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Isolados no Peru por coronavírus, brasileiros reclamam de falta de apoio do Itamaraty

Turistas não podem sair por via aérea nem terrestre por ao menos 15 dias; Brasil diz prestar assistência

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São Paulo

Pegos de surpresa com o fechamento súbito das fronteiras e a proibição de voos internacionais, turistas brasileiros no Peru estão sem opção de transporte para voltar, retidos em cidades com comércios e hotéis fechados e preços nas alturas e com a orientação de não saírem às ruas por ao menos 15 dias.

Ao tentarem remarcar seus voos, dizem ter sido impedidos de entrar nos aeroportos ou retirados de lá pelo Exército. Eles afirmam não estar recebendo apoio da embaixada e dos consulados do Brasil e criaram a hashtag #repatriabrasileirosperu para comentar nas redes sociais do ministério das Relações Exteriores.

O Itamaraty, por sua vez, diz que está dando apoio aos brasileiros e vendo com o governo peruano uma forma de ajudá-los a retornar. Segundo o órgão, atualmente há 3.770 turistas do país em território peruano.

O Peru registrou até agora 86 casos confirmados de coronavírus. Na noite de domingo (15), o presidente Martín Vizcarra decretou estado de emergência nacional para evitar a propagação da doença.

A medida teve aplicação quase imediata: estrangeiros e locais têm que obedecer a uma quarentena obrigatória, museus e restaurantes já não podem funcionar e o transporte internacional e doméstico está suspenso a partir das 23h59 desta segunda (16).

Já pela manhã, no entanto, o aeroporto de Cusco, cidade com grande concentração de turistas, estava fechado.

Um grupo de brasileiros acordou cedo para ir até o local e tentar adiantar seus voos. Não havia opções disponíveis, e a loja de uma das companhias, a Latam, estava fechada.

Pela internet, a única passagem, da Avianca, custava R$ 9.000 o trecho. Mesmo quem quisesse comprar não conseguiria: logo depois, o voo desapareceu da lista.

Até a publicação deste texto, a Avianca não havia comentado.

Militares patrulham o distrito turístico de Miraflores, em Lima
Militares patrulham o distrito turístico de Miraflores, em Lima - Mariana Bazo/Xinhua

Na volta, não conseguiram fazer novo check-in no hotel onde estavam hospedados: o estabelecimento estava fechando porque os funcionários não iriam mais trabalhar. Depois de percorrerem vários outros hotéis, quase todos fechados ou com preços nas alturas, conseguiram uma opção.

“Nos disseram que iam tentar alguma camareira que pudesse vir nos atender. Uma delas se dispôs a ir”, conta o vendedor Facundo Lucero, 39, que mora em São Paulo e está em Cusco com a esposa.

O preço da diária era 100 soles (o equivalente a R$ 143), bem mais do que os 68 soles (R$ 97) que tinham pagado no hotel onde estavam antes. “Era do lado, igualzinho, três estrelas e sem elevador. Tinha hostel cobrando 100 [soles] pelo quarto compartilhado.”

O valor da van que os levou até o aeroporto quase triplicou: na ida, antes de tudo acontecer, haviam pagado 30 soles. Na volta, 80.

Do lado de fora do aeroporto, pessoas ofereciam serviço de ônibus até a fronteira. Custava mais de R$ 7.000 a passagem para o Acre, por exemplo.

“Não aceitamos porque pode ser que a gente chegue no meio do caminho, e a polícia não nos deixe seguir”, diz Facundo. “Estamos presos e só com o café da manhã do hotel, porque os demais lugares estão fechados.”

Também hospedado no hotel de Facundo, o bancário Kayo Correa, 28, conheceu ele e outros brasileiros e se uniu a eles para tentar resolver a situação. Morador de São Paulo, ele foi passar férias de uma semana no país e tinha voo de volta previsto para esta terça, mas não conseguiu remarcá-lo.

“Somos nove brasileiros no hotel. A cidade está um pandemônio, e fomos pegos totalmente de surpresa. Estou com zero recursos, usando o cartão de crédito já.”

Brasileiros foram à embaixada do país em Lima buscar informações após as fronteiras serem fechadas
Brasileiros foram à embaixada do país em Lima buscar informações após as fronteiras serem fechadas por coronavírus - Ederson Luz Oliveira/Arquivo pessoal

Kayo afirma que não conseguiu apoio de sua companhia aérea, a Latam, e do consulado brasileiro na cidade. “O Itamaraty falou que temos que entrar em contato com a empresa de transporte aéreo, que teria que dar uma solução. Mas eles também não respondem.”

Na capital, Lima, um grupo de 15 brasileiros foi até a porta da embaixada buscar informações. Dizem não ter sido recebidos. “Os seguranças não deixaram a gente entrar. Ninguém nem pegou nosso telefone, serviu um copo d'água, perguntou onde iríamos dormir, se tínhamos o que comer”, diz o administrador de empresas Ederson Luz Oliveira, 33.

Pouco antes, uma funcionária afixou um comunicado informando um número de telefone de contato. "Todos ligamos mais de cem vezes. Ninguém foi atendido. Já avisaram também que não haverá expediente amanhã."

Ele afirma ter passado o dia no aeroporto, sem conseguir voo de volta, até que, à tarde, soldados retiraram de lá todos os que não tinham passagem para o mesmo dia.

“O Exército está passando nas ruas mandando todos voltarem para suas casas e hotéis. Não temos recursos para ficar em Lima, nem turismo dá para fazer, porque a cidade está com toque de recolher”, diz Ederson.

Questionado pela Folha, o Itamaraty afirma que está “prestando todo o apoio possível aos nacionais brasileiros” e em contato com o governo peruano e empresas de transporte para viabilizar o retorno dos turistas.

“Tendo em vista tratar-se de uma crise global, recomenda-se ao cidadão brasileiro obedecer estritamente às orientações das autoridades do país onde se encontram”, complementou.

Em nota, a Latam informou que os passageiros com voos internacionais ou nacionais a partir desta segunda (16) podem reagendar gratuitamente seu voo até 31 de dezembro de 2020.

“O Grupo Latam informou que seus diversos canais de atendimento ao cliente estão recebendo um grande número de consultas e solicitações, dificultando a atenção adequada a todos os pedidos. Para focar a atenção nos passageiros com pedidos urgentes, a Latam solicita que as pessoas evitem ligar antes de 72 horas de sua viagem.”

Sobre o caso específico do Peru, afirmou que os clientes terão que aguardar "a evolução das recomendações das autoridades competentes".

Também retido em Lima, o engenheiro de software Jhonatan Souza, 25, criou um grupo no WhatsApp para reunir brasileiros que estão na mesma situação que ele. Até a publicação desta reportagem, eram 38 membros, a maioria deles em Cusco.

Jhonatan conseguiu comprar uma nova passagem de volta para o Brasil em um voo que sairia nesta tarde, por R$ 7.000. O voo, porém, foi cancelado.

Ele também diz ter recebido apenas “uma resposta vaga” do Itamaraty sobre seu caso.

Sua sorte, afirma, é que está em uma hospedagem da plataforma Airbnb, que se dispôs a cobrir o preço do restante da estadia não planejada.

“Mas o preço dos alimentos está subindo, os supermercados estão com muita fila. O câmbio também está subindo.”

Ele tentou passagem de ônibus para o Uruguai, Bolívia, Acre, mas não encontrou, mesmo se dispondo a pagar mais caro. Para Jhonatan, o problema foi o governo peruano não ter dado um prazo para o isolamento começar.

“É verão, a cidade está cheia de turistas do mundo inteiro. Poderiam ter suspendido as chegadas ao país, deixando os estrangeiros saírem. Mas nos prenderam aqui.”

As medidas mais duras anunciadas pelo Peru neste domingo levaram ao fechamento do posto de fronteira por onde passa a estrada bioceânica, informou à Folha o prefeito de Assis Brasil (360 km de Rio Branco), Antônio Barbosa de Souza (PSDB).

Apenas caminhões de carga e moradores da região fronteiriça podem passar.

Souza afirma que turistas estão sendo impedidos de voltar ao Brasil e de ingressar no Peru, via cidade de Iñapari. O controle, diz, é feito por meio de entrevista no posto fronteiriço.

Assis Brasil tem cerca de 7.500 habitantes. De acordo com o prefeito, os brasileiros costumam ir ao Peru para comprar hortifrutigranjeiros, enquanto os peruanos adquirem carne e outros produtos alimentícios do lado brasileiro.

O fechamento antecipou o decreto da Presidência peruana, segundo o qual a fronteira só fecharia às 23h59 desta segunda.

A rota é bastante usada por turistas brasileiros que visitam Machu Picchu, cidade pré-colombiana na região de Cusco.

O Corredor Bioceânico faz a ligação rodoviária entre os oceanos Pacífico e Atlântico. De Assis Brasil até Santos (SP), são 3.800 km. Já o porto de Ilo, no Pacífico peruano, está a 1.200 km a linha fronteiriça.

Colaboraram Mariana Carneiro e Fabiano Maisonnave

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