Israel vota pela 3ª vez em menos de 1 ano com chance de realizar 4º pleito

Netanyahu obtém leve vantagem nas pesquisas em meio a cenário marcado por impasses

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Tel Aviv

“Preciso levar meu RG ou o mesário vai se lembrar de mim?” 

A piada que circula em redes sociais em Israel ajuda a entender a estranheza do impasse político no país às vésperas da terceira eleição parlamentar em menos de um ano. 

O desânimo dos eleitores, que foram às urnas em 9 de abril e 17 de setembro de 2019 e chamados a votar outra vez na próxima segunda-feira (2), é tangível. 

Funcionário ajeita outdoor em Jerusalém do premiê Binyamin Netanyahu 
Funcionário ajeita outdoor em Jerusalém do premiê Binyamin Netanyahu  -  Ahmad Gharabli/AFP

Afinal, o déjà-vu faz com que ninguém descarte a possibilidade de que, em alguns meses, sejam chamados a comparecer pela quarta vez diante dos mesários. 

Os possíveis cenários são analisados repetidamente por analistas e jornalistas. Mas os 6,4 milhões de eleitores parecem incrédulos diante do quebra-cabeça da política local, subdividida em nichos no sistema parlamentarista de 120 representantes no Knesset, o Parlamento em Jerusalém. 

Segundo pesquisa do Instituto de Democracia de Israel, 30% dos israelenses afirmam acreditar que um novo pleito será inevitável. 

Como nas duas votações anteriores, as pesquisas eleitorais indicam empate técnico entre o partido direitista Likud (união, em hebraico), do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, e o centro-esquerdista Azul e Branco, do ex-chefe do Exército Benny Gantz —ambos conquistariam entre 33 e 35 cadeiras no Knesset, longe dos 61 necessários para formar um governo. 

Nos últimos dias, no entanto, as pesquisas têm apontado um panorama favorável para Netanyahu, que acirrou sua campanha, com vídeos ao vivo em redes sociais e telefonemas diretos a eleitores. 

Algumas enquetes dão ao Likud uma ou duas cadeiras a mais do que ao Azul e Branco.

E mais importante: o bloco de partidos de direita conseguiria de 57 a 59 cadeiras —quase o número mágico de 61. Mas como todas as pesquisas têm margem de erro de quatro pontos, o cenário segue indefinido. 

Os marqueteiros dos partidos buscam até a última hora obter vantagens reais para os candidatos. 

O Likud, por exemplo, tenta se aproveitar do anúncio do plano de paz do presidente americano, Donald Trump, que daria sinal verde para Israel anexar assentamentos na Cisjordânia, algo que agrada o eleitorado do partido. 

Outro aspecto que a legenda de Netanyahu explora é a divulgação de que a empresa em que Gantz trabalhou, a Fifth Dimension, será investigada por participar de contratos impróprios. 

O ex-chefe do Exército israelense, por sua vez, tenta convencer os apoiadores de Netanyahu a abandonarem o premiê, no poder há 11 anos consecutivos (14, se somados três anos em que governou o país durante a década de 1990).

Indiciado por suborno, fraude e quebra de confiança, Bibi, como o primeiro-ministro é conhecido, enfrenta um julgamento a partir de 17 de março e, até agora, não conseguiu obter a imunidade parlamentar

Caso consiga maioria no Knesset e, assim, mantenha-se como premiê, Netanyahu poderia pedir imunidade outra vez ao Parlamento com a perspectiva de que, desta vez, a solicitação seria atendida.

Em janeiro, Bibi retirou o pedido uma hora antes da sessão para debater o assunto. Pouco depois, foi indiciado formalmente pela Procuradoria.

Por enquanto, a única novidade parece ser, na verdade, o pânico sobre uma epidemia de coronavírus no país, que até a noite de sexta-feira (28) tinha quase 4.500 pessoas em quarentena depois que sete casos foram identificados. 

Segundo pesquisa do Canal 12, 7% das pessoas afirmam que podem não votar devido ao surto do vírus. 
Como a disputa final pelo controle do Knesset se dará entre coalizões, tanto o Likud quanto o Azul e Branco dependem dos resultados gerais para realizar as alianças após o pleito. 

O fiel da balança será, novamente, o ex-ministro da Defesa e ex-chanceler Avigdor Lieberman, líder do partido Israel Beitenu (Israel Nossa Casa). Ele deve conquistar entre seis e setes cobiçadas cadeiras, mas, como das duas vezes anteriores, não se comprometeu nem com direitistas nem com esquerdistas. 

Lieberman até se identifica com a direita quando se trata de diplomacia e relacionamento com os palestinos. Mas está mais próximo da esquerda progressista sobre a separação entre religião e Estado. 

O cenário mais racional seria um governo de união nacional entre Likud e Azul e Branco, com algo como 70 cadeiras, ampla maioria do Parlamento e um rodízio de Gantz e Netanyahu no poder. Lieberman poderia se unir a essa aliança. 

Mas, depois de duas votações, tanto Gantz quanto Lieberman descartam um acordo com Netanyahu por causa do indiciamento do premiê —eles se dizem abertos a uma aliança com o Likud, desde que sob nova liderança. 

O impasse então parece intransponível. Mas, para o professor Jonathan Rynhold, do Centro de Estudos Estratégicos Begin-Sadat (BESA), é possível que, desta vez, aconteçam surpresas. 

Segundo ele, o Likud, diante do cenário de mais uma eleição, pode descartar Netanyahu e escolher um novo líder, abrindo caminho para o cenário de união nacional. 

Seria uma revolução em um partido conhecido por ser fiel a seus líderes. Se isso acontecer, os partidos religiosos podem se unir a um governo com Gantz à frente. 

“Os ultraortodoxos e suas instituições estão ficando sem dinheiro por causa da ausência de um orçamento nacional depois de um ano de governos interinos. Eles também querem evitar uma quarta eleição”, diz Rynhold. 

O professor lembra que há precedentes na política nacional, com partidos rivais apoiando alianças improváveis. “Israel sempre foi uma sociedade profundamente dividida politicamente. Como ninguém consegue maioria, as concessões são apenas uma questão de preço. Todos reclamarão, mas pelo menos teremos um governo.” 

O professor, no entanto, admite que Netanyahu, 70, pode tirar um coelho da cartola. Desde que começou a ser investigado por corrupção, ele luta para se manter no cargo, nem que seja interinamente. 

“Trata-se do político mais habilidoso da história de Israel. Se ele encontrar alguma chance de ficar no poder, pode conseguir.” 

Apesar do recente panorama favorável a Netanyahu, a matemática ainda não fecha para o Likud. Ainda que consiga 35 cadeiras, precisaria de outras 26 para governar. 

Sem uma coalizão com o Azul e Branco, teria apenas ajuda dos partidos religiosos (Shas, de ultraortodoxos sefarditas, e Judaísmo da Torá, dos asquenazes), que devem obter entre 14 e 15 assentos, e dos ultranacionalistas do partido Yemina (à direita, em hebraico), com outros sete. 

Faltariam ainda algumas cadeiras. Gantz, por sua vez, contaria com cerca de oito ou nove assentos da coligação de esquerda Avodá-Gesher-Meretz, formada pela união do Partido Trabalhista (Avodá), do Gesher (Ponte) e do Meretz (Vigor). 

Mas, para chegar aos 61 necessários, teria que atrair o apoio de Lieberman e da Lista Unida, união de quatro partidos árabes, que representam os 20% de árabes cidadãos de Israel

Essas legendas, que podem conseguir de 13 a 15 cadeiras, porém, nunca apoiaram governo algum desde a criação do Estado de Israel, em 1948. 

Nada indica que mudariam agora ou que o próprio Gantz queira o apoio deles, principalmente depois que líderes da coligação —que se diz antissionista— criticaram abertamente as Forças Armadas do país, instituição consenso entre a maioria judaica. 

Analistas apontam para a possibilidade teórica de que a Lista Unida apoie o premiê escolhido informalmente, votando em favor do governo sem fazer parte dele. 

Seria um arranjo complicado, e, atualmente, improvável. “Não vamos nos apoiar nos árabes nem contar com eles de fora”, afirmou Gantz alguns dias antes do pleito, na tentativa de atrair eleitores de centro-direita. 

Em meio a tudo isso, outras questões acabam perdendo força. Uma delas é a diminuição da representação de mulheres e de minorias no Knesset. 

Entre os 150 candidatos dos maiores partidos que concorrem aos 120 assentos, apenas dois são da minoria de judeus etíopes no país (1,3%), 18 da minoria árabe-israelense (12%) e só 33 são mulheres (22%). 

No caso da falta de representação feminina, um grupo de mulheres criou a legenda Voz das Mulheres, que dificilmente terá chances de ultrapassar o número mínimo de votos para eleger parlamentares (3,25% da votação), mas espera ao menos colocar a questão em pauta. 

“A representação das mulheres diminui de pleito em pleito. O assunto é empurrado para as margens. Todos dizem que é preciso ter mais mulheres no Knesset, mas ninguém faz nada. Decidimos fazer algo”, diz Mazal Shaul, presidente do partido.

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