Descrição de chapéu The New York Times

Fechamento da fronteira com México deixa imigrantes no limbo em Ciudad Juárez

Acesso foi bloqueado como medida de combate ao coronavírus

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Azam Ahmed Miriam Jordan Kirk Semple
Ciudad Juárez (México) | The New York Times

Tania Bonilla chegou a esta cidade mexicana de fronteira na quarta-feira (18), decidida a pedir asilo nos Estados Unidos.

Com seu filho de 1 ano nos braços, ela havia superado inúmeras dificuldades –escapando da sentença de morte decretada por uma gangue hondurenha em seu país, da deportação pelas autoridades mexicanas na fronteira sul e de uma tentativa de sequestro por traficantes de pessoas durante o percurso.

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Tania Bonilla, migrante hondurenha, com o filho em Ciudad Juarez - Daniel Berehulak/The New York Times

Mas, agora, com a ponte internacional que liga Ciudad Juárez aos Estados Unidos à vista, um problema novo e muito mais sério surgiu em seu caminho: o coronavírus.

Em resposta à propagação acelerada do vírus, que já fez mais de 17 mil mortos pelo mundo, o governo americano anunciou na sexta-feira (20) que, além de fechar a fronteira mexicana ao tráfego não essencial, vai fechar o acesso a qualquer pessoa que tente pedir asilo na fronteira.

Na prática, os EUA vão deportar qualquer pessoa flagrada atravessando pelos postos oficiais de entrada no país, inclusive pessoas que esperam entregar-se às autoridades americanas, negando-lhes acesso ao asilo e potencialmente enviando-as de volta a lugares onde correrão risco de vida.

O México concordou não apenas aceitar mexicanos devolvidos pelos termos dessa política, mas admitiu no sábado que vai receber de volta a maioria dos centro-americanos também, potencialmente acrescentando milhares de pessoas aos contingentes cada vez maiores de migrantes espalhados ao longo da fronteira.

A decisão da administração Trump também vai acabar, pelo menos por enquanto, com as esperanças dos candidatos a asilo que querem entrar nos Estados Unidos legalmente nos postos de travessia oficiais.

Isso inclui milhares que vêm aguardando, em alguns casos há meses, a chance de se apresentarem.

Analistas afirmam que esta é a primeira vez desde a criação do sistema atual, 40 anos atrás, que os EUA fecharam o acesso a seu programa de asilo na fronteira.

É um sinal do medo profundo que levou o presidente a fechar as fronteiras norte e sul do país ao tráfego não essencial.

Mas outros enxergam em tudo isso uma tentativa de aproveitar a pandemia global como pretexto para bloquear sumariamente o acesso de migrantes vindos do sul ao sistema de asilo nos Estados Unidos.

“Acho que quando temos uma crise destas proporções, é possível se safar de muitas coisas. E acho que pode ser isso o que estão fazendo aqui”, comentou Sarah Pierce, analista do Instituto de Política de Migração, em Washington.

Para alguns migrantes, a medida pareceu existencial, como se o pouco de esperança que ainda lhes restava tivesse sido roubado por um vírus que está muito mais presente nos Estados Unidos que em seus países de origem.

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Acampamento de migrantes em Matamoros, no México - Alyssa Schukar/The New York Times

“Não sei o que vou fazer agora”, disse Tania Bonilla, 22, sentada sobre um bloco de concreto diante do escritório de migrantes de Chihuahua. Seu filho brincava com outras crianças cujos pais também estão fugindo da violência. “A única coisa que não posso mesmo fazer é voltar.”

São igualmente preocupantes as implicações da medida dos EUA na região da fronteira, especialmente em termos de saúde, com comunidades de candidatos a asilo já sofrendo devido à superlotação e às más condições sanitárias.

No sábado, o governo mexicano estava incentivando as pessoas a abandonarem um grande campo de migrantes na cidade fronteiriça de Matamoros, onde cerca de 2.000 pessoas vivem em barracas num terreno enlameado ao lado da ponte internacional.

Pelo menos 150 migrantes embarcaram em ônibus no campo no sábado e foram levados embora, mas não ficou claro se isso teve alguma relação com o coronavírus.

Nos últimos meses o governo tem, de vez em quando, oferecido transporte de ônibus para migrantes que queiram deixar o norte do México e retornar à América Central.

As autoridades mexicanas disseram que os ônibus usados no sábado foram fornecidos pelo governo, atendendo a pedidos de migrantes que estavam vivendo no acampamento.

A decisão tomada na sexta-feira (20) pela administração Trump de fechar a fronteira para evitar a potencial propagação maior do coronavírus parece não fazer sentido, em vista dos padrões de transmissão.

Helen Perry, diretora executiva da ONG Global Responses Management, que mantém uma clínica no acampamento de migrantes em Matamoros, disse que o vírus não foi transmitido entre a população migrante até agora e nenhum dos residentes no acampamento parecem ter sintomas da doença.

Profissionais de saúde tampouco informaram qualquer caso de Covid-19 em Tijuana e em Ciudad Juárez.

Enquanto isso, o número de casos confirmados nos Estados Unidos supera de longe a soma de todos os da América Latina e do Caribe.

Especialistas dizem que o cenário mais provável é que alguém vindo dos Estados Unidos leve o vírus para as comunidades de migrantes ao sul da fronteira, espalhando a devastação entre as populações já vulneráveis.

Em uma reunião na semana passada em Ciudad Juárez, diretores de abrigos discutiram estratégias para proteger suas populações contra o vírus. Entre as medidas mais óbvias citadas estavam o aumento do uso de álcool em gel para as mãos, máscaras faciais e triagem.

Na Casa del Migrante, o maior e mais antigo abrigo de migrantes em Ciudad Juárez, os recém-chegados serão alojados em um local separado por pelo menos 15 dias depois de chegarem.

Mas mesmo eles não têm como seguir as práticas de prevenção recomendadas.

“Sugerem que deixemos pelo menos um metro de espaço entre as camas”, disse uma administradora do abrigo, Blanca Rivera. “Mas não dispomos desse espaço.”

A irmã Adelia Contini, diretora do abrigo Instituto Madre Asunta, em Tijuana, disse que tem 70 migrantes abrigados em um centro com apenas 45 leitos.

No acampamento de Matamoros, os migrantes tomam banho e lavam suas roupas no Rio Grande.

Famílias de quatro ou cinco pessoas ocupam barracas feitas para duas. Alguns migrantes já estão enfraquecidos por problemas respiratórios e gastrointestinais.

A superlotação, falta de higiene e escassez de remédios e materiais médicos praticamente garantem que, quando o vírus atacar, vai se propagar de maneira veloz e brutal.

“Estamos preparando a comunidade para o inevitável”, disse a enfermeira Andrea Leiner, diretora de planejamento estratégico da Global Response.

Para se preparar, a entidade vem distribuindo vitamina D e zinco, numa tentativa de fortalecer o sistema imunológico dos migrantes.

Estes estão sendo orientados a posicionar suas barracas a uma distância de pelo menos dois metros uma da outra e abrir as abas de ventilação para permitir a entrada de ar fresco.

Enquanto muitos culpam os Estados Unidos pelas condições já difíceis ao longo da fronteira, a responsabilidade pela superlotação não cabe apenas aos EUA.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, é criticado por ter cedido à vontade dos EUA de maneiras antes impensáveis para um líder de esquerda, especialmente alguém que prometera proteger os direitos dos migrantes.

Seu consentimento público ajudou a deixar os abrigos superlotados, sobrecarregar os governos locais e estaduais, esgotar os recursos das organizações humanitárias e testar ao limite a boa vontade da população local.

Mas o presidente praticamente não pagou nenhum custo político por isso.

Seus índices de aprovação continuam altos entre os mexicanos, que parecem ter prestado pouca atenção à sua política migratória. Seu governo tem deixado claro que sua política consiste em manter as boas relações com a administração Trump.

Para Tania Bonilla, essa política é um contraponto arrasador à esperança que a levou a percorrer centenas de quilômetros em busca de uma vida melhor.

Mesmo em outubro passado, quando milhares de migrantes estavam sendo mandados de volta ao México, seu companheiro havia conseguido chegar aos Estados Unidos com a filha deles. Estava vivendo e trabalhando na Flórida.

Bonilla não planejava ir ao encontro dele tão cedo, mas em fevereiro membros de gangues hondurenhas começaram a extorqui-la. Ela havia aberto um pequeno negócio de venda de café. Os criminosos queriam que ela lhes pagasse US$ 400, uma relativa fortuna.

Ela se recusou e prestou queixa à polícia. Cinco dias mais tarde, quando a gangue descobriu, os bandidos ameaçaram matar seu filho diante dela.

Uma hora mais tarde ela fugiu com seu filho, levando apenas os documentos dos dois, suas economias parcas e um telefone celular. Desde então, ela teve seu pedido de asilo no México recusado, foi deportada e, quando finalmente chegou a Ciudad Juárez, assaltada.

Em menos de uma semana Bonilla entendeu o fardo dos migrantes: a persistência diante de reveses cruéis e da incerteza absoluta. Isso parece mais claro que nunca agora, enquanto ela aguarda a nova política entrar em vigor.

“Sofremos tanto na estrada para tentar chegar até aqui, para pedir asilo”, disse ela, agarrando seu filho que tentava sair correndo. “Depois disso tudo, receber essa notícia é simplesmente devastador.”

“Neste momento, não sei o que vou fazer. Como eu falei, não posso voltar. Essa é a única coisa que não posso mesmo fazer.”

Tradução de Clara Allain

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