Assessor de saúde corrige declarações e testa paciência de Trump

Presidente deu espaço incomum a diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas

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Maggie Haberman
The New York Times

Para demonstrar que seu governo dá liberdade para o doutor Anthony S. Fauci dizer o que pensa, o presidente Donald Trump cede à opinião do médico várias vezes durante as entrevistas coletivas da força-tarefa contra o coronavírus transmitidas pela TV.

Mas Fauci, desde 1984 diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, vem ficando mais ousado nas correções que faz às declarações falsas e excessivamente otimistas do presidente sobre o alastramento do coronavírus –e, por conta disso, virou herói entre críticos do presidente.

Agora a paciência de Trump está começando a se esgotar.

O mesmo se aplica à paciência de alguns assessores da Casa Branca, para quem Fauci vem fazendo críticas indiretas ao presidente em algumas de suas entrevistas à imprensa escrita, ao mesmo tempo em que tece elogios ao republicano a apresentadores de TV conservadores.

Diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas Anthony Fauci, ao lado do presidente Donald Trump, durante entrevista coletiva na Casa Branca, em Washington
Diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas Anthony Fauci, ao lado do presidente Donald Trump, durante entrevista coletiva na Casa Branca, em Washington - Joshua Roberts - 21.mar.20/Reuters

Trump sabe que o médico, assessor de todos os presidentes desde Ronald Reagan, é visto por grande parte do público e pelos jornalistas como digno de crédito. Por isso, segundo vários de seus assessores, tem dado a ele mais liberdade de contradizê-lo do que dá a outras lideranças.

Quando sabe que tem mais a ganhar do que a perder ao conservar um assessor, Trump resiste a seus impulsos de rebater críticas aparentes, às vezes por meses.

Um exemplo foi quando quis demitir o advogado da Casa Branca Donald McGahn, em 2017 e no início de 2018. Ocorreu o mesmo com o ex-secretário de Justiça Jeff Sessions. Trump acabou demitindo os dois mais tarde, quando sentiu que já não havia perigo tomar esta decisão.

O presidente parece, por enquanto, fazer o mesmo cálculo com Fauci, que não esteve nas entrevistas coletivas da Casa Branca na noite de segunda-feira.

Questionado por que Fauci não estava presente, Trump disse que acabara de passar “um tempo longo” com ele numa reunião da força-tarefa. Já os funcionários do governo repetiram que estão alternando os líderes que aparecem nos briefings.

O presidente vem resistindo a caracterizar a Covid-19 como o tipo de ameaça descrita por Fauci e outros especialistas em saúde pública. Em seu esforço para criar uma visão positiva de um futuro em que o vírus seja um perigo menos presente, críticos acusam Trump de disseminar esperanças falsas.

Fauci e o presidente já discordaram publicamente sobre quanto tempo será preciso esperar para disponibilizar uma vacina contra o coronavírus ao público e se a cloroquina, medicamento usado no combate à malária, pode ser usado com pessoas gravemente afetadas pelo vírus.

Fauci já deixou claro que não pensa que o medicamento necessariamente tenha o potencial que Trump afirma que ele possui.

Em entrevista à revista Science Fauci respondeu a uma pergunta sobre como conseguiu não ser demitido, dizendo que “é preciso dar crédito [a Trump]: apesar de discordarmos sobre algumas coisas, ele ouve. Ele segue seu próprio caminho, tem estilo próprio, mas em relação às questões mais importantes, ele ouve o que eu digo.”

Fauci também disse, porém, que há um limite ao que ele pode fazer quando Trump faz afirmações falsas, como frequentemente faz nos briefings.

“Não posso pular na frente do microfone e empurrá-lo para baixo”, disse Fauci. “Ok, ele falou aquilo. Vamos tentar corrigir o que ele disse na próxima vez.”

Em entrevista ao programa “Face the Nation”, da CBS, no domingo, o médico minimizou a ideia de que existem divergências entre ele e o presidente. “Fundamentalmente não há uma diferença aqui”, disse.

“O presidente ouviu, como todos ouvimos, informações que eu qualifico como relatos anedóticos segundo os quais determinados medicamentos funcionam. Então o que ele quis fazer foi expressar a esperança de que, se eles funcionarem, vamos tentar promover seu uso”, disse Fauci.

“Eu, por outro lado, disse que não discordo do fato anedótico de que possam funcionar, mas meu trabalho é comprovar definitivamente, do ponto de vista científico, que funcionam. Então eu estava adotando uma visão puramente médica, científica, enquanto o presidente estava tentando dar esperança às pessoas.”

Fauci e um porta-voz da Casa Branca não responderam a pedidos de comentários.

O médico chegou ao cargo atual quando a epidemia de Aids estava explodindo, e o presidente Ronald Reagan estava dando pouca atenção a ela.

Ele e C. Everett Koop, o porta-voz de medicina do governo federal, são vistos amplamente como responsáveis por terem incentivado a administração Reagan a agir contra a Aids, fato que ressalta a capacidade de Fauci de negociar com políticos pouco cooperativos.

E Fauci entende bem não apenas o funcionamento interno do governo, mas também o da imprensa.

Quando o vice-presidente Mike Pence assumiu a liderança da força-tarefa contra o coronavírus, seus assessores queriam que ele fizesse uma pausa de 24 horas nas entrevistas que autoridades do governo estavam concedendo, enquanto avaliavam em que pé estava a administração depois de algumas semanas caóticas.

Num primeiro momento, eles apreciaram as participações de Fauci, reunindo-se com ele antes de entrevistas para terem uma ideia do que ele pretendia dizer.

Mas nas últimas duas semanas, enquanto as entrevistas de Fauci foram ficando mais frequentes, funcionários da Casa Branca vêm temendo que ele critique o presidente.

Funcionários lhe perguntaram sobre um momento na sala de entrevistas coletivas da Casa Branca, quando Fauci cobriu o rosto com a mão e pareceu estar tentando esconder uma risada de Trump, que aludir ao Departamento de Estado como o “Departamento de Estado Profundo” (supostas forças ocultas que atuam no interior do Estado).

Fauci deu uma explicação inocente: disse que estava com a garganta irritada e que uma pastilha havia se alojado em sua garganta, algo que ele teria tentado esconder dos jornalistas.

Funcionários do governo não questionam o fato de Fauci conceder entrevistas, mas de ele ter tanto tempo para atender tantos pedidos da imprensa.

Fauci, por sua parte, tem descartado algumas perguntas sobre se está em desacordo com o presidente, tratando isso como obsessão da mídia. “Há essa história de tentarem nos separar”, disse ele na CBS.

Tradução de Clara Allain

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