Descrição de chapéu Coronavírus

Após programa de testes em massa, Vietnã controla avanço do coronavírus

Governo de país vizinho à China relata apenas 270 casos e nenhuma morte por Covid-19

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Khanh Vu Phuong Nguyen James Pearson
Hanói | Reuters

O empresário Phan Quoc Viet fazia suas orações habituais em Tay Ninh, uma província no sul do Vietnã, quando recebeu uma ligação de um funcionário do governo.

Era final de janeiro, logo após o feriado do Ano Novo Lunar. O Vietnã havia detectado seus dois primeiros casos do novo coronavírus dias antes, e o governo estava entrando em contato com empresas com experiência em exames médicos para obter ajuda urgente.

"A autoridade disse que o Vietnã precisava agir rapidamente", afirmou Viet, cuja empresa de equipamentos médicos, Viet A Corp, fabrica kits de teste e tem sido fundamental para o país intensificar seu programa de testagem em resposta ao surto.

Funcionária do laboratório Viet A Corp, no Vietnã, trabalha em teste de coronavírus
Funcionária do laboratório Viet A Corp, no Vietnã, trabalha em teste de coronavírus - Viet A Corp/Handout via Reuters

O Vietnã, país de 96 milhões de pessoas que compartilha fronteira com a China, sinaliza que foi bem-sucedido em uma área na qual muitos Estados mais ricos e desenvolvidos tiveram dificuldades.

O governo relata oficialmente apenas 270 casos e nenhuma morte por Covid-19. Isso coloca o país no caminho de revitalizar sua economia muito antes do que a maioria dos outros, segundo vários especialistas em saúde pública entrevistados.

Como comparação, sua vizinha regional, as Filipinas, um pouco mais populosa, registrou quase 30 vezes mais casos e 500 mortes.

Os especialistas em saúde pública dizem que o Vietnã foi bem-sucedido porque tomou medidas precoces e decisivas para restringir as viagens ao país, colocou dezenas de milhares de pessoas em quarentena e rapidamente ampliou o uso de testes e um sistema para rastrear pessoas que poderiam ter sido expostas ao vírus.

"As etapas são fáceis de descrever e difíceis de implementar, mas mesmo assim eles foram bem-sucedidos em implementá-las repetidas vezes", disse Matthew Moore, funcionário de Hanói do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), que está em contato com o governo do Vietnã desde o início de janeiro.

Ele acrescentou que o CDC tem "grande confiança" na resposta do governo vietnamita à crise.

O Vietnã aumentou o número de laboratórios que podem testar para Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, de três no início do surto, em janeiro, para 112 em abril.

Até quarta-feira (29), 213.743 testes foram realizados no Vietnã, dos quais 270 foram positivos, segundo dados do Ministério da Saúde.

Essa proporção de 791 testes para cada caso confirmado é de longe a mais alto do mundo, de acordo com dados dos ministérios da Saúde compilados pela Reuters. O próximo país da lista, Taiwan, realizou 140 testes para cada caso.

Kidong Park, representante da Organização Mundial da Saúde no Vietnã, disse que não há indícios de surtos além do que foi relatado pelo governo.

Segundo especialistas, o país foi ajudado pela combinação de um governo autoritário, economia de mercado aberto e uma população com memória de epidemias anteriores pronta para cooperar.

"[O país] é organizado, pode-se tomar decisões políticas que são adotadas de maneira rápida, eficiente e sem muita controvérsia", afirmou Guy Thwaites, diretor da Unidade de Pesquisa Clínica da Universidade de Oxford, na cidade de Ho Chi Minh. O laboratório de Thwaites tem ajudado a processar testes.

Thwaites acrescentou que o número de testes positivos processados ​​pelo seu laboratório estava de acordo com os dados do governo.

Ele disse ainda que o hospital onde trabalha na enfermaria —o Hospital de Doenças Tropicais, com 550 leitos, na cidade de Ho Chi Minh, servindo uma população de 45 milhões de pessoas no sul do Vietnã— não admitiu nenhum caso extra que não esteja refletido nos números do governo.

"Se houvesse transmissão comunitária não declarada, teríamos visto os pacientes em nosso hospital. Não temos." Seu laboratório faz cerca de mil testes por dia.​

Os gerentes de 13 casas funerárias em Hanói afirmaram não ter visto aumento no número de mortes.

Todd Pollack, especialista em doenças infecciosas com sede em Hanói na Harvard Medical School, contou que menos de 10% das pessoas que tiveram resultado positivo para o vírus no Vietnã tinham mais de 60 anos, a faixa etária com maior probabilidade de morrer de Covid-19.

Todos os pacientes, acrescentou, foram monitorados de perto nas unidades de saúde e receberam bons cuidados médicos. Pollack afirmou que uma boa comparação com o Vietnã é a Coreia do Sul, outro país que conseguiu lançar um grande programa de testes e manter as mortes relativamente baixas.

"A taxa de mortalidade de casos na Coreia do Sul é de cerca de 2%, em parte porque eles estão testando muito amplamente", afirmou Pollack. "Se aplicarmos essa taxa ao número de casos confirmados no Vietnã e considerarmos esses outros fatores, poderemos entender como eles evitaram mortes até agora."​

Centro de testes para coronavírus em Hanói
Centro de testes para coronavírus em Hanói - Kham/Reuters

Parceria público-privada

No final de fevereiro, quando o presidente dos EUA, Donald Trump, ainda minimizava os perigos do novo coronavírus, Viet e seus colegas começaram a procurar componentes necessários para produzir em massa kits de teste para Covid-19 nos Estados Unidos e na Alemanha.

Pesquisadores da Universidade Médica Militar do Vietnã, trabalhando com a Viet A Corp, já haviam projetado um kit de teste, e o governo entregou uma licença à empresa para produzi-lo em massa.

Viet disse que os kits de sua empresa, que podem realizar vários testes, fizeram até agora 250 mil testes no Vietnã.

No dia 23 de janeiro, o Vietnã suspendeu os vôos de e para a cidade chinesa de Wuhan, onde o surto começou, imediatamente após a descoberta dos dois primeiros casos. Uma semana depois disso, o país efetivamente fechou sua fronteira de 1.400 km com a China para todo o comércio, exceto os essenciais.

Em meados de março, o Vietnã tornou obrigatório o uso de máscaras em locais públicos em todo o país, bem à frente da maioria dos outros países e sem atender aos conselhos da OMS de que apenas pessoas com sintomas deveriam usá-las.

Algumas fábricas de roupas do Vietnã passaram a fazer máscaras cirúrgicas e de tecido para atender à demanda.

A OMS disse que em abril publicou conselhos sobre o uso de máscaras não médicas em situações em que o distanciamento social não pode ser evitado, mas disse que as máscaras médicas devem ser priorizadas para os profissionais de saúde.

Quarentena em massa

O aumento dos testes no Vietnã ocorreu junto com um programa de rastreamento de contatos e a quarentena de dezenas de milhares de pessoas, muitas delas vietnamitas no exterior que voltaram para casa para escapar do agravamento da situação na Europa e nos Estados Unidos.

Os testes da Viet A Corp foram usados ​​pela primeira vez em 4 de março. Nas seis semanas anteriores, o país havia aumentado gradualmente os testes, mas o número de pessoas com o vírus permaneceu abaixo de 20. Na segunda semana de março, essa cifra mais que dobrou.

No início de março, apenas uma parte das dezenas de milhares de pessoas que chegavam aos centros de quarentena montados para abrigá-las fizeram testes, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas, no início de abril, os números de exames começaram a superar o das pessoas em quarentena.

As autoridades médicas testaram e retestaram os casos suspeitos, liberando gradualmente da quarentena aqueles que tiveram resultados negativos várias vezes. Muitos exames também foram feitos em grupos de pessoas que não estão em quarentena mas que poderiam ter sido expostas ao vírus.

A rápida resposta do país não parece ter sido prejudicada pela aposentadoria do ministro da Saúde em novembro.

O substituto interino, o vice-primeiro-ministro Vu Duc Dam, um funcionário do Partido Comunista sem experiência em saúde pública, emergiu como um herói nas mídias sociais por seu papel como líder da força-tarefa do coronavírus no Vietnã.

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