Chanceler de Fernández tenta se reaproximar do Brasil com discurso de moderação

Felipe Solá diz que Argentina não será trava a acordos do Mercosul e costura encontro entre presidentes

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Brasília

O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, encontrou o presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira (12) para reaproximar os dois países.

Segundo interlocutores, ele viajou a Brasília para transmitir a mensagem ao governo brasileiro de que o presidente Alberto Fernández é moderado ao não comungar das ideias da esquerda radical.

Em um aceno ao lado brasileiro, Solá prometeu ainda que seu país não será "uma trava" para as negociações de acordos comerciais do Mercosul.

O chanceler argentino manteve uma extensa agenda de reuniões na capital federal para tentar superar o clima de desconfiança que rege as relações entre os dois países desde a campanha eleitoral argentina.

O presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o chanceler argentino, Felipe Solá, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o chanceler argentino, Felipe Solá, em Brasília - Carolina Antunes/PR

O pleito no país vizinho foi marcado por trocas de críticas entre Bolsonaro e Fernández, cuja vice é a ex-presidente Cristina Kirchner. O presidente brasileiro chegou a expor sua preferência pela reeleição do liberal Mauricio Macri.

A avaliação de interlocutores ouvidos pela Folha é que a fragilidade da economia da Argentina no momento não permite a Fernández antagonizar com Bolsonaro na América do Sul.

Isso explica os diversos acenos feitos pelo chanceler argentino. O primeiro deles foi a tentativa de baixar as tensões em relação ao Mercosul (formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).

Em 2019, após duas décadas de tratativas, o bloco sul-americano concluiu as negociações de acordos comerciais com a União Europeia e com a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre).

Esses tratados foram acertados quando a Argentina era governada por Macri. Havia à época receio no governo brasileiro de que a linha protecionista de Fernández representasse um entrave tanto para a ratificação desses textos quanto para futuros acordos com outros países, como Canadá, Singapura e Coreia do Sul.

"Entendemos que, como estratégia, o Mercosul deve celebrar acordos de comércio com outros países para crescer", disse Solá.

"Nós vemos esses acordos com uma mente aberta e vamos atuar para não sermos uma trava", afirmou, após se reunir por mais de duas horas em Brasília com o chanceler Ernesto Araújo.

Outro aceno de Solá foi a proposta de marcar um encontro entre Bolsonaro e Fernández.

O argentino tomou posse em 10 de dezembro, e ainda não houve uma reunião entre os dois mandatários —algo incomum, por se tratar das duas maiores economias do Mercosul.

Para a surpresa de Solá, o próprio Bolsonaro lhe sugeriu uma agenda, em um território considerado neutro.

Segundo o chanceler argentino, ele propôs o encontro às vésperas da posse do novo presidente do Uruguai, o direitista Luis Lacalle Pou.

"Falamos do futuro, da possibilidade de um encontro em 1º de março no Uruguai", disse Solá, ao sair do Palácio do Planalto, onde teve uma reunião com o presidente brasileiro à tarde.

O chanceler argentino ressaltou também que Brasil e Argentina têm objetivos comuns na crise política da Venezuela, embora haja divergências sobre os métodos adotados.

"Nós não somos favoráveis a [Nicolás] Maduro. Somos favoráveis antes de tudo à democracia, como o Brasil", afirmou o argentino. "Certamente não temos a mesma metodologia do Brasil, mas buscamos o mesmo fim."

A delegação argentina avisou o Brasil, por exemplo, que não vai se desligar do Grupo de Lima, uma aliança de países que têm pressionado diplomaticamente por uma mudança de regime na Venezuela.

Embora Buenos Aires não esteja assinando os comunicados emitidos pelo grupo, o fato de o país não ter se retirado é um sinal de que não haverá apoio irrestrito ao chavismo, algo que o Itamaraty vê com bons olhos.

Ernesto Araújo destacou em sua fala que a Argentina vai participar do próximo encontro do grupo, no Canadá.

O encontro com Bolsonaro encerrou a agenda de Solá em Brasília. Antes, ele e sua comitiva foram recebidos pelo chanceler brasileiro no Itamaraty.

No campo econômico, Solá fez um extenso relato das dificuldades econômicas do seu país e pediu o apoio do Brasil na renegociação da dívida argentina no FMI (Fundo Monetário Internacional).

"Pedimos ao Brasil que também nos apoie da maneira possível no FMI, porque é o primeiro passo de uma escada com muitos degraus", afirmou.

Ele declarou ainda que o governo Fernández busca mais prazo para honrar seus compromissos e garantiu que a Argentina não entrará em default (calote) novamente.

A prioridade da Argentina é renegociar um empréstimo de US$ 5 bilhões contraído junto ao fundo.

O ministro argentino relatou ainda que seu país enfrenta uma "recessão profunda", o que impacta o fluxo comercial com o Brasil.

Também citou problemas de demanda interna e externa, além de uma "altíssima inflação com cifras astronômicas", se comparada com a realidade brasileira.

Apesar da fala, Solá afirmou que é preciso enfrentar a escalada inflacionária "sem receitas mágicas" —Cristina Kirchner foi acusada de mascarar os índices de inflação durante seu governo.

Em mais um sinal de que busca uma reaproximação, ele declarou trazer a Bolsonaro as "saudações fraternas de Fernández", com um "olhar realista e pragmático das relações com o Brasil".

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