Mike Bloomberg está fazendo uma campanha eleitoral heterodoxa e sem precedentes, em que ele pula as prévias nos quatro primeiros estados, mas bombardeia o resto do país usando uma verba de US$ 250 milhões.
Essa tática permitiu a ele movimentar sua campanha praticamente sem desafio, ganhando impulso.
Resultado: uma pesquisa na segunda-feira (10) mostrou que Bloomberg consegue 15% dos votos em nível nacional. A conclusão: maior escrutínio de seus atos.
Os adversários começaram a divulgar a gravação em áudio de um discurso de 2015 em que o ex-prefeito de Nova York fala em termos rudes sobre a política da cidade de parar e revistar minorias.
O básico do que Bloomberg disse foi: as minorias são responsáveis pela vasta maioria dos crimes violentos. Portanto, suas comunidades foram o alvo lógico de buscas sem mandado judicial.
E agora não só os adversários democratas de Bloomberg estão divulgando a gravação, mas também o presidente Donald Trump.
Trump, que segundo relatos estaria preocupado em ficar lado a lado com Bloomberg e seus recursos aparentemente ilimitados, publicou no Twitter o clipe na manhã de terça-feira (11), dizendo: "PUXA, BLOOMBERG É UM VERDADEIRO RACISTA!".
Trump tem telhado de vidro neste ponto. Não apenas seu histórico em questões raciais é o que é —notadamente em relação a Charlottesville—, como ele apoiou claramente a política de parar e revistar, a exemplo de um debate em 2016 e mais recentemente em 2018.
Esse é o dia que a campanha de Bloomberg devia saber que chegaria, e as perguntas a respeito são totalmente válidas.
Bloomberg, afinal, renegou a política de parar e revistar quando lançou sua candidatura à Presidência, mas antes ele a havia defendido até o limite.
Não é irracional considerar esse o maior obstáculo à nomeação democrata, dada a importância que os eleitores minoritários têm depois da primária desta terça em New Hampshire.
A gravação de 2015 de um discurso que Bloomberg fez no Instituto Aspen pode ser o exemplo mais evidente. Não é novidade —a gravação foi divulgada na época por um repórter do Aspen Times—, mas é novamente relevante.
O que Bloomberg disse:
"Queremos gastar muito dinheiro, colocar muitos policiais nas ruas, colocar esses policiais onde o crime está, que é nos bairros das minorias. Então, uma das consequências indesejadas disso é que as pessoas dizem: 'Oh, meu Deus, você está prendendo jovens por causa de maconha, e são todos de grupos minoritários'. Sim, é verdade. Por quê? Porque colocamos todos os policiais em bairros de minorias. Sim, é verdade. Por que fazemos isso? Porque é lá que o crime está."
"E a primeira coisa que você pode fazer pelas pessoas é impedir que elas sejam mortas. Nós fizemos um cálculo de quantas pessoas estariam mortas se não tivéssemos reduzido o índice de assassinatos e tirado as armas das ruas. E o modo de tirar as armas das mãos dos garotos é empurrá-los contra o muro e revistá-los. Então eles começam... Eles dizem: 'Eu não quero ser preso'. Aí eles não saem com a arma. Eles ainda têm a arma, mas a deixam em casa."
Bloomberg disse anteriormente: "É polêmico, mas o principal é, todos os... 95% dos assassinatos, assassinos e vítimas de assassinato se encaixam num 'modus operandi'. Você pode simplesmente pegar a descrição, xerocá-la e distribuir para todos os policiais. São homens de minorias, de 15 a 25 anos. Essa é a verdade em Nova York. É verdade em quase todas as cidades. E é onde está o crime real. Você tem que tirar as armas das mãos das pessoas que estão sendo mortas".
A equipe de Bloomberg tentou evitar que o discurso circulasse bloqueando as gravações, segundo o Aspen Times.
Bloomberg se retratou na véspera de entrar na disputa para 2020, em novembro, dizendo a uma igreja negra: "Eu estava errado, e sinto muito".
Um dos problemas do pré-candidato é que o momento de sua evolução pessoal sobre a questão foi totalmente conveniente. Talvez não seja inédito, mas praticamente salta aos olhos.
O outro grande problema é como ele defendia essa política com ênfase. Não é uma situação em que ele simplesmente continuou uma política de seu antecessor e a aproveitou ao máximo; ele disse diversas vezes que era a coisa certa a fazer.
Ainda em janeiro de 2019, em um discurso na Academia Naval, Bloomberg respondeu a uma pergunta sobre como essa política visava as minorias: "Nós nos concentramos em manter os garotos fora do sistema correcional... Garotos que andavam por aí parecendo que podiam ter uma arma, tirar a arma de seus bolsos e parar com isso".
Ele acrescentou que outros departamentos de polícia simplesmente não admitem que acabam policiando desproporcionalmente as comunidades de minorias.
"Eu acho que também é verdade que a maioria dos departamentos de polícia do mundo faz a mesma coisa; eles simplesmente não o relatam ou usam essa terminologia", disse ele.
Essa justificativa passa por cima do fato de que a política era polêmica não somente devido a quem ela visava, mas também pela constitucionalidade de revistar pessoas que não eram acusadas de crimes. Um juiz a derrubou em 2016 por esse motivo.
Mas a última frase citada revela a maior responsabilidade de Bloomberg nisso. Uma coisa é a política ter como consequência visar as minorias; outra é ele admitir que ela fazia isso e dizer que se justificava por esse motivo específico.
Bloomberg está contando fortemente com um grande público nas prévias da Super Terça, quando vários Estados com grande população negra votarão.
A mesma pesquisa citada acima mostrou que ele fica em segundo lugar entre os eleitores negros em todo o país, com 22%. Se isso se confirmar, será uma grande vantagem.
Mas agora ele terá que realmente defender seu histórico de uma maneira que não fez até este ponto da corrida. É o momento que sabíamos que chegaria, e é a hora de descobrir se ele é um candidato real.
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