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Bernie Sanders, o candidato teflon, enfrenta novos testes imprevistos

Críticas ao senador não têm atrapalhado sua campanha, mas relação com Rússia pode mudar isso

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Lisa Lerer
The New York Times

Nos primeiros anos, houve um comentário sobre as relações de gêneros que incluía uma fantasia de estupro, o apoio a sandinistas e a lua de mel na União Soviética.

Depois que ele entrou para o Congresso, houve votos para proteger fabricantes de armas, uma promessa de permanecer descomprometido com o Partido Democrata e planos secretos de montar um desafio na primária de 2012 contra o presidente Obama.

Mais recentemente, a investigação de sua família pelo FBI, o ataque cardíaco, a resistência a detalhar os custos de sua principal proposta política, o "Medicare para Todos".

O pré-candidato Bernie Sanders durante comício em El Paso, Texas
O pré-candidato Bernie Sanders durante comício em El Paso, Texas - Paul Ratje - 22.fev.20/AFP

O senador Bernie Sanders tem o tipo de vulnerabilidades que faz os adversários políticos salivarem.

No entanto, ao longo de suas campanhas para o Congresso, as primárias de 2016 e agora sua segunda aposta na Casa Branca, uma regra definiu a ascensão política do senador: Nada cola.

Agora essa durabilidade está prestes a ser testada de maneiras que Sanders nunca experimentou em sua carreira eleitoral de 50 anos.

Na sexta-feira (21), a revelação de que as autoridades de inteligência afirmam que a Rússia interferiu na campanha de 2020 para ajudar sua candidatura pode desviar a atenção de sua mensagem de campanha e obrigá-lo a enfrentar perguntas, preocupações e desinformação sobre as iniciativas russas.

Ele também não é mais um senador quixotesco do Estado idiossincrático de Vermont. Hoje é o principal pré-candidato presidencial democrata, e se conseguir a nomeação poderá enfrentar uma onda de publicidade negativa.

O presidente Trump e o Partido Republicano provavelmente gastarão milhões para rotulá-lo como socialista.

Sanders há muito tempo se considera uma figura subestimada e um revolucionário político, segundo aliados, e tem confiança em sua capacidade extraordinária de evitar ataques.

Seus rivais neste ano —um ex-vice-presidente, vários colegas senadores, dois ex-prefeitos inteligentes e empresários bilionários— falharam em conter seu impulso, ou nunca tentaram totalmente, em primeiro lugar, depois de concluir que ataques só atiçam as paixões de sua base liberal.

Se os rivais de Sanders estão lhe dando uma folga nos debates e sobre questões políticas, é porque eles não veem uma maneira clara de prejudicar sua imagem de teflon, como a de Trump.

É muito cedo para saber se as notícias da Rússia ou qualquer esforço nascente anti-Sanders entre os democratas vão mudar isso.

E, como Trump, logo poderá ser tarde demais para os adversários detê-lo se ele for o grande vencedor nas primárias ricas em delegados da Super Terça, em 3 de março.

"Qualquer tentativa de inviabilizar Bernie que eu já vi sempre explodiu na cara do adversário", disse Howard Dean, ex-presidente do Comitê Nacional Democrata, que entrou em confronto com o senador ocasionalmente na época em que Dean era governador de Vermont.

"É um fenômeno surpreendente. Eu não sei qual é a magia, mas existe uma."

Com Sanders favorito para reivindicar mais uma vitória nas prévias de Nevada, neste sábado (22), alguns democratas procuram freneticamente um pedaço de criptonita.

Um grupo democrata que visa promover moderados começou a veicular anúncios digitais nesta semana atacando os custos das propostas de Sanders.

Os esforços do grupo seguem uma campanha publicitária semelhante, financiada por outra organização democrata, que questiona se Sanders pode vencer Trump em novembro.

Nos últimos dias, a equipe de Michael Bloomberg mudou sua estratégia de principalmente ignorar Sanders, preferindo se concentrar em Trump, a visar seu rival nas primárias de forma mais agressiva do que qualquer outra pessoa no campo.

No debate de quarta-feira (19) à noite em Las Vegas, os rivais criticaram mais que nunca suas políticas, o tom mordaz de alguns de seus apoiadores, sua defesa do socialismo e sua saúde. Há também alguma especulação entre autoridades democratas sobre deter Sanders na convenção do partido em julho.

Para um partido obcecado por aprender com os erros de 2016, quando a mera improbabilidade de Trump ganhar a Casa Branca dominou o discurso, a descrença na possibilidade de Sanders conseguir a nomeação e a relutância dos candidatos a desafiá-lo confunde alguns democratas —mesmo aqueles que trabalham para ele.

E a revelação de que a Rússia pode estar tentando ajudá-lo, quatro anos depois de ter ajudado Trump, só confunde mais as coisas, porque não está nada claro como a interferência externa afetará a corrida.

Durante meses, os principais assessores de Sanders temeram que um rival, talvez Bloomberg, começasse um super-Comitê de Ação Política contra Sanders.

Esse tipo de esforço amplo e bem financiado não se concretizou. E de todos os candidatos apenas Tom Steyer lançou um anúncio atacando Sanders, visando sua incapacidade de colocar um preço em seu plano "Medicare para Todos".

"Muito disso é a mesma coisa que você viu acontecer no establishment republicano quatro anos atrás", disse Matt Bennett, fundador do grupo de pensadores moderado Third Way e um crítico veemente de Sanders.

"De repente, em abril, eles acordaram e perceberam que Donald Trump realmente poderia vencer."

Durante a corrida das primárias, assim que alguém subia ao topo do bloco, ataques se acumulavam.

A senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, enfrentou uma avalanche de perguntas sobre seu plano "Medicare para Todos" após uma alta de verão nas pesquisas.

O ex-prefeito Pete Buttigieg, de South Bend, Indiana, foi objeto de ataques depois que seus números nas pesquisas subiram em Iowa.

O mesmo não aconteceu com Sanders.

Não é como se ele tivesse neutralizado suas vulnerabilidades. Ele renegou seu artigo de 1972 sobre fantasias sexuais masculinas e femininas, que brevemente imaginou mulheres fantasiando sobre estupro, mas um texto desse tipo costuma danificar um candidato.

Seu histórico de comentários positivos sobre os regimes comunistas, além de as visitas à Nicarágua e à União Soviética em 1980, poderia reforçar o rótulo de socialista.

E investigadores federais examinaram um negócio imobiliário com uma faculdade que envolveu a mulher de Sanders, Jane; o casal não foi interrogado, o que indica a falta de evidência significativa de um crime, mas alguns oponentes falaram nisso em particular como um possível problema.

Outros candidatos, entretanto, foram mais propensos a enfrentar ataques. No debate de quarta-feira, Bloomberg, o bilionário ex-prefeito de Nova York, enfrentou muitos golpes, e isso serviu para manter o foco longe de Sanders, primeiro colocado nas pesquisas.

Jonathan Kott, chefe do Projeto Big Tent, que começou a veicular os anúncios digitais na terça-feira, disse que parte da razão pela qual Sanders tinha escapado de ataques sérios de seus rivais até o último debate foi a descrença de que os eleitores democratas o apoiariam.

Uma pesquisa NBC News/Wall Street Journal divulgada na terça revelou que a maioria das qualidades impopulares de um candidato eram ser socialista, ter sofrido um infarto no último ano e ter mais de 75 anos.

A mesma pesquisa mostrou Sanders abrindo uma vantagem nacional de dois dígitos na corrida.

"Ele não tem enfrentado a mesma análise e escrutínio que outros fortes candidatos", disse Kott. "Grande parte disso pode ter a ver com o fato de que ninguém pensou que um socialista com esses pontos de vista radicais seria o favorito."

Assessores de Sanders dizem que ele é capaz de evitar ataques porque os eleitores confiam nele, argumentando que suas propostas de um sistema de saúde com pagador único, faculdade pública gratuita e um New Deal Verde são apoiadas pela ampla maioria dos eleitores democratas.

"Sentimos fortemente desde o início que a primária seria decidida em torno de duas questões: em quem os eleitores confiam para realizar a mudança que querem e quem eles acreditam que pode vencer Donald Trump?", disse Faiz Shakir, gerente de campanha de Sanders.

"O histórico consistente de Bernie em defesa da classe trabalhadora é a resposta mais forte."

A análise da participação de Sanders em Iowa e New Hampshire dá poucos indícios de que ele expandiu sua base, apesar de seu argumento de que está construindo um movimento que vai motivar os eleitores da classe trabalhadora e os jovens —grupos que normalmente não votam em grande número.

No entanto, com a ala moderada do partido incapaz de se unir em torno de um único candidato, Sanders poderia ganhar quase a maioria dos delegados com menos de um terço dos votos.

Isso poderia lhe dar uma vantagem de delegados que seria difícil —se não impossível— de seus rivais superarem.

No entanto, alguns estrategistas democratas veem riscos reais em acreditar em Sanders sobre políticas, questões pessoais ou assuntos fora de seu controle, como a interferência russa, temendo que isso poderia alienar alguns de seus apoiadores —eleitores em grande parte jovens e liberais convictos que serão fundamentais para qualquer candidato democrata conquistar a Casa Branca.

Outros que trabalham em campanhas rivais argumentam que tais ataques só saem pela culatra e são rapidamente usados como armas em apelos que inundam a campanha de Sanders com doações de dinheiro.

Dias antes das primárias em Iowa, a Maioria Democrata para Israel lançou um anúncio contra Sanders —a primeira vez que um grupo democrata publicou um comercial de campanha negativo, atacando Sanders pelo nome em suas duas primárias.

Em cerca de um dia, a campanha de Sanders levantou US$ 1,3 milhão com o comercial.

"Ele tem sido como a defesa no treino de futebol, que veste a camisa e ninguém pode atacar", disse David Axelrod, ex-estrategista de Obama.

"Houve uma certa relutância em atacar Trump porque havia o medo de contrariar sua base, e eu acho que Bernie tem se beneficiado disso dentro do Partido Democrata."

Alguns apoiadores de Elizabeth Warren argumentam que Sanders também teve menos escrutínio da mídia, apesar de frequentes anúncios de sua campanha contra a agenda da "mídia corporativa".

Enquanto Warren foi pressionada, repetidamente, a revelar os custos de seu plano "Medicare para Todos", Sanders desconsiderou perguntas sobre sua própria proposta semelhante, dizendo que os custos são "impossíveis de prever".

Quando Warren acusou Sanders de mentir sobre se havia lhe dito que uma mulher não poderia derrotar Trump, talvez o momento mais difícil que ele enfrentou na corrida até agora, seus apoiadores a atacaram online e se referiram a ela com emojis de cobra.

"É difícil dizer por que ela tem sido tratada muito mais duramente", disse Adam Jentleson, estrategista democrata próximo à equipe de Warren. "Em certo momento você só tem o gênero como explicação."

Os eleitores dizem apreciar a mensagem coerente de Sanders, argumentando que sabem quem ele é e o que representa. Muitos daqueles que apoiaram Sanders em 2016 dizem que os últimos quatro anos apenas confirmaram seu apoio.

"Ele tem a agenda mais progressista", disse Paul Wetzonis, 29, de Nashua, New Hampshire, que votou em Sanders nas duas primárias. "Todo mundo é basicamente um corporativista democrata moderno."

Ao contrário de Trump, que dominou seu partido à força, Sanders passou os últimos quatro anos trabalhando para tornar sua marca liberal mais aceita pela corrente dominante, ao mesmo tempo modificando o Partido Democrata e se projetando como um soldado fiel a ele.

Menos de um ano depois de uma disputa primária em que sua equipe acusou o Comitê Nacional Democrata de "manipular" a eleição, Sanders voou por todo o país com o presidente do partido, Tom Perez, numa turnê por oito Estados —"Unam-se e lutem"— em 2017.

Por meio da instituição política sem fins lucrativos Nossa Revolução, partidários do senador lotaram as obscuras reuniões do partido que selecionam os líderes estaduais, colocando pessoas fiéis em postos chaves do partido.

E Sanders prometeu, repetidamente, ser um bom democrata, revidando uma narrativa da disputa de 2016 de que ele não era um "verdadeiro" membro do partido.

Em março, Sanders assinou o juramento de lealdade do Comitê Nacional Democrata. Em um anúncio publicado em Iowa, ele se colocou em uma fileira de ícones democratas, misturando suas palavras com imagens de Franklin Roosevelt, Lyndon Johnson e John Kennedy.

Até mesmo alguns democratas que não concordam com Sanders dizem que apreciam sua voz na disputa.

Enquanto esperava para ouvir Biden dirigir-se a uma multidão em Marshalltown, Iowa, Carrie Barr disse que não estava considerando apoiar Sanders, mas apreciava suas políticas.

"Ele é muito radical. É um socialista, e não tem defendido a política democrata", disse Barr, 64, uma professora aposentada. "Mas todo mundo adora suas ideias. Eu amo suas ideias."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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