Fronteiras fechadas na Europa geram caos e congestionamentos de 30 horas

Caminhões com suprimentos ficam presos em estradas, e cidadãos não conseguem voltar a seus países

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Benjamin Novak Melissa Eddy
Budapeste | The New York Times

A decisão tomada por líderes europeus de combater a expansão do coronavírus com o fechamento de fronteiras terrestres abertas 25 anos atrás deixou motoristas enfurecidos, mercadorias paradas e congestionamentos de quilômetros de extensão no coração de um continente acostumado a deixar seus residentes se deslocarem entre um país e outro sem verificações de documentos.

A promessa de que o transporte de mercadorias não seria interrompido pelas medidas parecia estar sendo gravemente descumprida na quarta-feira (18), especialmente na Hungria, país sem saída para o mar que de uma hora para outra virou um gargalo na Europa.

Caminhões presos em fila na rodovia A4, na Alemanha, perto da fronteira com a Polônia - Jens Schlueter/AFP

Na segunda-feira (16), o primeiro-ministro Viktor Orbán cumpriu sua promessa de fechar as fronteiras do país a todos os estrangeiros, deixando viajantes por terra parados e furiosos.

Depois de muitas companhias aéreas internacionais cancelarem voos, e os Estados Unidos terem proibido a entrada de passageiros da maior parte da Europa, os planos deram lugar a confusão, e os aeroportos viraram cenários de pânico e confusão.

Um cenário semelhante vem ocorrendo há dias nas rodovias europeias, mas em escala maior.

Num esforço para pressionar as autoridades a abrir o principal ponto de travessia da fronteira austro-húngara, búlgaros, romenos, sérvios e ucranianos de ambos os lados da fronteira saíram de seus carros e se sentaram sobre a via principal, impedindo a passagem de veículos em qualquer direção.

Os caminhões de transporte de mercadorias entre países como Polônia e Alemanha enfrentavam esperas de 30 horas. Eslovacos que trabalham na Hungria não sabem quando poderão voltar para casa, devido aos congestionamentos na fronteira húngaro-eslovaca.

“Não nos mexemos um metro sequer desde as 8h”, disse o caminhoneiro húngaro Janos Fenyvesi, 68, que estava sentado no congestionamento do lado austríaco da fronteira desde a tarde de terça-feira.

Ele transportava mercadorias da Suíça para Nyiregyhaza, no leste da Hungria, quando sua viagem foi interrompida abruptamente a 25 km da fronteira entre a Áustria e a Hungria.

“Não entendo por que a polícia austríaca não tirou essa gente da pista”, reclamou Fenyvesi, dizendo que um trajeto que ele normalmente cobriria em dois a três dias agora pode levar o dobro do tempo.

“Esses romenos não estão respeitando as leis da Áustria.”

A livre circulação de mercadorias e pessoas é um princípio fundamental da União Europeia, e uma semana atrás vários países, incluindo a Alemanha, ironizaram a decisão do presidente Donald Trump de fechar as fronteiras dos EUA à maior parte dos viajantes da Europa.

Mas, diante da escalada mundial dos casos de coronavírus, que até quarta-feira já haviam passado de 200 mil, alguns dos 26 países que integram o Acordo de Schengen, que define a Europa sem fronteiras internas, começaram a erguer controles e a barrar a passagem de não residentes e outros que não podiam comprovar a necessidade de entrar nesses países.

Orban, que retrata a Hungria como o histórico baluarte protetor da civilização cristã europeia, há muito tempo adota linha especialmente dura contra candidatos a asilo, reprimindo migrantes e, em 2015, fechando a fronteira sul de seu país com a Sérvia e a Croácia.

Desde o início da epidemia de coronavírus na Europa, o líder húngaro e seus aliados vêm aproveitando a presença da enfermidade no continente para atribuí-la à migração.

E a Hungria limitou o acesso dos candidatos a asilo às zonas de trânsito ao longo de sua fronteira sul.

Mas ao meio-dia da quarta-feira a estratégia dos manifestantes parecia ter surtido efeito. Karl Nehammer, o ministro austríaco do Interior, que desde a terça-feira estava em consultas com seu colega húngaro para buscar uma solução, anunciou que a Hungria reabrira sua fronteira, num esforço para reduzir o congestionamento.

“Os cidadãos da UE precisam poder retornar a seus países. Precisamos assegurar o fluxo do tráfego a leste de Viena”, disse Nehammer.

As autoridades húngaras aconselharam seus próprios cidadãos a utilizar outros postos de travessia da fronteira. E na noite de terça para quarta-feira abriram o que descreveram como um “corredor humanitário” para permitir a passagem pela Hungria de romenos a caminho de seu próprio país.

A iniciativa, porém, não ajudou muito a reduzir o congestionamento.

O caos provocado pelo fechamento de fronteiras internas na Europa teve efeitos subsequentes, maiores ou menores, em todo o continente.

Imagens transmitidas do lado austríaco da fronteira na manhã da quarta-feira mostravam dezenas de pessoas sentadas ou em pé ao lado das barreiras de concreto que dividem as pistas da rodovia, que parecia um enorme estacionamento.

Na Áustria, a polícia informou que a fila de veículos se estendia por mais de 30 km na direção de Viena, dificultando a circulação de veículos no país.

A Eslováquia, vizinha da Hungria ao norte, também informou que os congestionamentos de seu lado da fronteira se estendem por quilômetros, levando a preocupações sobre se o país vai conseguir manter o fornecimento de produtos essenciais.

A Eslováquia importa mais de 50% dos alimentos consumidos no país.

“Estamos muito preocupados não apenas com nossa própria situação, mas com o trabalho de todos os fornecedores que mantêm este país funcionando”, disse a jornalistas na terça-feira o presidente da aliança de caminhoneiros, Pavol Jankovic.

A polícia eslovaca informou que está tentando tirar caminhões transportando animais vivos, alimentos e remédios do congestionamento em volta da capital, Bratislava, situada perto da fronteira com a Áustria, para ajudá-los a atravessar a fronteira em menos tempo.

O congestionamento também está paralisando as viagens entre Alemanha e Polônia, onde as autoridades avisaram que, depois de o governo polonês ter fechado as fronteiras nacionais, no domingo, os caminhões enfrentam esperas de quatro a 30 horas.

A iniciativa paralisou o tráfego em todas as três principais rodovias que interligam a Alemanha e a Polônia, revelou Katharina Burkardt, porta-voz do Ministério do Trânsito no Estado alemão de Brandemburgo.

Mais tarde na quarta-feira as autoridades polonesas concordaram em abrir mais quatro postos de fronteira à passagem de veículos, num esforço para aliviar o congestionamento e permitir a passagem de caminhões de carga.

Na Espanha, onde o fechamento de fronteiras entrou em vigor à meia-noite da segunda-feira, não houve confusão desse tipo, e os caminhões vêm atravessando normalmente, disse José Ángel González, diretor da polícia nacional, em entrevista coletiva na quarta-feira.

Ele disse que a polícia checou cerca de 1.550 veículos e deteve duas pessoas: uma por desobedecer as regras e outra, um motorista contra quem havia um mandado de prisão.

Tradução de Clara Allain 

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