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Com lives, muçulmanos no Brasil se adaptam a Ramadã na pandemia

Confraternizações foram canceladas e maioria dos templos fechou, mas orações são transmitidas online

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Viçosa (MG)

"Confia em Deus, mas amarra seu camelo." O provérbio é usado pelo xeique Rodrigo Rodrigues, do Centro Islâmico do Paraná, para dizer por que decidiu fechar a mesquita neste ano mesmo durante o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos.

“O religioso tem que acatar o cientista nessa situação. Na pesquisa religiosa o médico escuta o xeique. Agora o xeique escuta o médico”, diz. “Alá fez a Terra, e toda a Terra é uma mesquita. Assim como Ele é adorado na mesquita, pode ser adorado em casa.”

O Ramadã deste ano começou na última sexta-feira (24), em plena pandemia. Acostumados não só com os rituais religiosos, mas também com os jantares coletivos de desjejum (chamados de iftar) e outros eventos de confraternização que marcam essa época do ano, muçulmanos no Brasil e no mundo tiveram que se adaptar.

“O Ramadã tem dois lados: um religioso, que continua, e um social, das congregações e jantares na mesquita ou em casa. Foi esse lado que perdemos”, afirma o xeique Mohamad Al Bukai, da Mesquita Brasil, em São Paulo, que está fechada para o público durante essa quarentena.

"Mas nas regras religiosas preservar a vida é uma prioridade. Estamos ganhando, e não perdendo, pois estamos obedecendo nosso Criador ao ficar em casa."

Outra mudança deste ano é que as doações de alimentos que geralmente são direcionadas aos banquetes nas mesquitas estão sendo transformadas em cestas básicas para famílias pobres.

Assim como outros líderes do Islã, Bukai tem transmitido as orações noturnas —chamadas de Tarawih— em lives na internet. “Assim não deixamos as pessoas 100% privadas desse ambiente espiritual. Até porque percebi que a espiritualidade está aumentando, e não diminuindo, pois as pessoas estão precisando muito de apoio neste momento difícil.”

O xeique também divulga vídeos informativos —um deles, com um médico, de como fazer jejum e manter a imunidade forte— e usa aplicativos para fazer palestras com a presença de vários participantes.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), não há estudos sobre a relação entre jejum e risco de infecção por Covid-19.

“Em princípio, as pessoas saudáveis podem jejuar neste Ramadã como fizeram nos anos anteriores, enquanto os doentes de Covid-19 poderão entrar nas exceções relativas ao jejum depois de consultar seu médico, como fariam com qualquer outra doença", afirma.

O órgão divulgou um manual de práticas seguras para esse período, com orientações de proteção exclusivas para os costumes islâmicos.

O texto lembra que a prática da ablução (ritual de purificação com a lavagem de mãos, rosto, braços, cabeça e pés antes de cada oração), parte da rotina dos muçulmanos, ajuda na prevenção à transmissão da Covid-19.

No ABC paulista, a Mesquita de São Bernardo do Campo, uma das poucas que se mantiveram abertas no Brasil, fez adaptações com base em conselhos de especialistas para reduzir os riscos de contágio.

Com capacidade para 500 pessoas, o templo costumava receber centenas nas orações noturnas desta época. Neste ano, não passam de 30.

Idosos, crianças e pessoas com doenças prévias são orientados a não comparecer. Os fiéis recebem máscaras e álcool em gel na entrada e têm a temperatura corporal medida por voluntários.

Em vez de orarem um ao lado do outro, eles agora ficam a uma distância de 1,5 metro, em pontos marcados com fitas adesivas no chão.

Carpetes e utensílios são higienizados depois de cada oração e há recomendação de que cada um leve um tapete individual.

O tempo do encontro foi reduzido de uma hora para cerca de 20 minutos, e as conversas e o chazinho de depois, suspensos. Também não há mais os tradicionais banquetes de desjejum.

“Não queríamos fazer a desativação total da mesquita. A oração deve fazer parte desse momento difícil”, diz o xeique Ahmad Mazloum, colaborador dessa mesquita e da Assembleia Mundial da Juventude Islâmica.

“Mas seguimos todas as precauções determinadas pelas autoridades de saúde. Recebemos a visita do departamento de vigilância epidemiológica da cidade, que determinou que poderíamos abrir com essas medidas.”

O xeique Rodrigues, do Paraná, diz que muitos fiéis foram contra o fechamento dos templos. “É um direito deles ficarem chateados, mas essa doença não é brincadeira. Se alguém da comunidade pegar Covid, como é que eu vou dormir depois?”

Outro argumento que ele usa é uma frase do profeta Maomé: “Se você ouvir um surto de peste em uma terra, não entre nela; mas se a praga eclodir em um lugar enquanto você estiver nele, não deixe esse lugar”. “Há mais de 1.400 anos, o profeta já pregava medidas de isolamento social”, afirma o xeique. “Vamos fazer nossa parte porque Inshallah (se Deus quiser) as coisas vão melhorar.”

"Vai ser talvez o Ramadã mais diferente das últimas décadas”, diz, por sua vez, Mustafá Gotkepe, presidente do Instituto pelo Diálogo Intercultural em São Paulo.

O grupo organizou várias atividades online, como leituras do Corão, aulas religiosas por Skype ou Zoom e conversas com imigrantes muçulmanos no Brasil e com brasileiros que vivem no exterior, que darão relatos sobre como é esse periodo do ano em outros países.

“Vamos tentar aproveitar ao máximo o Ramadã, como sempre fizemos”, diz.


Recomendações da OMS para o Ramadã

  • Considerar o cancelamento de reuniões sociais e religiosas, de acordo com a orientação de autoridades de saúde e cada lugar, e sua substituição por alternativas virtuais
  • No caso de manter encontros presenciais, preferir eventos mais frequentes com menos pessoas por vez, evitando aglomerações, e reduzir sua duração ao máximo
  • Respeitar a distância de ao menos um metro entre as pessoas, designando lugares específicos para cada uma nas áreas de oração e ablução
  • Proporcionar álcool em gel na entrada das mesquitas e limpar o edifício com desinfetante e detergente antes de cada culto
  • Incentivar o uso de tapetes individuais, e não compartilhados
  • Pedir que idosos e outras pessoas de grupos de risco, além daquelas que têm algum sintoma de Covid-19, não compareçam
  • Nas doações de comida por caridade, respeitar o distanciamento social e as regras de higiene e proteção
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