Descrição de chapéu The New York Times

As mulheres que desafiaram o Boko Haram e sobreviveram

Mais de 540 mulheres e meninas foram usadas ou detidas como mulheres-bomba desde junho de 2014

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Dionne Searcey
Maiduguri (Nigéria) | The New York Times

As seis mulheres colocaram suas bombas no chão e se postaram em volta do poço, olhando fixamente para o vazio escuro.

Prisioneiras do Boko Haram, um dos grupos terroristas mais mortíferos do mundo, tinham sido despachadas para cumprir a missão mais tenebrosa de todas: explodir uma mesquita e todas as pessoas que estavam nela.

As mulheres queriam se livrar das bombas sem matar ninguém, elas próprias incluídas.

Uma delas, Balaraba Mohammed, então com 19 anos, fora vendada e sequestrada pelo Boko Haram alguns meses antes. Ela propôs um plano.

As moças tiraram seus lenços de cabeça e os amarraram para formar uma corda comprida. Mohammed prendeu as bombas à corda e, com cuidado enorme, abaixou a corda com as bombas dentro do poço, rezando para estar cheio d’água.

Ela soltou a corda.

“Corremos como loucas para nos salvar”, disse Mohammed.

Durante a guerra com o Boko Haram, que há dez anos percorre o nordeste da Nigéria e já se alastrou para três países vizinhos, mais de 500 mulheres já foram utilizadas como mulheres-bomba ou detidas antes de levar a cabo suas missões letais.

Segundo especialistas em terrorismo, é um número nunca antes visto em qualquer outro conflito da história.

Algumas delas, como Balaraba Mohammed e as outras mulheres em volta do poço, resistem corajosamente, frustrando os planos dos extremistas de maneira discreta e que muitas vezes não chega a ser reconhecida.

A maioria das mulheres que fugiram do Boko Haram mantém segredo sobre o fato de terem sido sequestradas, cientes de que seriam estigmatizadas, vistas como sendo favoráveis ao terrorismo, apesar de terem sido mantidas prisioneiras e terem desafiado os membros do grupo terrorista.

Elas percorrem as ruas de Maiduguri, Nigéria, debaixo de outdoors que proclamam o heroísmo de Malala Yousafzai, baleada por resistir ao Taleban.

As mulheres frequentemente são esquecidas, como ocorreu com as mais de cem meninas sequestradas do povoado de Chibok e que continuam desaparecidas, quase seis anos depois de seu sequestro ter provocado comoção global.

Dezenas de mulheres entrevistadas pelo New York Times disseram que o Boko Haram lhes impôs uma escolha terrível: “casar-se” com combatentes do grupo ou ser despachadas em missões suicidas.

Algumas das mulheres teriam optado, em vez disso, por explodir apenas a elas mesmas. Mas outras sobreviveram e querem contar suas histórias. Balaraba Mohammed é uma delas.

Balaraba disse que chegou ao acampamento do Boko Haram em 2012 sentindo-se atordoada. O grupo assassinara seu marido na presença dela, depois de ele ter criticado o grupo.

Dias mais tarde, os militantes retornaram para buscar Balaraba. Jogaram o bebê dela ao chão e a sequestraram. Ela achou que sua filha tinha morrido.

Novas prisioneiras chegavam cada vez que os militantes saíam do acampamento. Algumas eram estupradas e forçadas a tomar pílulas anticoncepcionais, contou Balaraba. Outras eram usadas para testar coletes suicidas.

Balaraba pensou em cometer suicídio, mas se lembrou de sua avó doente, que precisava de seus cuidados. Para evitar ser forçada ao casamento com um combatente, ela fingiu estar doente.

Para evitar ser usada em treinos de armas, fingiu ser doente mental.

Quando os combatentes lhe deram uma bomba, conta ela, “senti como se eu já estivesse morta”. Ela sabia que teria que ir, sob pena de ser fuzilada.

Foi assim que ela se viu com cinco outras mulheres em volta daquele poço.

As bombas não explodiram, contou Balaraba. Assustadas e sem saber o que fazer, as mulheres correram de volta ao acampamento do Boko Haram. Com as mãos sobre o Alcorão, juraram a seus captores que tinham cumprido a missão e que correram tão rapidamente para fugir que perderam seus hijabs no caminho.

Entre aplausos, os combatentes festejaram as mulheres que pensaram que haviam se tornado assassinas.

As seis mulheres, duas das quais mal haviam entrado na adolescência, tinham ludibriado os extremistas islâmicos. Mas seu alívio duraria pouco tempo.

Os militantes decidiram que elas já estavam suficientemente insensibilizadas para iniciarem treinamento com armas. Entregaram armas a elas e fizeram outros prisioneiros postar-se em fileiras, para que as mulheres praticassem tiro ao alvo com alvos vivos.

Uma das garotas que jogara sua bomba dentro do poço ficou tão consternada que correu para o meio da saraivada de balas disparadas pelo pelotão de fuzilamento, cometendo suicídio, contou Balaraba.

Para as mulheres que tentam escapar das garras do Boko Haram, todas as opções são tenebrosas.

De acordo com a Unicef, as que tentam render-se às autoridades às vezes são mortas por soldados nervosos. Membros de uma milícia civil contaram que no ano passado atiraram em uma mulher que se aproximou do posto deles, na periferia de Maiduguri, e que a bomba dela explodiu.

Depois do sucesso no episódio do poço, os militantes enviaram Balaraba e as outras mulheres numa segunda missão suicida, substituindo a garota que morreu ao correr diante do pelotão de fuzilamento por uma nova prisioneira. O alvo delas dessa vez seria uma feira em Banki, uma cidade antes movimentada.

Um dos combatentes planejava escoltar as mulheres até a cidade. Mas a nova prisioneira disse aos militantes que ela era de Banki e que conhecia o caminho para chegar à cidade.

Mais uma vez as mulheres juntaram suas bombas e usaram suas hijabs para abaixar as bombas no poço. Correram de volta para o acampamento do Boko Haram, esperando a mesma recepção calorosa que da vez anterior.

Mas os militantes ficaram chocados ao vê-las chegar em tão pouco tempo.

Nesse momento o rádio divulgou uma notícia: uma explosão ocorrera em Banki, mas num povoado pequeno fora da cidade principal, não na feira livre da cidade. Os militantes se voltaram para a nova prisioneira, achando que ela havia conduzido as mulheres ao lugar errado.

Eles a fuzilaram.

Passaram-se alguns dias, e os combatentes iam e vinham, travando batalhas ferrenhas que levaram alguns deles à morte. Eles queriam vingança. Prepararam Balaraba e as outras mulheres para uma operação de grande porte: detonar o Mercado da Segunda-feira, o maior do nordeste da Nigéria.

Eles carregaram 20 carros, motos e caminhões militares roubados com mulheres-bomba e combatentes, e o comboio foi ao mercado.

Balaraba disse que estava doente, fraca demais para conseguir sair do carro. Ficou sentada dentro do veículo enquanto as bombas explodiam, e depois o veículo a levou embora.

Ela foi levada de volta ao acampamento e continuou doente por vários dias, trancada com outras prisioneiras dentro de um barraco de zinco, ouvindo os combatentes se prepararem para uma invasão do acampamento por forças milicianas.

“Eu estava pedindo a Deus em meu coração: ‘Deus, se eu morrer, deixe minha família encontrar meu corpo’”, contou ela.

Balaraba ouviu disparos e um barulho enorme. Ela desmaiou.

Hadiza Musa, que se unira à força miliciana local para vingar o sequestro de sua irmã pelo Boko Haram, chegou ao acampamento e se deparou com uma cena horrenda: o acampamento inteiro pegara fogo, e com corpos espalhados por todo lugar.

Numa tentativa de distrair a atenção dos milicianos, os combatentes do Boko Haram teriam explodido seu próprio acampamento e seus prisioneiros e então fugido.

Examinando os corpos dos mortos, Musa encontrou Balaraba, que estava inconsciente, com o corpo coberto de queimaduras e sangue escorrendo de um ferimento a bala em sua perna. Musa chorou enquanto ajudava a levar Balaraba ao hospital.

Ela ficou ao lado de Balaraba, cuidando dela até que recobrasse a consciência. Ela procurou e localizou a avó de Balaraba e então transmitiu a ela a primeira boa notícia que ela ouvira em meses: sua filhinha, Hairat, estava viva.

Mais de 540 mulheres e meninas foram usadas ou detidas como mulheres-bomba desde junho de 2014, segundo estimativa de Elizabeth Pearson, professora do Centro de Pesquisas de Ameaças Cibernéticas e na Universidade de Swansea, no País de Gales, que reviu anos de relatórios da imprensa e das Nações Unidas.

Musa e Balaraba hoje se consideram irmãs. Balaraba ainda tem as cicatrizes das queimaduras que sofreu no rosto, pernas e braços.

Em Maiduguri, onde ela vive com Hairat, que agora está na primeira série da escola, alguns vizinhos que sabem que ela foi sequestrada pelo Boko Haram desconfiam dela, achando que ela talvez ainda seja leal ao grupo.

“A melhor coisa para você seria ser morta”, um vizinho lhe disse.

Balaraba tenta ignorar esse tipo de comentário. Ela sabe que nada do que sofreu foi sua culpa. Para pagar a escola de Hairat, ela tricota chapéus e vende refrigerantes que guarda numa minigeladeira alugada.

Faz visitas regulares ao necrotério para procurar o corpo de seu irmão. Ele desapareceu depois de abandonar a faculdade para ingressar na milícia e vingar a captura de sua irmã.

Balaraba começou a estudar enfermagem. Ela quer dar algo de volta à sociedade. Mas não pôde pagar por exames recentes depois que um tio a expulsou da casa dele, ainda desconfiado dela por causa do tempo que passou com os militantes.

Enquanto não consegue economizar para fazer o exame, Balaraba mantém um kit de primeiros socorros sempre à mão, caso se depare com alguém que precise de ajuda.

Tradução de Clara Allain

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