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Financial Times Eleições EUA 2020

Nem Rússia nem Trump planejariam um começo pior para as prévias democratas

Consequências da confusão em Iowa para divulgar resultados atingirão partido de modo mais amplo

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Edward Luce
Financial Times

Nem o Kremlin poderia ter arquitetado um começo melhor para a corrida presidencial democrata. Donald Trump, tampouco. 

Mas é quase certo que a debacle da divulgação dos resultados das primárias em Iowa é culpa do Partido Democrata no estado. Suas consequências negativas, porém, provavelmente vão atingir os democratas de modo mais amplo. 

Será difícil o partido se livrar do ranço de incompetência. Quatro anos de preparação em um estado com 3,2 milhões de habitantes —com apenas 172 mil pessoas comparecendo ao caucus— aparentemente não foram suficientes para a criação de um processo seguro. 

O modo de contagem dos votos usado em Iowa parece idiossincrático, na melhor das hipóteses. Agora parece um grande erro que não foi imposto por ninguém.

Apoiadores de Elizabeth Warren em Des Moines aguardam resultados do caucus em Iowa
Apoiadores de Elizabeth Warren em Des Moines aguardam resultados do caucus em Iowa - Chip Somodevilla/Getty Images/AFP

​E esse fracasso ameaça reviver as narrativas distorcidas de 2016. A eleição daquele ano foi gravemente maculada por duas controvérsias. 

A mais lembrada envolveu as alegações de interferência russa, resumidas no relatório de Robert Mueller.

Quase igualmente amarga foi a acusação de Bernie Sanders de que o Partido Democrata teria enviesado o processo para favorecer Hillary Clinton.

De lá para cá, Iowa mudou suas regras de modo a tornar o processo de seu caucus ainda mais complexo do que já era. 

No formato de 2020, três dados —e não mais um—  precisavam ser contabilizados e repassados ao fim da votação: a preferência dos eleitores na primeira e na segunda rodada do processo e a quantidade de delegados que cada candidato tem direito de acordo com seu desempenho ao final da votação.

Essa complicação adicional foi parcialmente responsável pela falha de um aplicativo na noite de segunda-feira (3). A pergunta maior que se impõe é quão rapidamente os democratas vão poder superar o desastre de relações públicas de Iowa. Não será fácil. 

Advogados de Joe Biden, cuja campanha especula ter obtido resultados fracos, aconselharam o partido a não divulgar resultados sem antes checá-los. As campanhas de outros pré-candidatos devem estar enviando mensagens semelhantes reservadamente. 

Quando for anunciado, o resultado final será tão seguro quanto seu elo mais fraco. Se houver qualquer dúvida em relação a qualquer uma das 1.765 zonas eleitorais do estado, o processo será objeto de litígio. 
Um clima de rivalidade amarga pode tomar conta do processo. 

Os aliados de Trump já estão dizendo que a eleição foi “manipulada”. 

Se Bernie Sanders não for o eventual vencedor, como as pesquisas de opinião sugeriram, seus seguidores não hesitarão em ecoar essa acusação. Tudo isso será negativo para a união partidária democrata e também para a reputação democrática do país.

Em outra época, a falha técnica monumental ocorrida em Iowa provavelmente seria relevada. Mas a política americana, de modo geral, e em especial a do Partido Democrata, vem sofrendo uma profunda erosão de confiança. 

Algo que poderia factualmente ser visto como nada mais do que incompetência local pode facilmente ser amplificado para parecer uma conspiração de grandes proporções.

No curto prazo, pelo menos, essas dúvidas provavelmente vão beneficiar Sanders. Ele já lidera as pesquisas de intenção de voto em New Hampshire, cuja primária será realizada na próxima terça-feira (11). 

As consequências negativas do que houve em Iowa também podem acabar beneficiando o bilionário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, que optou por não disputar a indicação presidencial nos dois primeiros estados das prévias democratas. 

Sua fama de competência técnica provavelmente será vista como mais importante agora. 
Mas o beneficiário maior de qualquer contaminação do processo de indicação presidencial democrata provavelmente será Trump.

Entre o mar de cartazes erguidos diante de residências espalhadas por todo o estado, um que defendia a candidatura de “qualquer adulto que funcione para 2020” chamou a atenção de muitas pessoas. 

O cartaz divulga a prioridade democrata ampla de afastar Trump com o candidato que parecer mais elegível, seja ele ou ela quem for.

Depois do drama da noite de segunda, é bem possível que Iowa tenha promovido seu último “primeiro caucus do país”.

O papel desmedido exercido no processo eleitoral por esse estado de avassaladora maioria branca e rural é questionado há muito tempo. 

Seja como for, da próxima vez que Iowa promover um caucus ou mesmo algo menos complexo, talvez lhe convenha começar com o slogan “qualquer sistema eleitoral que funcione”.

Tradução de Clara Allain

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