Trump agora diz que sempre soube que coronavírus seria uma pandemia

Presidente dos EUA passou semanas minimizando risco da doença

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Katie Rogers
Washington | The New York Times

O presidente Donald Trump minimizou o coronavírus durante semanas, ironizando a preocupação expressa com o vírus e descartando o risco que ele representa.

Na terça-feira (17), na Casa Branca, ele fez uma afirmação espantosa: disse que soube desde o início que se tratava de uma pandemia.

“Esta é uma pandemia”, disse aos jornalistas. “Senti que era uma pandemia muito antes de a chamarem de pandemia.”

O presidente Donald Trump, em entrevista coletiva diária sobre o coronavírus - Jonathan Ersnt - 17.mar.2020/Reuters

O que Trump disse de fato nos últimos dois meses foi o seguinte:

Em 22 de janeiro, perguntado por um repórter da CNBC se havia “preocupação com a possibilidade de pandemia”, o presidente respondeu: “Não, de maneira alguma. Temos isso totalmente sob controle. É apenas uma pessoa que veio da China, e temos tudo sob controle. Vai ficar tudo ótimo”.

Em 26 de fevereiro, numa entrevista coletiva na Casa Branca, comentando sobre os primeiros casos de coronavírus noticiados no país: “Daqui a pouco teremos apenas cinco pessoas [com o vírus]. E poderemos estar com apenas uma ou duas pessoas em muito breve. Portanto, tivemos muita sorte.”

Em 27 de fevereiro, numa reunião na Casa Branca: “Vai desaparecer. Um dia –é como um milagre— vai desaparecer.”

Em 7 de março, sentado ao lado do presidente Jair Bolsonaro em Mar-a-Lago, seu resort na Flórida, quando lhe foi perguntado se ele estava preocupado pelo vírus estar se alastrando mais perto de Washington: “Não estou nem um pouco preocupado. Não, não estou. Não, temos feito um grande trabalho”.

(Mais tarde nesse fim de semana, pelo menos três membros da delegação brasileira e um doador de Trump presentes em Mar-a-Lago tiveram resultado positivo no teste do vírus.)

Em 16 de março, na sala de briefings da Casa Branca, avisando que o surto vai ser “lavado” neste verão: “Então pode ser bem nesse período de tempo que ele, como eu digo, que ele será lavado –será levado embora. Outras pessoas não gostam desse termo. Mas pode ser quando ele será levado embora”.

Esse comentário na segunda-feira fez parte do avanço lento descrito por Trump nos últimos dias em direção a um tom de urgência maior.

Mas sua alegação na terça-feira de que previu a pandemia há muito tempo foi a reviravolta mais repentina até agora em relação às muitas declarações em tom de pouco caso que ele fez sobre a doença.

Na terça-feira, Trump passou boa parte de uma longa entrevista coletiva elogiando a resposta de sua administração à pandemia, dizendo que o único erro cometido por sua administração foi a má gestão das relações com a imprensa.

Indagado por que de repente, na terça-feira, adotara um tom sombrio e realista em relação ao vírus, o presidente negou que tivesse mudado de ideia sobre o assunto.

“Não, eu sempre encarei isso como algo muito sério”, disse Trump. “Não houve diferença entre ontem e os dias anteriores. Sinto que o tom é semelhante, mas algumas pessoas disseram que não era.”

Nos últimos dois meses, além de negar a gravidade do coronavírus, Trump ridicularizou ou criticou pessoas que levaram o risco mais a sério.

Num comício de campanha na Carolina do Sul, em 28 de fevereiro, Trump acusou democratas e a mídia de histeria e de criticar sua administração injustamente, praticando algo que disse ser uma “farsa” política.

Seus partidários alegam que ele chamou de farsa não o próprio coronavírus, mas as críticas democratas à sua administração pelo tratamento dado ao problema.

E, até recentemente, Trump e vários de seus assessores zombavam em particular do secretário de Saúde e Serviços Humanos, Alex Azar, tachando-o de alarmista.

Outro tema tem sido o presidente divulgando informações incorretas.

Num comício de campanha em 10 de fevereiro, Trump sugeriu que o vírus desapareceria até abril, algo que ele repetiu com frequência, apesar de seus assessores o avisarem que muito sobre o vírus ainda era desconhecido.

E sua administração foi fortemente criticada pela falta de urgência em emitir orientações aos americanos ou acelerar os exames do vírus, enquanto Trump continuava a divulgar informações deturpadas sobre o que havia disponível.

“Hoje mesmo e ontem qualquer pessoa que precisa de um exame pode fazer o exame”, disse o presidente durante visita em 6 de março ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em Atlanta.

“Os exames estão ali. Eles têm os exames, e os exames são lindos.”

Durante essa visita, Trump elogiou sua própria “facilidade natural” de compreender teorias científicas e então comparou a qualidade do exame a um relato feito pela Casa Branca de um telefonema, em referência à ligação que deu origem ao processo de impeachment contra o presidente: “A transcrição foi perfeita, certo?”, perguntou a repórteres. “Isto [o exame] não foi tão perfeito assim, mas foi muito bom.”

Enquanto sua administração tinha dificuldade em articular uma resposta uniforme sobre os exames, Trump também dava declarações enganosas sobre se haverá uma vacina contra o vírus.

Em 29 de fevereiro o presidente disse que uma vacina estará disponível “muito rapidamente” e “em muito pouco tempo”, elogiando as ações de sua administração, dizendo que foram “as mais agressivas adotadas por qualquer país”.

Sua afirmação sobre o prazo em que uma vacina estará disponível para a população foi corrigida por Anthony Fauci, membro da força-tarefa do coronavírus, diante dos jornalistas.

Esta semana Trump anunciou que uma possível vacina está ingressando num ensaio clínico –apenas a primeira fase de um processo longo na busca de uma cura.

Tradução de Clara Allain

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