Diário de confinamento em Barcelona: 'Se não estamos no pico, estamos muito próximos'

Pacientes se amontoam em corredores, cadeiras de rodas e até no chão dos hospitais

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Barcelona

Dia #12 – Barcelona – Quarta, 25 de março. Cena: a orquídea de casa está dando flor.

Um policial passando em moto dá tchauzinho da rua vazia. Eu acho que é pra mim. Num gesto automático, aceno de volta da minha sacada, onde estou metida num cobertor falando com uma amiga por chamada de vídeo. Quantos tchauzinhos dará esse policial por dia?

A Espanha contabiliza até agora mais de 100 mil denúncias por desobediência ao decreto de alarme. Uma manhã pálida e fria em Barcelona.

"Tía, outro dia eu estava tomando café na janela e vi um casal de pombos se beijando. Se beijando, amiga!! Os p**** pássaros, livres! Que inveja", comenta minha amiga. A gente tem que rir. Ambas não vemos nossos digníssimos há quase duas semanas, desde que começou o confinamento domiciliar. Sair de casa, só para emergências.

Hoje, os hospitalizados em Madri, comunidade mais atingida pela epidemia, superaram o número de leitos de UTI disponíveis. Reportagens na tevê mostram corredores de hospitais transbordando de gente em macas, cadeiras de rodas ou no chão mesmo, enrolados em mantas improvisadas. Eu, que sou paciente de um câncer em remissão, me pergunto: e os outros que porventura também necessitem de cuidados intensivos?

Enquanto esperam os 432 milhões de euros (R$ 2,4 bilhões) anunciados pelo governo em materiais de proteção vindos da China, profissionais sanitários botam em ação seus dons DIY para minimizar a precariedade de recursos. Entre as improvisações mais comuns, uma proteção de rosto usando um plástico de folha A4 e elástico, toucas de banho no lugar de toucas sanitárias e batas feitas de sacos de lixo.

Ao mesmo tempo, muita gente, além de empresas grandes e pequenas, se mobiliza pra ajudar. Aparecem doações de grana, colchões, almofadas, lençóis; impressoras 3D a toda fabricando viseiras sanitárias e peças para respiradores low cost; monjas costurando máscaras em sua clausura; uma estilista criando umas máscaras super style de tecido estampado.

"Pensa só, a máscara dá até um ar sexy." Gente, perdoem. Conversa de zapzap. Eu(-tu-eles) sei que a coisa é séria. O que não me impede de imaginar um dia próximo em que estaremos seguindo influencers postando seus looks com uma hashtag #maskstyle.

Já vejo tudo: máscaras, o último objeto do desejo, e todas as “It Girls” exibindo distintos modelos com o logotipo de letrinhas da Louis Vuitton em combinação com luvas de látex de farmácia, pra criar um estilo high-and-low.

Do outro lado da (anti)fantasia, os dados são sombrios. Nesta quarta-feira, a Espanha ultrapassou a China em número de mortos: total de 3.434, sendo 738 nas últimas 24 horas. Com isso, o país se torna o segundo do mundo em mortes, atrás apenas da Itália.

A predição da curva de progressão dos contágios, refeita a cada dia, é cada vez mais radical. Governos regionais batem de frente com o central (ainda que qualquer semelhança com o imbróglio surreal que se passa em uma certa Outra Pátria Amada seja mero conto de criança).

O governo da Catalunha, segunda comunidade mais afetada do país, assim como outras regiões como Múrcia e Andaluzia, insiste na paralisação total de atividades, mais além do confinamento domiciliar decretado nacionalmente.

Em seu comunicado diário, Fernando Simón, do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, disse que "é difícil saber o momento exato" em que atingiremos o ponto de inflexão —isto é, quando a frequência dos casos começará a reduzir. Mas emendou: "Se não estamos já no pico, estamos muito próximos".

“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.


Leia a parte 1 do diário de confinamento em Barcelona: 'Não estamos de férias, mas em estado de alarme'

Leia a parte 2 do diário de confinamento em Barcelona: 'Teste, só para pacientes internados'

Leia a parte 3 do diário de confinamento em Barcelona: 'A vida vista de cima'

Leia a parte 4 do diário de confinamento em Barcelona: 'Panelaço contra o rei'

Leia a parte 5 do diário de confinamento em Barcelona: 'O perigo mora em casa'

Leia a parte 6 do diário de confinamento em Barcelona: 'Solidariedade em tempos de vírus'

Leia a parte 7 do diário de confinamento em Barcelona: 'O lado utópico da crise'

Leia a parte 8 do diário de confinamento em Barcelona: 'O canto dos pássaros urbanos'

Leia a parte 9 do diário de confinamento em Barcelona: 'Os de baixo ficam sem banquete'

Leia a parte 10 do diário de confinamento em Barcelona: 'Essa desproteção vai cobrar fatura'

Leia a parte 12 do diário de confinamento em Barcelona: 'Tensão cresce em diferentes setores'

Leia a parte 13 do diário de confinamento em Barcelona: 'Único tratamento agora é a disciplina'

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