'Usamos controles que a OEA não usou', diz cientista que não vê fraude na Bolívia

Pesquisador do MIT estudou eleição no país e discorda de análise da organização sobre irregularidades

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Montevidéu

John Curiel, um dos dois pesquisadores do MIT que divulgaram um estudo que conclui não haver fraude na contagem dos votos na Bolívia na eleição de outubro, reafirma que sua pesquisa está correta, apesar de a OEA (Organização dos Estados Americanos) ter contestado seu trabalho, dizendo que "não é honesto, nem baseado em fatos, nem exaustivo".

Em um artigo publicado pelo jornal americano The Washington Post, Curiel e Jack R. Williams, membros do Election Data and Science Lab (laboratório de ciência e dados de eleições) do MIT (Massachusetts Institute of Technology), questionam a auditoria realizada pela OEA na contagem dos votos da eleição boliviana e afirmam não haver "evidência estatística de fraude".

Eles realizaram cálculos a partir das tendências de voto no momento em que a contagem rápida, o chamado TREP (que contabiliza atas das mesas), foi interrompida —ela foi retomada apenas dois dias depois.

O documento original da OEA relatou que o tempo para que o TREP fosse retomado era suficiente para extravio e queima de atas, duplicação de nomes e outras irregularidades.

Para os pesquisadores do MIT, a quantidade de votos já contabilizados (84%, pelo TREP) antes da contagem mostrava "uma diferença significativa do ponto de vista estatístico", o que impediria que os resultados fossem diferentes dos anunciados pelo governo.

Quando os senhores dizem que "não parece haver diferença estatística significativa" no momento em que a contagem preliminar (o chamado TREP) foi interrompida, levaram em conta que o voto na Bolívia é muito irregular? Que as regiões têm diferenças políticas baseadas em questões étnicas, sociais, de níveis de educação formal etc.? Essas diferenças não poderiam afetar de modo preponderante uma tendência estatística? Sim, nós sabíamos da irregularidade do padrão de votos na Bolívia e fizemos simulações de acordo com cada área. Quando há dados disponíveis de uma ata, nossas simulações usam informações de uma amostra da mesma ata, do mesmo distrito ou província. E comparamos com eleições anteriores. 

Uma de nossas críticas iniciais ao relatório da OEA é justamente que o organismo não tinha os mesmos controles que usamos. Para nós, os resultados da OEA indicando fraude são insignificantes ou simplesmente desaparecem quando esses controles que você aponta corretamente são levados em conta.

Além disso, nós analisamos de que maneira esses fatores sociodemográficos, como formação educacional, idioma, linguagem e região, podem revelar-se numa ata, e o apoio para o partido de Morales ou contra o partido de Morales seguiram um padrão.

O sr. não acha que adotar o TREP, depois parar e avançar apenas com o escrutínio oficial ajudou a criar desinformação e deu alimento a uma versão de que houve uma fraude? Não podemos falar da decisão de interromper o TREP e o efeito direto que isso teve na percepção popular. O que podemos dizer é que interromper o TREP com cerca de 80% da contagem dos votos é consistente com eleições bolivianas anteriores que a OEA não considerou fraudulentas no passado.

Sobre a manipulação de dados antes e depois da interrupção do TREP, não há evidência que sugira que tenham sido introduzidos votos fraudulentos. Ainda assim, existe uma pesquisa do doutor Walter Mebane, da Universidade de Michigan, que utiliza o tempo de divulgação de um resultado eleitoral e padrões reportados em eleições em que fraudes foram identificadas. 

O doutor Mebane fez sua própria análise da eleição e tampouco detectou níveis decisivos de fraude.

Como o sr. acredita que o estudo pode ajudar a melhorar a contagem de votos na Bolívia daqui para a frente? Está muito claro que realizar eleições é um processo complexo, e introduzir reformas nos métodos eleitorais sem o treinamento apropriado e sem infraestrutura para isso pode resultar em complicações que podem levar a ou serem confundidas com fraudes. 

A melhor maneira de fazer com que isso não aconteça é tratar uma eleição como uma parceria entre os atores, e não como algo que se monta pensando que a eleição tem bons e maus atores. 

No caso da Bolívia e de outras nações que usam sistemas parecidos, é preciso focar os obstáculos que há numa contagem nacional com regiões tão diferentes. Além disso, o treinamento pré-eleitoral com métodos que possam identificar bem as possíveis fraudes pode ser implementado com antecipação. 

Finalmente, áreas onde há muita tensão, como onde se queimam urnas com votos, precisam receber atenção oficial, para que os maus atores não possam deslegitimar o processo eleitoral, não interessa de que partido eles sejam.

Apenas porque nossos estudos não sustentam as afirmações da OEA, por exemplo, não deveria significar a exclusão deles ou o desmerecimento do nosso trabalho e de nossos resultados.

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