nós não precisaríamos nem ter embaixada, talvez nem precisássemos ter o Itamaraty. Isso não existe com país nenhum", afirmou Forster.

O diplomata tratou de Amazônia em mais de uma oportunidade ao longo de sua sabatina. Disse, por exemplo, que foi ao Parlamento americano conversar com os congressistas, principalmente na Câmara, de maioria democrata.

"É preciso ter um diálogo aberto e franco com eles, explicar o que está acontecendo no Brasil e o que não está acontecendo, desfazer exageros e enfrentar os temas com realismo e determinação", afirmou Forster.

Depois, respondendo a perguntas de senadores, disse que as queimadas do ano passado não foram as maiores dos registros históricos e o papel da diplomacia "não é esconder nada, distorcer nada, fazer fake news", mas é, "com serenidade, esclarecer e trazer os fatos à realidade".

"Não é a floresta que está pegando fogo, são as bordas, áreas já desmatadas do cerrado, que fazem parte da Amazônia Legal, mas não do bioma amazônico. Quando a gente esclarece, explica as coisas, desfaz estas más impressões ou desinformações que tem nesta área", afirmou.

Forster fez algumas referências ao presidente da República. Chamou a visita que Bolsonaro fez aos Estados Unidos, em março do ano passado, por exemplo, de histórica.

"Uma virada de página, assinalando um novo momento em que Brasil e Estados Unidos podem usar o que chamei de leito profundo de valores e princípios compartilhados que podem aflorar de forma mais firme e efetiva para a realização dos interesses dos dois países", afirmou Forster.

O diplomata listou consequências da visita, como a mudança de postura dos EUA em relação ao pleito do Brasil para ingresso na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a designação de aliado especial extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que abre portas para uma maior cooperação no âmbito de defesa, além da assinatura do acordo de salvaguardas tecnológicas, permitindo o uso da base de Alcântara (MA) para o lançamento de satélites.

Em outubro do ano passado, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, enviou um documento ao secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, no qual dizia que Washington defendia as candidaturas imediatas apenas de Argentina e Romênia.

Em janeiro, os Estados Unidos fizeram um gesto ao governo Bolsonaro defendendo "que o Brasil se torne o próximo país a iniciar o processo de adesão à OCDE", segundo embaixada dos EUA em Brasília.

Forster destacou também consequências do calendário eleitoral norte-americano, o que, segundo ele, impõe constrangimentos do lado dos EUA para um engajamento mais firme em acordos comerciais.

O diplomata colocou aos senadores como maior desafio uma questão que se discute há décadas: um acordo que permita evitar a bitributação para empresas e para pessoas físicas.

"Isso teria grande alcance na facilitação de comércio entre os dois países, no aumento da eficiência do comércio e tudo isso. É algo complexo, está na mesa há muito tempo", afirmou.

O governo de Donald Trump, no entanto, publicou na segunda-feira (10) uma norma que retira o Brasil da lista de nações consideradas em desenvolvimento e que dava ao país determinados privilégios comerciais.

O principal objetivo do governo Trump, segundo a nota, é reduzir o número dos países em desenvolvimento que poderiam receber tratamento especial sem serem afetados por barreiras contra seus produtos.

Entre as consequências práticas de deixar o status na OMC (Organização Mundial do Comércio) –mas não na mudança da lista dos EUA– poderia estar o fim da isenção unilateral de tarifas em exportações, pelo SGP (Sistema Geral de Preferências), do direito a acordos parciais de comércio com outros países em desenvolvimento e de parte dos empréstimos do Banco Mundial.

Demora no processo

No comando interino da embaixada do Brasil nos EUA desde junho, o diplomata queria ser sabatinado no fim do ano passado para iniciar 2020 já oficializado no cargo. 

Com a demora para o agendamento da sessão, disse a pessoas próximas que não havia como interferir no calendário de Brasília e que teria que esperar pela convocação dos parlamentares.

A paciência, dizem aliados, foi justamente a chave de Forster durante o caminho tortuoso que desembocou na sua indicação.

Jair Bolsonaro decidiu indicá-lo embaixador na capital americana somente depois que o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, desistiu do posto diante do desgaste de sua imagem em meio à crise do PSL e da relação turbulenta entre governo e Congresso. O Planalto avaliava que o Senado não daria os votos necessários para a aprovação do nome do filho do presidente.

Forster recebeu então o aval do governo Donald Trump para ocupar o posto em 19 de novembro. O chamado agrément é uma consulta que o Itamaraty faz de maneira sigilosa aos países que vão receber o futuro embaixador e, somente depois dele, sua indicação é encaminhada formalmente ao Senado brasileiro.

​​Bolsonaro, porém, já havia atropelado o rito natural desse processo quando anunciou, antes de qualquer pedido de aval ao governo dos EUA, que indicaria seu filho para a embaixada em Washington. Depois da desistência de Eduardo, afirmou —também sem a prévia chancela americana— que seria Forster o substituto.

Amigo do polemista Olavo de Carvalho, o diplomata tinha o apoio do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) para assumir a embaixada antes mesmo de Bolsonaro falar sobre a possibilidade de Eduardo abraçar o posto.

Forster havia ganhado força —e a simpatia do presidente— durante a viagem de Bolsonaro à capital americana, em março.

Ele foi um dos responsáveis por elaborar a lista de convidados da "Santa Ceia da direita", jantar com a presença de pensadores e jornalistas conservadores na primeira noite de Bolsonaro em Washington e, desde então, teve participação em reuniões importantes do governo brasileiro nos EUA.

Como revelou a Folha, em junho, Forster chegou a interromper suas férias para se encontrar pessoalmente com Bolsonaro em Seattle, durante uma parada técnica da comitiva brasileira após o encontro do G20, no Japão.

Naquele momento, a conversa foi vista por integrantes do Itamaraty como o movimento que faltava para sua indicação formal a embaixador nos EUA, mas, pouco tempo depois, Eduardo entrou em cena.

Forster não comentava publicamente sobre a possível nomeação do filho do presidente para um dos postos mais cobiçados da diplomacia brasileira. A aliados, dizia que continuaria trabalhando até que a indicação de Eduardo fosse aprovada pelo Senado. Mas a possibilidade parecia cada vez mais difícil, até ser enterrada de vez.

Conservador, católico e alinhado ao governo americano, Forster tem na sua sala no terceiro andar da embaixada um boné de apoio a Trump e uma mensagem em que se lê "make unborn babies great again" —que adapta o slogan do presidente americano a campanhas antiaborto no país.

Especializado em América do Norte há quase 30 anos, o diplomata já comandou os consulados de Nova York e de Hartford, em Connecticut. Desde 2017, era responsável por temas migratórios e de administração na embaixada em Washington antes de assumir a função de encarregado de negócios.

Depois da sabatina desta quinta, Forster pretende fazer reuniões com autoridades em Brasília e no Rio de Janeiro, e passar uns dias no seu estado natal, o Rio Grande do Sul, antes de voltar aos EUA na próxima semana.

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