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'Se não houver solidariedade, projeto europeu chegou ao fim', diz embaixador da UE

Para Ignacio Ybáñez, bloco conseguiu fazer ajustes para melhorar a integração durante a pandemia

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Brasília

O embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybáñez, afirmou à Folha que, sem o princípio da solidariedade na resposta à crise do novo coronavírus, o bloco de integração não tem sentido de existir. "Se não somos capazes de responder de uma forma solidária, a União Europeia não tem sentido", disse o diplomata.

As declarações, dadas nesta quarta-feira (8), ocorrem após uma reação turbulenta dos membros da União Europeia à pandemia, com o fechamento de fronteiras internas e a limitação de exportações de insumos médicos por França e Alemanha, entre outros.

Para o chefe da missão diplomática da UE no Brasil, a Europa conseguiu realizar ajustes para que haja mais integração dos países membros no enfrentamento à emergência sanitária.

 O embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybáñez, em frente à representação do bloco em Brasília
O embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybáñez, em frente à representação do bloco em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapres

Espanhol, ele também argumentou que a experiência do país mostra a importância das recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) como ferramenta para reduzir a disseminação do vírus.

Analistas dizem que se os países europeus agirem de forma independente e com nacionalismo na crise do coronavírus pode ser o fim da União Europeia. O sr. concorda? Se não continuar a se basear no princípio da solidariedade, o projeto europeu chegou ao seu fim. Porque é um projeto de solidariedade. Se não somos capazes de responder de uma forma solidária, a União Europeia não tem sentido. Temos que promover essa solidariedade, não só a interna mas a externa. É parte do nosso DNA.

Como é possível defender solidariedade e cooperação num cenário em que a disputa por insumos médicos no mercado internacional parece um “cada um por si”? Os estados e os indivíduos têm reagido, num primeiro momento, como se fosse cada um para o seu lado. Mas quanto mais vamos avançando —e a União Europeia é um exemplo disso— nos damos conta de que isso não é possível. Pelo contrário, a única forma que vamos sair dessa situação é todos juntos, reforçando a cooperação. Essa é a mensagem da UE.

Antes alguns podiam pensar em nacionalismo e soluções individuais, mas vamos descobrir que temos que responder conjuntamente. Agora há uma posição unida do bloco. Há esforços para fazer compras conjuntas e, assim, evitar uma situação de uns contra os outros. Também no âmbito da pesquisa, queremos cada vez mais fazê-la em conjunto. Vivemos num mundo global, e as respostas somente podem ser globais. Por isso temos que reforçar a cooperação regional e multilateral, como as Nações Unidas e os órgãos especializados.

França e Alemanha chegaram a limitar a exportação de insumos médicos, o que gerou críticas de outros membros da UE. Isso prejudicou o bloco? O projeto europeu é complexo, onde as competências são diferentes. Do ponto de vista da saúde, claramente é nacional, e cada membro teve que organizar essa resposta. No início de uma crise com efeitos tão fortes, houve um momento em que as respostas foram de cada um para o seu lado.

Mas eu acho que depois foi se impondo justamente o que o projeto europeu tem de melhor. É verdade que foram noticiados casos de alguns produtos que não podiam circular livremente. Mas agora as coisas estão circulando muito melhor, e temos exemplos concretos de solidariedade. Médicos que vão para outro país da UE trabalhar; pacientes italianos que já foram recebidos na Alemanha.

Existe também uma disputa na Europa sobre a emissão de títulos comunitários para a recuperação da crise do Covid-19, algo pleiteado principalmente pelos países do sul da Europa. O sr. é a favor? É parte dessa reflexão conjunta que estamos fazendo há alguns anos, algo que foi muito forte na crise econômica. Não foi fácil, mas lá chegamos a um acordo de boa repartição entre as responsabilidades para fazer as reformas e também à responsabilidade de ajudar os que têm maiores necessidades. A reflexão sobre a solidariedade financeira dentro da UE não é nova. Chegaremos a uma solução, e acho que vamos fazer avanços no âmbito da nossa integração.

O sr. é espanhol e seu país é hoje o mais golpeado pelo coronavírus na Europa. Que lições ficam para o Brasil? Eu sou o embaixador da UE e estou seguindo a situação de todos os Estados membros. É verdade que sou da Espanha, o país onde mora minha família, então claro que acompanho com um interesse particular. Não é bom tentar fazer avaliações gerais sobre cada um dos países, é um processo que todos aprendemos juntos.

A ideia do isolamento [social] está sendo em todos os casos muito importante. É verdade que é difícil fazer isso e organizar a sociedade. Se você observa a Espanha: mesmo com um sistema de saúde que funcionava bem, quando chega uma demanda tão massiva é muito difícil gerir. Então as recomendações da OMS são no sentido de tentar espaçar os casos para que os sistemas de saúde —mesmo os bons— possam responder.

Essa é uma das lições que temos aprendido. O importante é reduzir o número de pessoas infectadas e as que têm que chegar ao sistema de saúde, para permitir que hospitais possam responder.

Existe cooperação específica da UE com o Brasil sobre coronavírus? Acho que o exemplo da cooperação consular para a repatriação de nacionais do Brasil e da Europa é bom. Num momento de dificuldades temos visto que há países que tiveram uma reação de fechar tudo e não se deram conta da importância de manter canais mínimos abertos. O fato de o Brasil e a UE terem feito essa opção é um bom sinal, de que estamos do mesmo lado.

Além disso, a orientação da Comissão Europeia [órgão executivo da UE] com nossos diferentes parceiros é utilizar o dinheiro que temos disponível para fazer cooperação e direcioná-lo para a Covid-19. O foco está logicamente no âmbito da saúde, mas temos outras áreas, como pesquisa e o combate à violência doméstica.

A crise do novo coronavírus impacta o calendário de implementação do acordo de livre comércio UE-Mercosul? O esforço que estamos fazendo, das duas partes, é precisamente para não ter efeito negativo. Estamos no processo de revisão legal, para finalizar a interpretação de alguns artigos. Nossa ideia é que o calendário não mude, o trabalho está entre as equipes negociadoras e continua a ser feito.

De uma forma diferente, com muita videoconferência, mas as partes estão intercambiando as suas posições, e elas vão avançando. Continuamos com a mesma ideia, de completar a revisão legal e poder ter o texto finalizado para que cada um dos lados possa levá-lo para o processo de ratificação. Logicamente, sendo a ratificação um processo político, vai ter que esperar as respectivas câmaras legislativas voltarem a trabalhar.


Raio-x

Ignacio Ybáñez, 57
Diplomata espanhol, foi embaixador do país europeu na Rússia. Trabalhou no Ministério de Negócios Estrangeiros e Cooperação da Espanha, no qual foi Secretário de Estado e Diretor-Geral de Política Externa e Assuntos Multilaterais Globais. Na chancelaria espanhola, também chefiou a área de África, Mediterrâneo e Meio Oriente.

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