Descrição de chapéu Financial Times Coronavírus

Suécia contraria tendência global com método menos restritivo contra coronavírus

Especialistas criticam decisão de manter escolas abertas e transportes funcionando

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Richard Milne
Oslo | Financial Times

A Suécia se tornou uma exceção na reação à pandemia de coronavírus, mantendo escolas abertas e adotando menos restrições, enquanto embarca em um "enorme experimento", segundo um especialista em saúde do país escandinavo.

Desde que o Reino Unido entrou em quarentena, na noite de segunda-feira (23), a Suécia é o maior país europeu com menos limites sobre aonde as pessoas podem ir e o que podem fazer.

As escolas para crianças até 16 anos estão funcionando, muitas pessoas continuam indo trabalhar, e trens e ônibus lotados foram relatados nesta semana na capital, Estocolmo.

Por outro lado, as autoridades do país proibiram reuniões públicas com mais de 500 pessoas, fecharam universidades e aconselharam os trabalhadores a ficar em casa, caso seja possível.

Na terça (24), ordenaram que restaurantes e bares só sirvam pessoas nas mesas, e não no balcão.

Mulher usando máscara de proteção em Estocolmo, na Suécia - Jonathan Nackstrand - 24.mar.20/AFP

A mídia sueca trouxe muitas reportagens sobre milhares de pessoas reunidas nas estações de esqui, que até sábado (21) mantinham sua vida noturna em funcionamento. O vírus já se propagou com facilidade em resorts de montanha na Áustria e na Itália.

Johan Carlson, chefe do departamento de saúde da Suécia, defendeu na semana passada essa abordagem, dizendo que o país "não pode tomar medidas draconianas que têm um impacto limitado na epidemia, mas derrubam as funções da sociedade".

Mas admitiu que o número de pessoas que morrem anualmente na Suécia, 90 mil, "aumentará significativamente" se o sistema de saúde do país ficar sobrecarregado.

Houve pouco mais de 2.500 casos de Covid-19 relatados na Suécia, e 44 mortes até a tarde desta quarta (25). Na Itália, o país mais afetado da Europa, foram 6.820 mortes.

"O futuro ainda parece administrável", disse Anders Tegnell, epidemiologista do governo sueco que se tornou uma das faces públicas da epidemia.

Ele afirma que as escolas precisam ficar abertas para oferecer cuidados aos filhos de trabalhadores da saúde, comentando que os jovens parecem ter índices de infecção muito mais baixos.

Mas um número importante de especialistas em saúde do país discordam. Tegnell enfrentou uma avalanche de críticas depois que detalhes da tática adotada contra o vírus vazaram na TV sueca no fim de semana.

Joacim Rocklov, epidemiologista da Universidade de Umea, disse que as autoridades estão assumindo enormes riscos com a saúde pública quando ainda se conhece pouco sobre o coronavírus.

"Não vejo por que a Suécia deve ser tão diferente dos outros países. É um enorme experimento", disse ele ao Financial Times. "Não temos ideia —pode dar certo. Mas também pode ir loucamente na direção errada."

As autoridades suecas disseram não seguir explicitamente uma estratégia de "imunidade de rebanho", quando um grande segmento da população contrai o vírus para que a sociedade produza imunidade.

O principal assessor científico do Reino Unido sugeriu na semana passada que o país havia adotado essa abordagem, antes que o governo recuasse.

A Suécia, ao contrário, busca desacelerar a disseminação da infecção e garantir que seu sistema de saúde não fique superlotado.

O ex-primeiro-ministro Carl Bildt diz que a situação nas ruas de Estocolmo mudou "drasticamente" nas últimas semanas, apesar da falta de restrições legais, com muito menos pessoas saindo de casa.

Mas Rocklov disse que ainda não se sabe por quanto tempo a imunidade à Covid-19 vai durar. "Há um grande risco de que a Suécia tenha de entrar em quarentena quando o sistema de saúde entrar em crise."

A abordagem descontraída do país contrasta com a de seus vizinhos nórdicos. Dinamarca, Noruega e Finlândia fecharam escolas, trancaram as fronteiras e impuseram outras restrições.

O primeiro-ministro da Suécia, Stefan Lofven, de centro-esquerda, pediu que cada um faça sua parte para conter a disseminação do vírus, deixando de visitar parentes idosos e trabalhando em casa, por exemplo.

Ele usou um pronunciamento nacional na televisão no domingo (22) para advertir que medidas mais restritivas poderão ser adotadas, admitindo que os próximos meses serão difíceis.

"Há poucos momentos cruciais na vida quando você tem de fazer sacrifícios, não só pelo seu próprio bem, mas também para assumir a responsabilidade pelas pessoas ao seu redor, por seus semelhantes e por seu país. Esse momento é agora. O dia é hoje. E esse dever cabe a todo mundo", disse.

A estratégia da Suécia também foi criticada por outro motivo, com alguns afirmando que o dano que poderá causar à economia é alto demais.

Kerstin Hessius, uma importante gestora de fundos, é um dos que afirmam que o país pode estar trocando um desastre por outro ainda pior.

Suas opiniões provocaram uma resposta de Leif Ostling, ex-CEO da fabricante de caminhões Scania, que a acusou de viver em uma "bolha financeira".

Ele pediu que a Suécia não seja cínica e mantenha seu "ponto de vista humanista".

Rocklov disse que é uma "discussão válida" se as medidas destinadas a salvar vidas podem causar ainda mais danos. Mas ele também afirmou que as autoridades suecas não estão dando informação suficiente para que as pessoas formem sua própria opinião.

"Cada vez mais especialistas se sentem desconfortáveis com essa condução. Não está permitindo um debate aberto. Está mais tentando forçar as pessoas a ficarem quietas."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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