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Diário de confinamento: 'O jeito luso'

Com testes massivos, Portugal se transforma num dos modelos europeus na abordagem da crise

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Barcelona

Dia #48 – Quinta, 30 de abril. Cena: os aplausos nas janelas vão minguando, e o barulho do tráfego vai voltando...

Maria Manuel Mota é uma personagem-ídola da crise do coronavírus em Portugal.

Especialista em malária, essa bióloga e imunologista premiada declinou seguir uma carreira brilhante no estrangeiro para voltar ao seu país.

Na época, seu orientador da Universidade de Nova York disse que esse regresso era "um disparate" e que ela não conseguiria fazer nada em Portugal.

Ela lembra dessas palavras sempre que topa com dificuldades técnicas como diretora do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa. Se nos EUA, pondera, uma encomenda de material de pesquisa pode chegar em questão de horas, em Portugal pode levar dias. É preciso cultivar certas doses de paciência e determinação.

Homem caminha por rua de Lisboa, em quarentena pelo coronavírus - Rafael Marchante -30.abr.2020/Reuters

Essas doses certamente estiveram por trás da iniciativa que levou à criação de um dos primeiros kits de testes PCR para detecção de coronavírus com trademark português, aprovado e produzido já nos primeiros dias da crise.

O PCR próprio foi desenvolvido em dois dias, seguindo os protocolos da OMS e do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, vinculado ao governo norte-americano). Não foi preciso inventar muito. Além do mais, utilizavam reativos também made in Portugal.

No princípio de abril, já estavam realizando 300 testes por dia (exatamente ao mesmo tempo em que a Espanha rebolava para resolver a escassez de testes fiáveis e um lote chinês defeituoso). A meta é dobrar esse número.

Não é muito, se compararmos com os 400 mil testes feitos em Portugal até agora, mas a iniciativa da equipe de Mota lançou uma reação em cadeia: hoje, outros 15 institutos de pesquisa portugueses também se dedicam à elaboração de kits de testes, sem contar os laboratórios privados.

Portugal tem sido apontado como um modelo europeu no combate ao coronavírus. Dizem as muitas línguas que o país fez pelo menos duas cousas acertadas: agiu rápido, adiantando-se ao pico da epidemia, e fez testes massivos na população desde o início.

Complicado comparar com a realidade espanhola, até porque Portugal não tem os 2.000 quilômetros de fronteiras terrestres, a permeabilidade migracional e o papel turístico que fazem da Espanha um alvo potencialmente mais suscetível aos intercâmbios virais —mas alguns números são dignos de contemplação.

Nosso vizinho ibérico decretou o estado de alarme um dia antes de nós, em 13 de março, quando contabilizava somente 112 casos positivos e nenhuma morte por coronavírus. Os dados indicam que o vírus entrou pelo Porto, cidade interconectada por rotas comerciais com a Itália. Quando entramos em confinamento aqui na Espanha, no dia seguinte, já tínhamos oficialmente 5.753 casos e 136 mortos.

No próximo sábado (2), enquanto nós poderemos sair pra fazer esportes na rua e passear perto de casa, Portugal começa também seu desconfinamento. O país acumula um total de 25 mil casos confirmados e 989 mortos até agora, sendo 16 nas últimas 24 horas, contra mais de 213 mil infectados e 24.543 mortos por Covid-19 na Espanha.

Enquanto a Espanha anunciou nesta semana um plano de desescalada em quatro etapas, Portugal prevê um desconfinamento em três fases, sendo a segunda em 18 de maio e a terceira, em 1º de junho —de duas a quatro semanas antes do estágio mais avançado do desconfinamento espanhol, quando poderemos dizer que vivemos uma "nova normalidade".

Como o governo espanhol, o primeiro-ministro português, António Costa, avisou que "não hesitará em dar passos atrás" no plano em caso de necessidade —aka um novo surto, com possibilidade de saturação do sistema de saúde.

Com coronanúmeros tão dramáticos em comparação aos portugueses, é preciso por outro lado dizer que a curva espanhola se encontra em declínio, e que nos últimos dias o número de pacientes curados por dia supera o de novos infectados.

"A poc a poc", como se diz aqui na Catalunha. Nesta semana teremos sol em Barcelona, e no sábado poderemos sair para passear...

“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.

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