Descrição de chapéu Governo Trump Venezuela

Uso de sanções pelos EUA dispara sob Trump e chega a 9.000 restrições

Bloqueios são arma para minar a economia dos países; entenda como essa estratégia funciona

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São Paulo

Estar sob sanção internacional é como ter uma doença contagiosa: quem se aproximar de você pode acabar atingido também. E o medo de contágio tem crescido, pois os EUA aceleraram a expansão da lista de vetos e, ao mesmo tempo, aumentaram as punições para quem interagir com sancionados.

Em 2019, o país cobrou quase US$ 1,3 bilhão (R$ 6 bilhões) em multas relacionadas a elas, um recorde. Atualmente, há cerca de 9.000 restrições dos Estados Unidos em vigor. Em 2014, eram 6.000, segundo levantamentos de entidades como o Center for a New American Security.

A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez, ao lado do ministro da Comunicação, Jorge Rodriguez (à dir.) e do ombudsman nacional Alfredo Ruiz, lançam a campanha As Sanções São um Crime, em Caracas - Federico Parra - 6.mar.2020/AFP

Desde 2017, sob Trump, houve uma média de 1.070 novas sanções a cada ano. No governo de Barack Obama (2009-16), essa média foi de 533, de acordo com o escritório de advocacia Gibson Dunn, que orienta empresas a lidar com os bloqueios. Sob George W. Bush (2001-2008), a média anual foi de 433.

A lista atual dos EUA cita nomes de mais de 160 países e territórios. Há nela nove cidadãos brasileiros, oito deles de origem libanesa acusados de ligação com o grupo Hizbullah. O nono foi punido por conexão com as Farc.

Na sexta (6), o regime de Nicolás Maduro lançou a campanha Sanções São um Crime, que defende que os bloqueios realizados pelos EUA são um crime de lesa-humanidade, pois a crise econômica gerada por eles impediu o acesso de venezuelanos a alimentos e remédios. O governo entrou com uma ação no Tribunal Penal Internacional, mas os Estados Unidos não reconhecem essa Corte.

O uso desta ferramenta ganhou força depois do 11 de Setembro, para tentar sufocar financeiramente grupos terroristas e traficantes de drogas. Depois, elas foram usadas como resposta a regimes que desafiaram os EUA com planos nucleares (Irã e Coreia do Norte), que atacaram a democracia e os direitos humanos (Venezuela e Nicarágua) ou que confrontaram vizinhos (Rússia, pela anexação da Crimeia).

“As sanções são uma medida muito mais barata do que uma ação militar, tanto em termos de custos financeiros quanto de popularidade. Começar uma guerra gera protestos, mas emitir essas restrições não. E permite ao líder dizer que está fazendo algo”, analisa Vinicius Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV.

Todos os países podem emitir restrições, assim como entidades como a ONU e a União Europeia, mas o peso delas vai depender da importância de suas economias no cenário global.

Os vetos funcionam de formas variadas: podem atingir indivíduos, empresas, governos, setores industriais inteiros de um país e até navios e aviões. O bloqueio pode ter intensidades variadas, como vetar só a venda de um tipo de produto, como armas de fogo, ou impedir qualquer transação financeira com empresas de determinado país.

Sua implantação vai travando aos poucos tarefas cotidianas, em um ciclo que sufoca a economia. Imagine uma fábrica que precisa importar peças de reposição para suas máquinas. A empresa estrangeira que vende a peça, o navio que a trouxer e o banco usado transferir o dinheiro poderão ser punidos, caso tenha relações com o país ou bloco que emitiu os bloqueios. Sem conseguir peças, as máquinas não poderão ser consertadas e, em algum momento, vão deixar de operar.

O ministro dos Transportes de Cuba, Eduardo Rodríguez, deu exemplos no fim de fevereiro. Ele foi à TV estatal reclamar que um navio que trazia petróleo para a ilha, cuja mercadoria já estava paga, se recusou a atracar em um porto cubano. A única saída foi o governo comprar a embarcação inteira.

Rodriguez contou ainda que fabricantes se recusam a vender aviões para a companhia Cubana de Aviación e que empresas que reformavam o aeroporto de Havana e algumas ferrovias abandonaram os trabalhos no meio, depois que novas restrições foram emitidas.

Cuba é alvo dos bloqueios dos EUA desde os anos 1960, após o governo de Fidel Castro estatizar propriedades de norte-americanos no país. Houve um relaxamento sob a gestão Obama, mas o aperto voltou com Trump. Em uma nova estratégia, a Justiça dos EUA autorizou, em 2019, que cubanos-americanos que perderam suas posses nos anos 1960 processem diretamente as empresas que façam negócios em Cuba, o que levou mais companhias a temer multas.

Para desviar das sanções, os países atingidos criam estratégias que incluem transferir as mercadorias de um navio a outro em alto-mar e navegar com o sistema de rastreamento desligado. Para o pagamento, recorre-se a métodos antigos, como o dinheiro vivo, o escambo e o ouro, e debate-se opções modernas, como criptomoedas, aposta ainda incerta do governo Maduro.

O cerco financeiro dos EUA estimula também parcerias com outras potências, como Rússia e China, que negociam com a Venezuela, o Irã e vários países da África sob veto.

Há questionamentos sobre os resultados práticos dessa estratégia. Os dirigentes dos países mais atingidos, como Cuba e Venezuela, seguem no poder apesar do aperto nos bloqueios e da pobreza que assola seus países, e mantêm as linhas de ação que motivaram as punições.

Uma exceção foi o Irã, que fechou um acordo em 2015 para reduzir seu programa nuclear em troca do alívio dos bloqueios. No entanto, os EUA desistiram do acerto em 2018 e retomaram as medidas. As punições da ONU, por enquanto, seguem suspensas.

Para governos autoritários, as sanções podem funcionar como um álibi. “Elas são uma ótima desculpa para justificar a pobreza e os problemas internos”, diz Vieira. O governo Maduro, por exemplo, cita-as como razão para o colapso econômico do país, embora haja diversas denúncias de corrupção, como o desvio de comida de programas sociais, além da dependência excessiva do petróleo.

Neste início de 2020, anúncios de novos vetos americanos seguem frequentes. Um alvo de peso foi um braço da petroleira russa Rosneft, punido por negociar petróleo da Venezuela. No entanto, a empresa, controlada pelo governo russo, disse que manterá os acordos atuais com o país sul-americano. Como a medida não abrange a companhia inteira, ela pode seguir operando e não se tornou “contagiosa”, mas novos anúncios podem mudar isso na velocidade de um espirro.

Entenda as sanções:


O que são? 

Países e entidades, como ONU e União Europeia, criam listas de vetos: quem está nelas não pode fazer negócios com instituições daquele território nem usar seu sistema financeiro.

Qual o efeito na prática? 
Indivíduos têm seu patrimônio no exterior congelado. Governos e empresas podem ser impedidos de importar e exportar produtos e de obter empréstimos.

Com isso, o país fica com dificuldade para obter recursos e adquirir produtos que não fabrica, como aparelhos, peças, determinados alimentos, remédios etc.

É comum que as sanções permitam a compra de comida e a entrega de ajuda humanitária, mas na prática o processo é dificultado pois interações fora das regras estritas podem gerar punições.

Também ficam impedidas cooperações técnicas entre pesquisadores de universidades e empresas e a adoção de novas tecnologias vindas do exterior.

Como é feita a vigilância? 
Ocorre sobre as empresas e entidades. Se elas fizerem negócios com quem está sob veto, podem ser multadas e, em casos graves, também serem sancionadas.

Como consultar quem está sob sanção?

As listas são publicadas na internet:

Estados Unidos 
União Europeia 
- ONU  

Quem define quem entra e sai das listas? 
Nos EUA, a decisão cabe ao presidente e ao Congresso. Na ONU, ao Conselho de Segurança. Na União Europeia, o Conselho Europeu (equivalente ao Executivo do bloco) decide.

Como sair da lista? 
O veto vale até que a instituição que o emitiu decida pelo fim da medida

Há truques para escapar dos bloqueios? 
Alguns deles: fazer negócios via países menos conectados ao sistema financeiro internacional; pagar em dinheiro vivo, ouro ou petróleo, usar navios que circulam com o localizador desligado e trocar as mercadorias entre embarcações em alto-mar, de modo secreto

​Principais alvos

Irã
Desde: 1979 
Por quem: EUA e União Europeia
Acusações: Apoio ao terrorismo, desrespeito aos direitos humanos e plano de criar armas nucleares

Venezuela
Desde: 2006
Por quem: EUA, ONU e União Europeia
Acusações: Apoio financeiro ao Hizbullah, falta de apoio no combate ao tráfico de drogas, ações antidemocráticas e desrespeito aos direitos humanos

Coreia do Norte
Por quem: EUA, ONU, União Europeia, China, Rússia e outros
Desde: 1950*; foram reforçadas a partir de 2006
Razões: Testar armas nucleares e estar tecnicamente em guerra com os EUA.

* Como a Guerra da Coreia não acabou oficialmente, o país é enquadrado em uma lei que proíbe o comércio dos EUA com inimigos de guerra.

Cuba
Por quem: EUA
Desde: 1960
Razões: estatização de empresas americanas que atuavam em Cuba, desrespeito aos direitos humanos e relações com a Venezuela, também alvo de sanções

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