Descrição de chapéu Coronavírus

Há um mês em quarentena, Itália projeta saída gradual com teste de imunidade

Com economia paralisada, país se prepara para entrar na fase 2 do combate ao coronavírus

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Milão

Faz um mês que a quarentena total entrou em vigor na Itália e não há dúvidas de que foi eficiente para enfraquecer a difusão do coronavírus no país. Nesta quarta (8), o número de casos subiu 2,8%, ante um percentual que beirava os 25% quando as medidas de contenção social mais duras foram anunciadas pelo governo.

Ainda que seja alto e doloroso, o registro de mortes está estável (outras 542 nesta quarta), e a ocupação de leitos segue caindo (menos 233).

Homem caminha com cachorro na frente do Coliseu em Roma
Homem caminha com cachorro na frente do Coliseu em Roma - Filippo Monteforte - 3.abr.20/AFP

Trinta dias depois, 60 milhões de pessoas continuam impedidas de andar na rua sem motivo e quase toda a economia está paralisada. Mas é possível ver a luz no fim do túnel, como dizem as autoridades sanitárias.

O cenário permite imaginar: como a Itália vai sair da quarentena total? Quando o país vai voltar ao normal?

A resposta depende da pergunta. Para a segunda, ainda não é possível fazer previsão. Cientistas concordam que, sem uma vacina ou terapia eficaz disponíveis, "o normal" não existirá no curto prazo. Já para a primeira questão estão sendo desenhadas estratégias.

A principal é pensar em etapas. Segundo o primeiro-ministro Giuseppe Conte, a Itália se encontra na fase um, a mais aguda no combate à Covid-19. Em seguida, virão a fase dois, de convivência com vírus, e a três, quando será concretizada a saída da emergência.

De acordo com o virologista Giovanni Maga, diretor do laboratório de virologia molecular do Conselho Nacional de Pesquisas, em Pavia, para declarar uma área completamente livre de uma epidemia viral, é preciso que a distância do último caso notificado seja superior ao período de incubação.

No caso do Sars-Cov-2, seriam necessárias três semanas após a identificação da última pessoa a receber o diagnóstico para que se pudesse decretar o fim da epidemia em uma cidade.

"Claramente não podemos esperar chegar a esse ponto na Itália, porque precisamos ainda de meses. O que deve ser feito é programar uma saída gradual da quarentena, quando o número de novos casos cai de maneira muito significativa e quando há uma diminuição importante de internados, sobretudo em UTIs", afirmou Maga à Folha.

Diante disso, explica, é possível aumentar progressivamente o grau de liberdade da população, consentindo a retomada de algumas atividades comerciais e produtivas e, ao mesmo tempo, mantendo medidas de prudência como uso de máscaras, distância de segurança e presença limitada de pessoas em lugares fechados. "A fase dois será uma volta gradual."

Oficialmente, a quarentena total está prevista para terminar no dia 13 de abril. O governo, por meio de um comitê técnico-científico, afirma que avalia diariamente o andamento dos contágios para planejar o futuro.

Há uma preocupação com o feriado da Páscoa, que coincide com o início da primavera e, tradicionalmente, com uma semana de férias escolares.

Não será assim agora. "É fundamental no período de Páscoa continuar respeitando rigorosamente as medidas de distanciamento social e as de prevenção. Não podemos cometer erros nos próximos dias", disse, nesta terça (7), Domenico Arcuri, um dos comandantes das ações do governo na emergência sanitária.

"Não estamos a poucos passos da saída da emergência. Nada mais errado do que imaginar um iminente 'todos livres', onde todos nós voltaremos, de um dia para o outro, aos velhos hábitos."

Segundo projeções matemáticas lideradas pelo economista Franco Peracchi, do Instituto Einaudi e da Universidade de Georgetown (EUA), de acordo com os dados divulgados diariamente pelo governo italiano, é possível prever quando o número de novos casos confirmados estará perto de zero.

Na segunda-feira (6), a data nacional estava entre os dias 10 e 12 de maio.

No entanto, a grande variação entre as regiões mais ou menos afetadas permite esperar que o relaxamento da quarentena, além de ser gradual, pode não ser nacional.

Enquanto a previsão de zero novos casos está calculada para o dia 16 de abril na Úmbria, no centro, esse marco só deverá ser atingido na Lombardia, no norte, em 13 de maio, quase um mês depois.

"Seguramente a transição será feita zona por zona, avaliando pontualmente o estado da epidemia para decidir medidas específicas para cada área", afirma o virologista Maga, que também é professor de biologia molecular na Universidade de Pavia.

Segundo o especialista, um dos instrumentos mais eficazes na fase dois será a realização de exames de anticorpos para saber quantas pessoas, de fato, foram infectadas pelo novo coronavírus e, portanto, desenvolveram algum tipo de imunidade.

Como acontece na maioria dos países, o número real de contaminados da Itália não é conhecido, porque os exames para identificar casos positivos só são realizados em pacientes com sintomas. Estima-se que o total, oficialmente de 139 mil infectados, seja dez vezes maior.

A adoção do teste de imunidade, em estudo no Ministério da Saúde, pode ter duas finalidades na fase dois. Uma, no âmbito da saúde pública, é pesquisar, com indicadores demográficos e geográficos, quanto do país foi contaminado.

Segundo o jornal La Repubblica, cerca de 100 mil testes poderão ser realizados com esse objetivo. "É muito útil para entender quantas pessoas pegaram o vírus", explica Maga.

Diferentemente do exame molecular usado para identificar casos positivos e saber quem deve ter acompanhamento médico-hospitalar, o teste de imunidade não precisa ser feito em laboratório, é mais barato e mais rápido. Por esse motivo, o acesso é muito mais amplo, inclusive na esfera privada.

"O exame para detectar positivos requer um processo de laboratório complicado, que envolve instrumentos sofisticados, operadores treinados e condições de biossegurança. Nem todos os hospitais estão equipados para isso", afirma o virologista.

"Já os testes de anticorpos são bem mais simples. São como testes de gravidez. Alguns podem ser feitos até em casa: se faz um furo no dedo, encosta uma gota de sangue numa tirinha e, se ela ficar colorida, é porque existem anticorpos."

Nesta terça, o grupo italiano DiaSorin anunciou o lançamento, para o fim do mês, de um kit de teste sorológico para detectar imunidade para o novo coronavírus. Em fase de certificação na Europa e nos EUA, o produto deverá custar cerca de 5 euros (R$ 28) e liberar o resultado em até uma hora.

Surge então um dilema ético sobre a realização em massa dos testes de anticorpos e a exigência do que vem sendo chamado de "passaporte" ou "licença" de imunidade. O que fazer com um funcionário que, por exemplo, não tem anticorpos e pode, então, ficar doente a qualquer momento?

"Esse é um dos aspectos mais delicados. Se uma pessoa não tem anticorpos talvez possa voltar ao trabalho, mas com mais proteção e atenção. Mas usar o teste como critério para permitir as pessoas de fazerem coisas é uma decisão política. Na minha opinião, deve ser estudado bem para não criar discriminação."

Além disso, assim como o vírus, também a sua imunidade é desconhecida. Não há consenso sobre quanto tempo ela dura ou se impede uma pessoa de se infectar de novo. De toda forma, até o surgimento de vacina ou terapias eficazes, o teste de anticorpos é uma alternativa para identificar situações de risco e administrar o relaxamento da quarentena.

Outra ferramenta em avaliação pelo Ministério da Saúde da Itália é o monitoramento por aplicativo dos cidadãos, rastreando casos suspeitos e positivos assintomáticos.

Como declarou a OMS (Organização Mundial da Saúde), a saída da quarentena não terá a mesma receita para os países. Na Áustria, os primeiros setores a serem reabertos depois da Páscoa serão os comerciais. A Dinamarca vai começar pelas escolas.

E tem sempre o exemplo de Wuhan, na China, que só foi inteiramente reaberta nesta quarta (8), após 76 dias, com seus moradores livres para voltarem a viajar.

Em comum, o processo de retomada é lento e progressivo. Na Itália, os primeiros segmentos a voltar ao trabalho devem ser os de indústrias, obras e serviços essenciais. Semanas depois, seria liberada a circulação mais livre em ruas e parques, ainda que sob regras de segurança.

Ficaria para depois a reabertura de restaurantes, bares e cabeleireiros, que, no entanto, viriam antes de academias de ginástica, discotecas e eventos esportivos. As escolas devem receber alunos só depois do verão europeu, em setembro.

O "Dia do Abraço" na Itália ainda não tem data para acontecer. Se a fase dois não for bem conduzida ou respeitada, a quarentena pode ressurgir. "É bastante razoável imaginar que ainda poderá haver momentos de contenção. Depende do risco de a epidemia voltar", alerta Maga.

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