Japão vive temor de explosão no número de casos de coronavírus

País surpreendeu com números baixos, mas agora autoridades temem aumento de infectados

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Motoko Rich Hisako Ueno
Tóquio | The New York Times

O Japão havia tido apenas algumas dezenas de infecções por coronavírus confirmadas quando uma enfermeira na casa dos 30 anos, com leve dor de garganta, embarcou num ônibus para Osaka, a terceira maior cidade do país, para assistir a um show de bandas pop num clube de música no fim de semana do Dia dos Namorados.

Menos de duas semanas depois ela apresentou resultado positivo no teste para a doença, e as autoridades prontamente alertaram outras pessoas que tinham estado no local.

À medida que outros casos de infecção emergiram de três outros espaços musicais da cidade, o governo aplicou testes nas pessoas que foram às apresentações e nos seus contatos mais próximos e pediram a outras que permanecessem em casa.

Ao todo 106 casos de coronavírus foram vinculados aos clubes de música, e nove pessoas continuam hospitalizadas.

Homem caminha por rua quase vazia em Tóquio
Homem caminha por rua quase vazia em Tóquio - Issei Kato/Reuters

Mas, menos de um mês depois do teste positivo da enfermeira, o governador de Osaka declarou que o surto havia terminado.

Desde que foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 no Japão, em meados de janeiro, as autoridades de saúde vêm tranquilizando a população, dizendo que agiram prontamente para impedir que o vírus saísse de controle.

Ao mesmo tempo, porém, o caso do Japão deixou epidemiologistas perplexos, já que o país evitou situações tenebrosas como a que está sendo vista na Itália e em Nova York, sem impor restrições rígidas à circulação de pessoas, confinametos duros economicamente devastadores ou mesmo a aplicação de testes em grande número.

Alguma luz pode ser lançada sobre o enigma agora. Na quinta-feira (26) o ministro da Saúde japonês, Katsunobu Kato, disse que informou o primeiro-ministro, Shinzo Abe, de evidências de que o Japão agora corre risco grave de uma propagação acelerada do vírus.

Na noite de quarta-feira (25), um dia apenas depois de o Japão e o Comitê Olímpico Internacional terem concordado em adiar as Olimpíadas de Tóquio por um ano devido à pandemia, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, avisou os cidadãos que a grande cidade, com quase 14 milhões de habitantes, encontra-se numa “fase crítica que antecede uma possível explosão de infecções”.

Com o retorno de japoneses que estavam fora do país, os casos em Tóquio subiram muito nesta semana, superando recordes por quatro dias seguidos –incluindo o anúncio de 47 casos novos na quinta.

O baixo número de testes aplicados levanta o receio de que muitos outros possam estar passando sem ser detectados.

Koike implorou aos habitantes de Tóquio para irem do trabalho para casa, evitando saídas desnecessárias e ficando em casa no fim de semana. Na quinta, governantes de quatro prefeituras vizinhas também pediram que seus moradores não saíssem no fim de semana, exceto em caso de necessidade urgente.

“Se não fizermos nada agora”, disse Koike, “a situação vai se agravar. Estou pedindo a cooperação de todos.”

A população não tem levado avisos como esses a sério até agora. Embora as escolas estejam fechadas há um mês e o governo tenha pedido o cancelamento ou adiamento de grandes eventos esportivos e culturais, o resto da vida voltou ao normal.

As pessoas andam no metrô lotado, reúnem-se nos parques para ver as cerejeiras em flor, fazem compras, bebem e comem fora, tranquilizadas pelo número relativamente baixo de casos confirmados e mortes por coronavírus no país.

Mesmo em um dos clubes de Osaka onde o surto ocorreu, no início do mês, um grupo de 40 mulheres jovens acompanhavam na quarta-feira um show de uma boy band, pulando e agitando os braços durante quase duas horas em um espaço pequeno e sem ventilação.

Enquanto outras partes do mundo mergulham numa espiral de infecções, hospitais superlotados e mortes, o Japão, país de quase 127 milhões de habitantes, informa apenas 1.300 casos da doença e 45 mortos, com um dos índices de mortalidade que sobem mais lentamente no mundo, a despeito de sua grande população idosa.

“Ou é alguma coisa que eles fizeram certo, ou eles não fizeram algo certo, mas nós ainda não estamos sabendo”, comentou Peter Rabinowitz, co-diretor do Metacentro de Preparo para Pandemias e Segurança Global de Saúde, da Universidade de Washington (EUA).

Enquanto o Japão parece ter conseguido uma proeza na contenção das infecções, o país forma um contraste interessante com outros países da Ásia, onde a pandemia começou.

O país não impôs uma quarentena total em cidades, como fez a China. Não empregou tecnologia moderna de vigilância, como vêm fazendo mais e mais países, incluindo Singapura.

Tampouco adotou os testes no atacado que ajudaram a Coreia do Sul a isolar e a tratar doentes antes que eles pudessem propagar a doença.

Enquanto a Coreia do Sul, com menos de metade da população do Japão, já testou cerca de 365 mil pessoas, o Japão só testou por volta de 25 mil até agora.

O Japão agora tem capacidade de realizar cerca de 7.500 testes por dia, mas sua média diária está mais próxima de 1.200 ou 1.300.

Tomoya Saito, diretor do departamento de gestão de crises de saúde do Instituto Nacional de Saúde Pública, disse que o baixo número de testes é intencional.

As pessoas testadas são encaminhadas por médicos, geralmente depois de os pacientes apresentarem febres e outros sintomas por dois a quatro dias.

A política seguida hoje no Japão é hospitalizar todos que têm resultado positivo no teste, de modo que as autoridades querem evitar sobrecarregar os hospitais com casos menos graves.

Saito disse que parte da aparente resistência a infecções no Japão talvez seja decorrência de medidas comuns na cultura japonesa, incluindo a lavagem frequente das mãos e o hábito de fazer reverência diante das pessoas, em vez de cumprimentá-las com um aperto de mãos.

E as pessoas frequentemente usam máscaras em trens e espaços públicos. “É uma espécie de distanciamento social”, disse Saito.

Em Osaka, relatório redigido neste mês pelo Ministério da Saúde projetou que até o início de abril a cidade possa ter perto de 3.400 casos de coronavírus, 227 deles graves.

“É possível que seja difícil dar atendimento médico a todos os pacientes gravemente doentes”, segundo o relatório.

Na quarta, o governador de Osaka, Hirofumi Yoshimura, disse que está trabalhando para criar 600 leitos adicionais em enfermarias hospitalares de isolamento, que possam receber pacientes com as infecções mais graves.

Masaya Yamato, diretor de doenças infecto-contagiosas no Centro Médico Geral Rinku, em Osaka, disse que a região está avançando em direção a um modelo em que os pacientes de coronavírus com sintomas leves possam ficar em casa para deixar os leitos de hospital aos doentes em estado grave.

Há apenas cem leitos em Tóquio preparados para receber pessoas com doenças infecto-contagiosas graves. Na quarta o governo da cidade prometeu conseguir 600 mais.

Para Yamato, o apelo lançado pela governadora de Tóquio para que os cidadãos não saiam de casa neste fim de semana pode não ser o suficiente para adiar a crise.

“Seria melhor que o primeiro-ministro decretasse decisivamente um confinamento em Tóquio”, disse. “O impacto econômico não deveria ser a primeira prioridade. Tóquio precisa parar por duas a três semanas. Se isso não for feito, seu sistema médico pode entrar em colapso.”

A administração de Shinzo Abe criou uma força-tarefa para determinar se ele deve ou não declarar estado de emergência, medida que no início do mês o premiê considerou desnecessária.

Por enquanto, a população parece em grande medida indiferente. Embora algumas prateleiras de supermercados em Tóquio tenham sido esvaziadas na noite de quarta após o apelo do governador, a situação voltou ao normal na quinta-feira.

Tradução de Clara Allain

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