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Ascensão de Biden mostra faro de Trump ao buscar problemas de democrata na Ucrânia

Ironicamente, impeachment será arma de republicano contra ex-vice dos EUA

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São Paulo

O faro de Donald Trump estava certo. Quase dois anos atrás, quando começou a mover peças em direção à Ucrânia, o presidente americano já sabia que Joe Biden seria nome forte para se tornar seu adversário nas eleições de novembro.

Por isso, buscou desde cedo encontrar algum tipo de problema que constrangesse o ex-vice-presidente na corrida eleitoral. A operação acabou se tornando o gatilho para a abertura de um julgamento de impeachment, mas agora também será uma arma para conquistar a reeleição.  

O ex-vice presidente dos EUA Joe Biden durante evento de sua campanha em Los Angeles na quarta (4)
O ex-vice presidente dos EUA Joe Biden durante evento de sua campanha em Los Angeles na quarta (4) - Mario Tama - 4.mar.20/Getty Images/AFP

Trump não costuma se apegar a fatos, mas vai abraçar um com força: foi absolvido pelo Senado. Em teoria, ele nada fez para pressionar o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, a investigar a atuação de Biden e de seu filho Hunter no país do Leste europeu.

Ele também não teria feito nada para atrapalhar os congressistas democratas a apurar se a Presidência americana foi utilizada para obter ganhos pessoais —mesmo que funcionários do Departamento de Estado dos EUA tenham sido intimidados a não comparecer às audiências.

Na prática, triunfará a narrativa trumpista de que o processo inteiro não passou de uma caça às bruxas partidária —e essa imagem importa muito ao eleitor republicano.

Poucos se lembrarão de que o Departamento Nacional Anticorrupção da Ucrânia afirmou que o inquérito sobre a empresa de gás Burisma, na qual Hunter Biden atuou no conselho, limitou-se aos anos de 2010 e 2012, antes da participação do filho do ex-vice-presidente na firma.

Também passará batido que a transcrição do telefonema de Trump a Zelenski prova que o americano pediu ao colega para investigar o rival democrata.

Ou ainda que, dias antes de fazer a ligação ao líder ucraniano, Trump tenha mandado congelar o envio de ajuda militar de cerca de US$ 400 milhões, aprovada pelo Congresso, como forma de pressão.

Nem mesmo a confirmação, pelo ex-embaixador dos EUA para a União Europeia, de que houve toma lá dá cá com o governo ucraniano deve fazer diferença. O presidente foi absolvido e segue no cargo.

Além do resultado final do julgamento, Trump também pode explorar outros aspectos da atuação do ex-vice-presidente no episódio.

Como encarregado de representar os EUA na crise da anexação da Crimeia pela Rússia, Biden pressionou o governo ucraniano em 2014 para afastar o então procurador-geral do país, Viktor Shokin, que investigava a empresa na qual seu filho trabalhava.

Biden diz que o pedido foi baseado em suspeitas de corrupção. De fato, Shokin era visto pela opinião pública como alguém que ocultou casos contra funcionários da gestão de Viktor Ianukovich, ex-presidente da Ucrânia.

Mas não parece muito inteligente forçar um governo a demitir quem investiga supostas ilegalidades na firma em que o próprio filho trabalha. Trump percebeu a questão.

Hunter Biden por si só é um problema de imagem para a campanha do pai. Além do imbróglio ucraniano, tem um histórico de abuso de álcool e drogas, conforme contou à revista The New Yorker.

Começou a beber adolescente e usou cocaína e crack durante a graduação em história na Universidade Georgetown. Em 2013, foi selecionado para ser oficial reserva da Marinha, mas foi dispensado após ter testado positivo para cocaína.

Meses mais tarde, internou-se em uma clínica no México para lidar com alcoolismo.

Durante o processo de impeachment, quando os democratas pressionavam pela convocação de novas testemunhas, os republicanos sugeriram um arranjo: os depoentes seriam chamados pelos dois lados, e a chance de ter Hunter na tribuna do Senado foi um fator que desestimulou o acerto.

Biden pai, por sua vez, adotou uma postura agressiva contra a imprensa quando a denúncia contra Trump explodiu. Questionado se havia conversado com o filho sobre seu trabalho na Ucrânia, ele apontou o dedo para um repórter e ordenou que ele fizesse as "perguntas certas".

A campanha do democrata entende que responder às acusações de Trump e seus aliados —e até mesmo negá-las— apenas as estimula, como aconteceu com Hillary Clinton e o caso do uso de servidor privado de email para questões de Estado.

Com a ascensão do ex-vice-presidente na corrida para se tornar o candidato democrata à Presidência, a expectativa é que os episódios em torno do impeachment voltem a ganhar relevo em forma de ataques eleitoreiros.

O surpreendente desempenho de Biden na Super Terça surpreendeu muitos, só não surpreendeu Trump. O esforço na Ucrânia mostra que ele já sabia quem poderia estar do outro lado no dia 3 de novembro.

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