Descrição de chapéu The New York Times

Oposição acusa Netanyahu de restringir poderes sob disfarce de combate ao coronavírus

Paralisia no Parlamento agrava impasse e caos político em Israel

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The New York Times

Citando uma ameaça à democracia israelense, adversários do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu pediram à Suprema Corte no domingo (22) para bloquear o que caracterizaram como esforço do governo interino para tomar conta do poder, sob o disfarce de estar combatendo a epidemia de coronavírus.

Os peticionários querem que a Corte restaure os poderes plenos do Parlamento, cujo funcionamento normal foi em grande medida bloqueado por seu presidente, Yuli Edelstein, um aliado de Netanyahu. Edelstein alega preocupações com a saúde pública como justificativa.

O premiê Binyamin Netanyahu durante discurso em Jerusalém - Gali Tibbon - 14.mar.2020/Reuters

Um novo Parlamento tomou posse na semana passada, mas uma das votações-chave que Edelstein bloqueou é aquela que decidiria seu substituto na Presidência da Casa.

A paralisia no Parlamento vem apenas agravar o impasse e caos político no país, após três eleições inconclusivas realizadas nos últimos 12 meses.

Netanyahu, o primeiro-ministro há mais tempo no poder em Israel, tem todo interesse em permanecer em seu cargo, mesmo que seja apenas para fortalecer sua posição na negociação de um acordo judicial, depois de ser indiciado por suborno, fraude e quebra de confiança.

A epidemia de coronavírus lhe ofereceu uma nova oportunidade para procurar se conservar no poder.

Embora sua aliança entre a direita e os partidos religiosos tenha perdido a eleição deste mês por margem estreita, o primeiro-ministro reluta em abrir mão do controle que seu bloco exerce sobre o Parlamento.

Netanyahu vem tentando pressionar seu principal rival, Benny Gantz, do partido centrista Azul e Branco, a se aliar a ele em um governo emergencial de união que pode evitar a necessidade de uma quarta eleição.

Mas representantes do Likud disseram no domingo que um possível afastamento de Edelstein eliminaria qualquer chance de um governo de união.

O partido de Gantz, um dos peticionários diante da Suprema Corte, respondeu: “Ao mesmo tempo em que prejudica nossa democracia, o ultimato deixa evidente que Netanyahu gostaria de arrastar este país para uma quarta eleição, mesmo quando estamos mergulhados numa crise que exige que atuemos em prol da população, tanto no governo quanto no Parlamento”.

Netanyahu vem recorrendo a regulamentos de emergência para decretar medidas cada vez mais draconianas para combater a propagação do vírus.

Uma das medidas autorizou a agência de segurança interna Shin Bet a utilizar dados de telefones celulares para rastrear os cidadãos, sem nenhuma supervisão parlamentar.

O procurador-geral Avichai Mandelblit, nomeado ao cargo por Netanyahu, manifestou seus receios em declaração que prestou à corte, destacando “a necessidade vital de possibilitar a supervisão parlamentar do trabalho do governo, especialmente neste momento”.

O ministro da Justiça, partidário de Netanyahu, também lançou mão de regulamentos de emergência para restringir as atividades dos tribunais, levando ao adiamento por mais de dois meses do julgamento de Netanyahu por acusações de corrupção.

Há acusações crescentes contra o governo por explorar a epidemia de coronavírus para semear o pânico e conservar-se no poder.

Netanyahu rejeita as críticas, acusando seus adversários de praticar politicagem enquanto ele trabalha para salvar vidas e impedir o vírus de devastar o país. Em entrevista à televisão no sábado, ele se comparou ao capitão do Titanic, dizendo que está conduzindo o país entre icebergs.

“Atrás de mim já há outros Estados Titanics”, disse, e não existem garantias de um final feliz.

O número de casos de coronavírus em Israel passou de mil no domingo. A primeira pessoa a morrer da doença, um idoso sobrevivente do Holocausto, contraiu o vírus num lar de idosos em Jerusalém e morreu na sexta-feira.

O governo proibiu reuniões de mais de dez pessoas. E Israel agiu rapidamente para barrar a entrada de estrangeiros no país.

Os cidadãos foram instruídos a ficar em casa, sendo autorizados a sair para fazer compras de supermercado e para finalidades médicas. As pessoas podem ir trabalhar, se for preciso, mas há restrições rígidas ao número de funcionários que podem estar juntos em qualquer espaço.

No fim de semana foram registrados os primeiros casos de coronavírus na Faixa de Gaza. Os pacientes são dois palestinos que retornaram do Paquistão.

Funcionários humanitários avisam que uma epidemia no enclave costeiro pobre e densamente povoado pode ser desastrosa. Pelo menos 57 palestinos na Cisjordânia ocupada já tiveram resultado positivo no teste do vírus. A Autoridade Palestina ordenou o virtual isolamento dos habitantes da Cisjordânia.

Em Israel, o processo na Suprema Corte resumiu-se essencialmente a uma disputa em torno do papel do presidente do Parlamento, que define a agenda legislativa.

Especialistas jurídicos disseram que os esforços de Edelstein para bloquear a votação para escolher seu substituto ferem a Constituição e subverteram os resultados da eleição de 2 de março. Forças contrárias a Netanyahu conquistaram uma maioria estreita de 61 das 120 cadeiras no Parlamento.

Benny Gantz recebeu a primeira chance de formar um governo. Mas os 61 parlamentares que o endossaram fazem parte de campos diversos que não concordaram em cooperar para formar um governo minoritário, o que dirá se unirem em uma coalizão.

Netanyahu convidou Gantz a se unir a ele num governo de união emergencial, previsto para durar três anos, para combater a epidemia. Netanyahu insiste em liderar nos primeiros 18 meses, seguido por Gantz por outros 18 meses.

A alternativa seria uma quarta eleição, uma opção impopular que colocaria Gantz numa situação difícil.

Seu partido se comprometeu durante a eleição a não participar de um governo comandado por um primeiro-ministro indiciado, e qualquer perspectiva de um pacto de união é prejudicada pela desconfiança profunda entre os dois lados.

A declaração dada à corte pelo procurador-geral incluiu uma crítica inerente a Edelstein, que insiste que os regulamentos de saúde emergenciais que limitam as reuniões ao máximo de dez pessoas se apliquem também ao Parlamento. Mas as ordens do governo especificamente isentaram o Parlamento.

Na noite de sábado uma coalizão de organizações da sociedade civil liderada pelo Darkenu, um grupo não partidário que afirma representar a maioria moderada dos israelenses, promoveu o que descreveu como um protesto virtual, transmitindo em streaming ao vivo declarações de figuras públicas –e passando ao largo das limitações impostas a reuniões públicas.

“Nenhum país do mundo está enfrentando esta crise com seu Judiciário e Legislativo desativados pelo Executivo”, disse Yuval Diskin, ex-diretor do Shin Bet, falando da resposta de Israel ao coronavírus.

Dirigindo-se a Netanyahu, ele disse: “Faça isso pelo povo. Vá se defender no tribunal, e, se você for exonerado, volte”.

Os organizadores disseram que mais de 500 mil israelenses –de uma população de 9 milhões— e 100 mil espectadores internacionais assistiram ao protesto virtual em algum momento.

Tradução de Clara Allain   

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