Cães terapeutas acalmam passageiros em aeroportos nos EUA

Labradores, golden retrievers e até uma pit bull de unhas pintadas desestressam crianças e adultos

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Los Angeles

“Quem está roncando?” Mal chegou para o trabalho, Chubs dorme sentada na cadeira do escritório. Ao seu lado, Dewey descansa de olhos fechados, enquanto Ellie se esparrama pelo chão. “É o único emprego do mundo onde não tem problema tirar uma soneca”, brinca Heidi Huebner, numa sala do aeroporto internacional de Los Angeles, conhecido como LAX.

Chubs é uma pug não muito fã de caminhadas. Dewey é uma mistura de chihuahua com terrier que adora ficar nos braços da dona. E Ellie é uma golden retriever que, ao menor sinal de um carinho, vira logo de barriga para cima.

Os três fazem parte de uma equipe de 116 cachorros, todos certificados e treinados como animais de terapia. Diariamente, cerca de dez passeiam com seus donos pelos terminais do LAX. A missão parece impossível, mas eles agem com tranquilidade: estão lá para desestressar os mais de 87 milhões de passageiros que circulam anualmente pelo aeroporto, o segundo mais movimentado do país.

 

“Às vezes não sabemos na hora o efeito que os cães têm nas pessoas, mas recebo muitos telefonemas e emails. Sempre escuto: ‘ah, eles mudaram meu dia!’”, disse Huebner, diretora do programa de voluntários do LAX e criadora da iniciativa PUP, sigla em inglês para “animais de estimação desestressando passageiros”.

A ideia surgiu no aeroporto californiano de San José, no Vale do Silício, após o 11 de Setembro, para ajudar a acalmar passageiros traumatizados. Huebner, que trabalhou por mais de 30 anos em abrigos de animais, trouxe o projeto para o LAX em 2013 e começou com 20 cães.

Hoje, seu programa é o maior do mundo. Após conversas com as agências de segurança do LAX, Huebner criou um protocolo e ajudou a implementar a iniciativa em muitas das dezenas de aeroportos da América do Norte que abraçaram a ideia. “Todo mês recebo meia dúzia de ligações de aeroportos interessados”, disse ela, que é dona de Chubs.

Os donos dos animais são voluntários e trabalham duas horas por semana, sempre de uniforme: camiseta vermelha do programa e calça preta. Todos têm suas impressões digitais coletadas, passam por verificação de antecedentes criminais e ganham crachá oficial do LAX.

Passageira acaricia cachorro terapeuta no aeroporto internacional de Los Angeles
Passageira brinca com cachorro no aeroporto internacional de Los Angeles - Fernanda Ezabella/Folhapress

Numa manhã nublada, a reportagem acompanhou cinco cachorros. A chegada ao terminal é digna de cinema: as portas automáticas se abrem, e os cães entram juntos, graciosos com seus coletes vermelhos. Estão sempre na coleira, com seu donos atrás. Os passageiros se voltam para os animais, há um pequeno silêncio de dúvida, e logo vem um uníssono “ahhhhhhh”.

O labrador Gyser é o primeiro a receber atenção. Uma americana de 81 anos, que acabou de chegar de Phoenix com o marido, se aproxima na cadeira de rodas. “Isso aqui faz um bem enorme às pessoas. Sinto falta dos meus bichinhos”, diz, acariciando a cachorra.

Huebner lidera a turma puxando Chubs, que vai dentro de um carrinho. Em três horas, não há nenhum latido sequer, mesmo quando um alarme dispara e segue ligado por alguns minutos. Ninguém pula em cima de ninguém, não tem correria, nem necessidades fora do lugar. Os animais parecem até entender a hora de tirar selfie com um passageiro. Só faltam sorrir.

Quando a diretora nota olhares curiosos, chama com um sorriso: “Quer dar um alô ou fazer um carinho?”, diz. “Eles estão aqui para isso.”

O convite aproxima crianças e adultos, gerando conversas. Há quem demore a entender. “Para que eles estão aqui?”, diz uma passageira levemente irritada, mas que aproveita a simpatia da resposta para perguntar: “Sabe onde fica o McDonalds?”

No salão do embarque, após atravessar uma porta secreta evitando as inspeções de segurança, Chubs distrai uma família que está voltando para Austin depois de visitar a Disneylândia. “Achei que eram animais de passageiros, nunca vi coisa do gênero”, disse Crystal Figgins, 35, ao lado dos filhos de 3, 7, 12 e 16 anos. “Gostei, acalmaram as crianças. Elas estavam bem entediadas.”

Funcionários do LAX também param para fazer festinha com seus cães favoritos. Se tem algum novo, já vão logo pedindo seus cartões colecionáveis.

O treinador Ambrose Charles, responsável pelos cães farejadores do LAX, traz sua labradora Sally para observar de longe os cachorros do PUP. Sally tem um colete que diz “não me toque”. “Faz parte do treinamento, quero que ela veja e se acostume com eles”, explica Charles.

Criança brinca com cachorro no aeroporto internacional de Los Angeles
Criança brinca com cachorro no aeroporto internacional de Los Angeles - Fernanda Ezabella/Folhapress

Mais tarde, ele volta sozinho para brincar com os animais. “Eles são tão amigáveis. Está tudo em seus olhos, são tão tranquilizantes.”

De fato, há estudos que mostram que animais de terapia têm o poder de baixar a pressão sanguínea e os níveis de ansiedade de seus acompanhantes. Só nos EUA, há mais de 50 mil cães terapeutas que frequentam hospitais, casas de asilo e programas como o PUP.

Para conseguir um emprego no LAX, os cachorros levam currículo. Precisam ter ao menos dois anos de idade e um ano de experiência em organizações de terapia de cães, além de registro numa entidade que dá seguro para os animais e seus donos.

Nadine Lederfine, dona de Dewey, é testadora profissional de cachorros de terapia e já avaliou cerca de 125. “Posso dizer em 15 ou 20 segundos se seu cachorro pode ser um ou não”, diz. “Cães terapeutas têm uma paz interior. Entram num ambiente e acalmam o lugar. Se eles entram num ambiente, e a energia dispara, não dá.”

Para quem tem medo de cachorro, pode ser difícil de acreditar, ainda mais quando aparece um pit bull, no caso a elegante Cali, que adora um carinho na barriga e tem as unhas pintadas de rosa. “Ajuda a suavizar sua imagem, a faz mais acessível”, diz seu dono, o aposentado Bruce Schoenfelder, 70, que faz ele mesmo o que chama de “pit-cure” toda terça.

Cali tem oito anos e foi resgatada de um abrigo. Tamanha serenidade lhe valeu o título de embaixadora de pit bulls, uma raça pouco conhecida pela afabilidade. Ela está no programa há quatro anos, junto com outros sete pit bulls e dois rottweilers.

Huebner avisa que no programa não tem espaço para preconceito de raça. “É sobre temperamento e personalidade do cachorro”, diz. “O que eles podem fazer e se querem fazer.”
 

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