Deportados dos EUA, brasileiros desembarcam em MG sem saber como voltar para casa

Grupo que chegou a Confins, na região metropolitana de BH, tinha pessoas de estados como Rondônia e Goiás

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Confins (MG)

O avião que trouxe mais uma leva de brasileiros deportados dos EUA pousou no Aeroporto Internacional de Confins (a 37 km de Belo Horizonte) às 23h40 desta sexta-feira (7).

A chegada ocorreu após quase um dia de viagem desde que Cleony Dias Lagasso, 25, deixou o local onde ficou detido com a mulher e a filha de três anos por 18 dias, no estado do Texas, na fronteira com o México.

A família desembarcou no Brasil a 3.223 quilômetros de distância de casa, que fica em União Bandeirantes, distrito de Porto Velho (RO), sem dinheiro e sem nenhuma assistência à espera.

“A gente não sabe [o que vai fazer agora]. Estamos tentando entrar em contato com a família. Pensamos que, chegando aqui, o governo tomaria uma atitude”, diz ele.

Depois do desembarque de um grupo de americanos com bagagens —eram seguranças, segundo um funcionário do aeroporto—, vieram os brasileiros, carregando apenas sacos plásticos onde se viam passaportes, celulares, fones de ouvido.

De acordo com o Itamaraty, havia 130 brasileiros no voo. Já a Polícia Federal em Minas Gerais afirma que a aeronave trouxe 86 brasileiros deportados e 23 tripulantes.

Não havia representantes do governo no desembarque. Alguns deportados contam que foram levados ao consulado brasileiro enquanto estavam detidos.

O voo fretado desta sexta foi o terceiro a trazer deportados brasileiros da fronteira norte-americana desde outubro do ano passado.

Pagos pelo governo dos EUA, esses voos precisam ser autorizados pelo governo brasileiro.

O plano de Edja Jesus, 48, deportada com a filha de 14 anos e o marido, era comprar passagens para Salvador o mais rapidamente possível. A família é de Lauro de Freitas, a 28 km da capital baiana.

“Oito dias sem tomar banho, oito dias sem escovar os dentes. Meu marido desmaiou de fome, e eles não ajudaram. Quem ajudou fomos nós mesmos”, conta ela. “Fomos muito maltratados.”

Erivaldo Gomes, 62, marido dela, diz que teve queda de pressão pela alimentação fraca, quase sempre fria e que muitas vezes vinha azeda. A descrição do burrito servido, prato típico mexicano, é a mesma que a Folha ouviu de outros brasileiros deportados em outubro.

Só a forma como eles tratam as pessoas já é uma agressividade descompensada. Eu não sofri agressão física, mas sei de pessoas que sofreram —ser puxado pelo cabelo, ser jogado em cela”, diz ele.

Grávida de cinco meses, Emily da Silva, 20, que tentou entrar nos EUA com o marido e a filha de um ano, conta que um dia passou tanta fome que o bebê parou de se mexer na barriga.

O número de brasileiros detidos na fronteira EUA-México aumentou dez vezes entre outubro de 2018 e setembro de 2019, de acordo com informações do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, em inglês).

A política rigorosa do governo de Donald Trump contra imigrantes ilegais e a dificuldade na emissão de vistos para pessoas nascidas no Brasil podem ter ajudado na escalada, segundo integrantes do Itamaraty ouvidos em dezembro.

O governo Trump solicitou formalmente ao de Jair Bolsonaro a autorização para fretar mais voos com o objetivo de deportar brasileiros em situação irregular de imigração.

A prática não era comum entre os países. O Itamaraty diz que havia registro de outro voo em 2017.
Segundo a Polícia Federal em Minas Gerais, voos com deportados podem se tornar mais frequentes. A Polícia Federal disse ainda que segue investigando casos suspeitos, sem dar detalhes.

Apesar de haver moradores de outros estados no voo, a maioria do grupo que chegou a Confins nesta sexta era de Minas Gerais.

Pâmela Cristina, 21, de Governador Valadares, conta que viu um guarda empurrando uma mulher com uma criança de colo e que era comum policiais da fronteira ficarem com o dinheiro dos detidos.

“Tem muita gente que está aqui sem um centavo no bolso. A gente não imagina o quanto é sofrido. A gente entra com a mente sadia e sai com a mente doente”, afirma ela.

Muitos chegaram ao Brasil usando as calças de moletom cinza e camisetas azuis que eram distribuídas como uniforme. Outros ainda tinham no pulso as pulseiras colocadas na detenção para controle —uma com um número de identificação, outra com a temperatura da pessoa.

Quem estava de tênis e botas chegou sem cadarços, tirados pelos agentes da imigração. Alguns ainda calçavam o sapato de borracha laranja neon e outros as sapatilhas distribuídas na detenção.

Os brasileiros contaram que foram oferecidas duas opções: assinar a deportação e voltar ao país ou encontrar um advogado e tentar falar com um juiz para explicar por que queriam ficar no país.

Era comum brasileiros tentarem ficar nos EUA desse modo, entrando irregularmente e respondendo em liberdade, no que é conhecido como “cai-cai”, enquanto trabalhavam.

Os brasileiros ouvidos pela Folha disseram que não foram algemados em nenhum momento. Segundo eles, as únicas pessoas com algemas no voo desceram em uma parada no Equador. Em janeiro, outro voo vindo dos EUA chegou a Minas Gerais com brasileiros deportados que relataram terem sido algemados pelos pés e pelas mãos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.