Descrição de chapéu Diplomacia Brasileira

Assessor de Bolsonaro diz que Itamaraty era escritório da ONU e gera mal-estar

Estimulado por Eduardo Bolsonaro após perder poder, Filipe Martins ataca ministério antes da gestão atual

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São Paulo

Em mais uma manifestação do bolsonarismo que gerou mal-estar entre diplomatas, o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, afirmou que o Itamaraty “funcionava como um escritório avançado da ONU” antes da eleição de Jair Bolsonaro.

A afirmação foi feita por Martins a seu padrinho no governo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente mais afeito a questões internacionais —é presidente da Comissão de Relações 
Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

Eduardo tem um programa de entrevistas no YouTube. No sábado (22), ele dedicou quase uma hora para Martins expor o que considera “o redesenho da política externa”, que para o assessor “não 
era distintamente brasileira”.

O deputado quis dar um apoio moral ao amigo, uma vez que as funções de Martins foram retiradas da assessoria direta do presidente e subordinadas à Secretaria de Assuntos Estratégicas, chefiada pelo almirante Flávio Rocha.

O esvaziamento, cujo efeito ainda é incerto, faz parte da ampliação da influência da ala militar do governo, em detrimento do grupo ideológico no poder —pontificado por seguidores do escritor Olavo de Carvalho, como Eduardo, Martins e os ministros Ernesto Araújo (Itamaraty) e Abraham Weintraub (Educação).

O vídeo circulou entre diplomatas, gerando um misto de consternação e de chacota —há confusão de conceitos e contradições nas falas.

“Tínhamos uma orientação política que levava nosso corpo diplomático a atuar muito alinhado aos cânones globalistas, com aquilo que era decidido nas agências internacionais e não tinha a ver com nossos valores”, disse Martins.

O chanceler Ernesto Araújo com o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins
O chanceler Ernesto Araújo com o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins - Reprodução

Ele tenta atenuar a retórica e faz deferências à “excelência do corpo diplomático”, e é lembrado por Eduardo sobre o papel do atual chanceler. Chega inclusive a negar, instado em pergunta, que haja conflito de interesses com o ministro —só para então desfiar a importância da diplomacia presidencial. Ao Itamaraty caberia a “formulação da política externa”.

Ambos veem o ministério pré-Bolsonaro como um cartório. “Propostas legislativas eram uma grande repetição de propostas que nasciam no exterior. O Itamaraty agia muito com base nessas diretrizes”, afirmou o assessor.

Eduardo cita como exemplo as audiências de custódia, que para ele foram gestadas na ONU. “Em 24 horas, ela coloca o bandido preso em flagrante na rua”, disse.

Martins concordou, acrescentando que esses “burocratas anônimos, não eleitos, normalmente têm posições de esquerda”. O assessor vê comissões da ONU e órgãos multilaterais como cabides de emprego.

“Quando um político de esquerda perde eleição, basta olhar onde ele estará”, disse, citando a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, alta comissária para os Direitos Humanos no órgão.

Ao mesmo tempo em que prega afastamento do multilateralismo, Martins disse que “os presidentes que escolhem sair da arena fazem que seus países sejam esquecidos”, sendo preciso participar de “grandes fóruns, viagens bilaterais, parcerias de cooperação, tratados”.

Ele também diz que o Brasil precisa aderir à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para adotar “boas práticas” que levarão o país a ser mais aceito, algo contraditório para quem se nega a seguir diretrizes externas.

E faz uma concessão à existência do Mercosul como algo útil enquanto os governos concordarem com livre comércio, o que ele põe em dúvida com a Argentina agora peronista.

Aqui, outra contradição, pois ele vê o fórum como essencial para o acordo comercial com a União Europeia —vendido como grande feito de Bolsonaro, embora fosse um processo de mais de 20 anos acelerado sob o governo de Michel Temer (MDB).

Martins defendeu a aproximação com os EUA, dizendo que “no governo Dilma [Rousseff] se abriu um enorme hiato”. Na verdade, a petista tinha revertido a orientação quase antiamericana do Itamaraty sob Lula, mas congelou o movimento quando foi descoberto que os EUA a espionaram.

Bolsonaro disse que o Brasil poderá se beneficiar de fundos de defesa. E Martins louvou o apoio de Washington à pretensão brasileira de entrar na OCDE —outra negociação que remonta a Temer.

Como não poderia deixar de ser em um programa bolsonarista, o comunismo foi lembrado. Eduardo sugere criminalizar a ideologia, e Martins diz: “E tem uma lei [polonesa] que equipara os símbolos comunistas e nazistas. Afinal, o saldo genocida das nações comunistas é ainda maior do que o do nazismo”.

Se é óbvio que a contagem de mortos é maior em países comunistas, dado que a ideologia governou nações por quase todo o século 20 e o nazismo durou 12 anos no poder, não há notícia de um esquema industrial como o Holocausto, para não falar nas outras vítimas nos seis anos da Segunda Guerra Mundial.

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