Pandemia resgatou sensação de comunidade e mudará elo com natureza, diz autor italiano

Paolo Giordano parte de modelo matemático para refletir sobre efeitos da crise de coronavírus

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São Paulo

Além das cifras de infectados, mortos, hospitalizações e leitos, os efeitos da pandemia de coronavírus geram a sensação de que as pessoas voltaram a viver em uma única comunidade. E, ao atingir quase todos os países do mundo, a Covid-19 torna tangível a ideia de globalização.

São os números do contágio o ponto de partida do escritor italiano Paolo Giordano para traçar breves observações sobre os desdobramentos da crise da Covid-19, uma doença que “se move de avião” e cujo rápido espalhamento reflete as profundas conexões entre os países.

Em “No Contágio”, livro recém-lançado e escrito entre o fim de fevereiro e meados de março em sua casa em Roma, o autor do premiado “A Solidão dos Números Primos” se vale de um modelo matemático para explicar como um vírus se propaga até criar uma pandemia.

O escritor Paolo Giordano em evento na Itália
O escritor Paolo Giordano em evento na Itália - Divulgação

Se cada infectado contaminar mais de uma pessoa, o caminho para o surto está dado. Se, pelo contrário, cada doente transmitir a Covid-19 para menos de um ser humano, a propagação se detém por si mesma.

Para Giordano, 37, a pandemia deveria servir para provocar ações globais coordenadas e mais investimento na saúde ao redor do mundo, ao passo em que o homem precisa estabelecer um novo tipo de relação com o ambiente.

“Precisamos de medidas preventivas em relação à saúde mais fortes em todos os lugares. Precisamos dar a entidades como a Organização Mundial da Saúde mais poder e dinheiro, o oposto do que o [presidente dos Estados Unidos Donald] Trump acaba de fazer”, afirma ele.

Nas teias que ligam diferentes lugares, a segurança sanitária na China interessa também a italianos e a brasileiros, assim como as regiões afetadas pelo coronavírus na África serão uma preocupação de todos, já que o patógeno seguirá se espalhando a partir de lá.

“Se uma pandemia como essa, que diz respeito a todo o mundo ao mesmo tempo, não levar a novas formas de prevenção, seremos os culpados quando a próxima chegar —e ela virá.”

Para o autor, a maneira predatória com que o homem trata a natureza seria a origem de epidemias, como nos casos passados de ebola, Mers e Sars.

Da mesma forma, as queimadas na Amazônia, a agricultura predatória, a mudança climática e a caça de animais selvagens por populações famintas fariam com que os vírus se deslocassem à força de seus hábitats naturais, encontrando no homem um hospedeiro adequado.

“A espécie humana é muito conveniente, pois somos muitos e interagimos bastante.”

“No Contágio” é composto por uma série de breves capítulos que mesclam episódios da vida do autor —como a dúvida sobre ir a uma festa de aniversário onde não seria possível manter o distanciamento social— com reflexões sobre os efeitos da atual pandemia para o mundo.

Em uma passagem um tanto irônica, por exemplo, ele cita que se formou um "G7 do contágio", composto pelos primeiros países mais afetados pelo coronavírus. China, Singapura, Japão, Hong Kong, Coreia do Sul, Irã e Itália se tornaram uma "gangue estranha", que passaram a ter seus cidadãos rejeitados por outras nações.

Se a brevidade é um trunfo por trazer uma série de ideias condensadas em 76 páginas, o leitor pode ficar com a impressão de que falta aprofundar alguns conceitos. O autor afirma que o livro é “uma coleção de notas”, embora a obra também possa ser classificada como um ensaio.

Doutor em física pela Universidade de Turim, Giordano vê o futuro pós-pandemia mergulhado em visual alienígena, com o uso regular de luvas e máscaras e movimentos rastreados por aplicativos.

“Podemos supor que algo desse distanciamento social pode vir a se tornar uma forma de desconfiança social. Precisamos evitar isso”, diz. “Precisamos estar preparados e abertos para mudanças, mas não podemos esquecer que a nossa socialização de antes era preciosa, uma liberdade pela qual muitas gerações lutaram. Precisamos mantê-la viva.”

Em isolamento desde o fim de fevereiro, Giordano afirma detestar estar em casa o tempo todo e odiar ainda mais quando pessoas e peças publicitárias apresentam o isolamento como se fosse uma oportunidade incrível.

"Quero minhas obrigações e meus fardos sociais de volta. Quero encontros e grandes multidões. Há alguns dias comecei a assistir a um show do Radiohead no YouTube e tive que parar, porque a apresentação me fez chorar ao ver todas aquelas pessoas juntas e saber que aquilo será impossível por um tempo. Isso tem de ser temporário. Então, vamos nos ajustar ao novo normal, mas não muito."

No Contágio

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