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Com escassez de máscaras, policiais franceses ameaçam parar de trabalhar

Na linha de frente do controle do confinamento, setor ameaça usar 'direito de se retirar' previsto na Constituição

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Daniella Franco
RFI

Para o governo francês, policiais não são prioritários no recebimento de máscaras.

Na linha de frente do controle do confinamento, o setor ameaça utilizar o "direito de se retirar", previsto na Constituição da França, caso as delegacias e viaturas não sejam equipadas com material para proteção contra a Covid-19.

A lei francesa é clara: "Quando a situação de trabalho se mostra como um perigo grave e iminente para a vida ou a saúde, o trabalhador pode deixar seu posto de serviço ou se recusar a exercer sua função sem o acordo do empregador".

Com base nesta prerrogativa e na falta de máscaras, luvas e álcool em gel, os policiais da França ameaçam paralisar.

Além da escassez de material para proteção no trabalho de inspeção do confinamento que a polícia francesa vem realizando nas ruas de todo o país, há também a proibição explícita aos policiais, por parte do governo, do uso de máscaras durante as abordagens.

policiais abordam ciclistas
Policiais abordam ciclistas em frente ao Arco do Triunfo, em Paris, na quarta-feira (18), um dia depois da ordem de confinamento estabelecida pelo governo - Benoit Tessier/Reuters

A recomendação passada às forças de segurança pelas autoridades é de utilizar máscaras somente quando a pessoa abordada apresentar sintomas ou se declarar doente.

A situação preocupa os sindicatos, que convocam o setor a utilizar o "direito de se retirar" enquanto a questão não for resolvida.

"Os policiais estão em perigo", advertiu Benoît Barret, secretário-nacional do sindicato policial Alliance, em entrevista à BFMTV.

"Há vários dias que a gente briga com o governo para tentar fazer as autoridades entenderem. E eles ainda não compreenderam, ainda não se deram conta da situação explosiva nas ruas", reiterou.

Franceses resistentes ao confinamento

Desde o início da ordem de confinamento, estabelecida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, na última segunda-feira (16), parte da população é resistente a permanecer em casa para tentar diminuir a propagação do coronavírus.

A recomendação do governo é deixar o confinamento somente para fazer compras essenciais, ir à farmácia, ao hospital ou prestar atendimento a pessoas incapacitadas e com a autorização por escrito exigida pelo governo.

Mas muitos franceses desafiam as autoridades, mesmo correndo o risco de pagar uma multa de 135 euros em caso de ausência de justificativa.

Em Paris, áreas turísticas ou reservadas a pedestres, como as margens do rio Sena, a Esplanada dos Inválidos e o Champs-de-Mars, onde fica a torre Eiffel, precisaram ser fechadas devido às aglomerações.

Em regiões litorâneas, como Nice e a ilha da Córsega, o acesso a praias foi proibido por causa da recusa de muitos cidadãos de respeitar o confinamento.

Mesmo com a abordagem dos policiais, muitas pessoas resistem a voltar para suas casas, tentam argumentar e até discutem com os agentes de segurança.

Em Trappes, na região parisiense, uma viatura de polícia foi apedrejada, e um grupo de policiais foi atacado durante uma abordagem de um grupo de jovens que circulava sem a autorização para saída. Na sexta-feira (20), um policial chegou a ser mordido quando abordou um homem na rua.

No total, 100 mil policiais franceses foram convocados desde o início do confinamento, que começou oficialmente na última terça-feira (17), em todo o país. Em apenas 24 horas da medida, a polícia registrou 4.095 multas.

'Vocês não correm risco'

O ministro francês do Interior, Christophe Castaner, tentou minimizar a situação, em entrevista à rádio Europe 1, na última quinta-feira (19).

"Não estamos na mesma situação que os trabalhadores da saúde, que lidam diretamente com os doentes", afirmou.

Segundo o ministro, é "inútil e mesmo contraditório, em termos de saúde, utilizar uma máscara permanentemente na rua". Castaner tentou apaziguar a tensão dos policiais: "Quero passar uma mensagem de confiança e garantir: não, vocês não correm risco. O risco é principalmente utilizar máscaras de maneira incorreta e utilizá-las de maneira contínua".

O sindicato francês Unsa Police afirma que, durante as operações, a recomendação da distância de um metro é "impossível de ser cumprida".

A organização afirma que o uso de máscara neste tipo de operação deve ser "sistemática" e lançou um "ultimato" ao ministério francês do Interior: "Se a administração não der instrução, vamos recomendar que os policiais não realizem mais controles e verbalizações".

Mesmo posicionamento do lado do sindicato Alternative Police-CFDT, que ameaça "parar toda patrulha ou missão que necessite de um contato de proximidade", na ausência de equipamentos para a proteção dos policiais.

Policiais temem se tornar 'vetor de contaminação'

Além de temer a contaminação e a propagação em suas próprias famílias, os agentes das forças de segurança também consideram a possibilidade de contagiar os cidadãos abordados.

"O que ainda não foi pensado é que um funcionário da polícia pode ser vetor de transmissão quando ele entra em contato com uma pessoa durante o controle", adverte Thierry Clair, secretário nacional do sindicato Unsa-Police, em entrevista à FranceInfo.

Segundo sindicalistas, 90 policiais se contaminaram com o coronavírus desde que a doença chegou à França, no final de janeiro. Outros 5.000 agentes das forças de segurança estão isolados por suspeita de terem contraído o Covid-19.

Clair denuncia recomendações "absurdas" da parte do Ministério do Interior. "Um colega meu tinha apenas uma máscara em sua viatura. A ordem, se ele estivesse diante de pessoas que se declarassem positivas ao coronavírus, era de ligar para uma equipe de distribuição de material para pedir outras máscaras", afirma.

Em uma videoconferência com a Direção Geral da Polícia Nacional na quinta-feira, os sindicatos reiteraram seus pedidos de material de proteção.

Atualmente, 307 mil máscaras são disponibilizadas aos policiais para situações "de exceção".

Em um comunicado enviado a todos os agentes do setor na França, a questão da proibição de máscaras durante as abordagens foi revisada neste fim de semana.

Segundo o jornal Le Parisien, o diretor de Segurança Pública, Jean-Marie Salanova, indica que "sem que isso seja generalizado, quando as circunstâncias da ação da polícia exigirem, o uso de máscara é autorizado para preservar a integridade dos funcionários".

A mesma mensagem afirma que cada viatura deve contar com um kit de máscara e luvas.

O comunicado não indica, no entanto, como e onde os policiais podem ter acesso a esses equipamentos, diante da atual escassez de material de proteção.

No sábado (21), o ministro francês da Saúde, Olivier Verán, garantiu que uma "nova reflexão" sobre essa situação será realizada na próxima semana para "considerar uma extensão da distribuição de máscaras a outras profissionais que não sejam da área médica".

Para tentar acalmar a tensão na polícia, o ministério do Interior também anunciou que prevê repassar ao menos 2 milhões de máscaras e 1,5 milhão de litros de álcool gel às forças de segurança.

As autoridades não informaram, no entanto, quando essa medida será colocada em prática.

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