Coronavírus faz eleição em Israel ter ares de filme de ficção científica

Mais de 4.000 eleitores em quarentena votam em estações especiais

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Tel Aviv

No lugar de zonas eleitorais, tendas improvisadas ao ar livre. No lugar de mesários, agentes do serviço nacional de emergências médicas de Israel, cobertos dos pés à cabeça com trajes de isolamento biológico. Na fila, eleitores de documento na mão e máscaras brancas no rosto. 

Foi assim, com ares de filme de ficção científica, que mais de 4.000 israelenses votaram na última segunda-feira (2) durante o terceiro pleito do país em 11 meses. Eles estavam em quarentena doméstica como medida preventiva para conter a epidemia do novo coronavírus e foram separados dos demais eleitores para que votassem em estações especiais. 

Eleitores em quarentena votam em área separada e controlada por autoridades médicas em Tel Aviv
Eleitores em quarentena votam em área separada em Tel Aviv - Lalo de Almeida/Folhapress

O esquema foi montado às pressas pelas autoridades médicas e sanitárias de Israel para acalmar os ânimos de eleitores que consideravam deixar de votar para evitar um possível contágio em seus colégios eleitorais. 

O receio das autoridades de Israel era de que o medo do vírus atrapalhasse ainda mais o já encrencado recente processo eleitoral que paralisa a vida política do país.

“Eu exorto todo cidadão israelense a sair e votar nas eleições sem medo do coronavírus”, incentivou logo cedo o ministro da Saúde, Yaakov Litzman.

Ao menos 13 estações especiais de votação foram montadas ao longo do território nacional para receber os eleitores que retornaram de viagens a países como China, Itália, Tailândia, Coreia do Sul e Japão, onde a epidemia é mais intensa.

“Isso é ridículo”, esbravejou o contabilista Ami Ratmansky, 62. “Voltei de férias na Itália e só tive a quarentena decretada dois dias depois. Nesse meio tempo, circulei por supermercados, shoppings, teatros, tudo o que é lugar. Já pensou quantas pessoas eu poderia ter contaminado?”, questionou ele, que disse não ter sintomas da doença. “Se você quer isolar as pessoas, faça isso direito.”

Sua companheira de viagem, Zipi, disse na fila de votação, também com a voz abafada por uma máscara, que se sentia mal com a situação toda. “Essas medidas preventivas fizeram a gente ter medo das outras pessoas”, avaliou, enquanto recebia um jato de antisséptico nas mãos antes de colocar o par de luvas que recebera de um agente de saúde. “Meu filho já disse que só vou ver meus netos quando a quarentena acabar. Eu me sinto mal, mas entendo a atitude dele.”

Na fila, os eleitores em quarentena mascarados mantinham distância de dois metros uns dos outros, como sugerido pelo Ministério da Saúde. A reportagem da Folha, também de máscaras, seguiu o mesmo procedimento.

Incomodados com a segregação, os eleitores estavam irritados também com a demora do voto. “Viemos de manhã cedo e havia muita espera. Resolvemos voltar de tarde, mas ainda tem muita gente. Teremos de esperar duas horas para votar”, explicou uma garçonete de 22 anos que havia retornado de férias na Tailândia e que preferiu não revelar seu nome. “Pode pegar mal. Não quero ficar marcada por isso”, justificou com o rosto parcialmente coberto por uma máscara fornecida pelo governo. 

O brasileiro Ezequiel Nappil, 57, que vive em Israel desde 1978, disse não ter tido medo nem se sentido discriminado. “Votar é um direito meu e, ainda que seja opcional, é um processo do qual eu quero participar”, disse ele, na estação especial de votação montada em Kfar Saba, ao norte de Tel Aviv. 

Ali, a assistente social Sonia Gomes de Mesquita, 52, resolveu se voluntariar para o auxílio das equipes médicas na organização dos eleitores mascarados. “Se minha mãe soubesse que eu estou fazendo isso, ela ficaria muito muito brava comigo!”, ria ela, enquanto mantinha a mesma luva usada para conferir documentos para oferecer garrafas de água aos eleitores e à reportagem da Folha. Melhor não.

O diretor-geral do Ministério da Saúde, Itamar Grotto, coordenou boa parte das medidas de prevenção das eleições desde a sua própria quarentena doméstica. Ele esteve no Japão para auxiliar as equipes que lidavam com o surto de coronavírus no navio Diamond Princess, do qual ele resgatou uma cidadã israelense. Ao menos seis passageiros morreram por conta do vírus.

Em campo, o médico Arnon Afek, chefe do maior hospital do país, onde estão isolados nove pacientes diagnosticados com coronavírus, ajudou a implementar medidas para permitir o voto dos cidadãos israelenses em quarentena. “Somos uma democracia, precisamos garantir o direito ao voto dessas pessoas”, disse.

Entre o medo e a irritação, muitas pessoas resolveram explorar a situação com cara de filme de ficção científica para fazer selfies e postagens nas redes sociais. Sarit Cohen, 40, foi uma delas. E posou para uma foto com sua máscara logo depois de votar. “É uma situação esdrúxula. E resolvi registrar para compartilhar com amigos e parentes. Não é todo dia que você vai votar com uma máscara parecendo um bico de pato, e encontra todo mundo também assim.”

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