A Comissão Europeia frustrou políticos e organizações de direitos civis que esperavam uma resposta mais dura do Executivo europeu à concentração de poderes pelo premiê da Hungria, Viktor Orbán, obtida nesta segunda (29) em votação no Parlamento húngaro.
Após reunião do colegiado de comissários, a Comissão manteve nesta quarta (1º) os termos gerais do comunicado divulgado na terça pela presidente Ursula von der Leyen: vai “monitorar de perto, em espírito de cooperação, a aplicação de medidas de emergência em todos os Estados membros do bloco”.
Na votação da segunda, Orbán, cujo partido ultranacionalista controla dois terços da Assembleia Nacional, obteve poderes para governar por decreto, por tempo indeterminado.
A lei também permite prender por até cinco anos quem divulgar informação considerada incorreta, e por até oito anos quem desrespeitar regras de quarentena.
Na terça, o porta-voz da Comissão Christian Wigand disse à Folha que, “em princípio”, a lei de emergência húngara está limitada em escopo e tempo à crise do coronavírus, porque permite aos parlamentares revogá-la.
“A comissão está em contato com o governo da Hungria, vai analisar o texto da nova lei e acompanhar de perto sua aplicação”, disse Wigand.
Para Ken Godfrey, diretor-executivo do centro de pesquisa EPD (sigla para parceria europeia para a democracia, em inglês), não há dúvidas de que Orbán deu “mais um enorme passo” contra a democracia e que a reação da Comissão Europeia foi “vergonhosa”.
“A falta de uma resposta firme é ainda mais preocupante que o movimento já esperado do premiê húngaro”, diz Godfrey, que já foi consultor da Comissão e coordena programas de observação eleitoral e apoio à democracia em vários países.
Segundo o diretor, é preciso atribuir responsabilidade ao governo húngaro e criticá-lo de forma clara. Outra forma de pressão ao alcance da Comissão seria cortar a transferência de fundos.
“A medida seria muito malvista nas atuais circunstâncias, mas é essencial que fique claro que a Europa não deixará Orbán seguir adiante”, afirma.
O ex-primeiro-ministro italiano Matteo Renzi chegou a pedir a expulsão da Hungria, medida não prevista os tratados da UE. Em sua rede social, escreveu: “Depois de tudo o que Orbán fez, a União Europeia PRECISA agir e fazer ele mudar de ideia. Ou, simplesmente, expulsar a Hungria do bloco”.
A Open Society, fundação criada pelo bilionário húngaro George Soros, pediu “ação robusta” da União Europeia contra a Hungria e seus líderes, “que claramente continuam a violar a lei internacional e ameaçar cidadãos europeus”.
“Se precisávamos de mais evidências de que Viktor Orbán tem tendências autoritárias, aí está”, afirmou nota da entidade. Parlamentares e outros líderes também deveriam aumentar a pressão sobre o premiê húngaro, diz Godfrey.
“O PPE [Partido do Povo Europeu, grupo de centro-direita no Parlamento Europeu] deveria expulsar uma vez o Fidesz”, afirma. O partido de Orbán está suspenso desde março do ano passado, devido a seguidos ataques à União Europeia e por suspeitas de desrespeitar o Estado de Direito.
Dentro do próprio PPE, parlamentares da Suécia, Luxemburgo e Finlândia consideram inaceitáveis as medidas do premiê húngaro e pedem a expulsão do Fidesz.
Orbán, por seu lado, vinha respondendo à pressão com uma retórica mais radical. Divulgou um memorando em que exortou o PPE a “dar uma guinada para a direita ou perecer”.
O premiê húngaro reúne condições únicas para concentrar poder, diz Godfrey: controla o Parlamento e tem alta taxa de aprovação interna. "Ele está consciente do risco de reputação externa, mas sabe que a capacidade de oposição interna foi lentamente sendo corroída", diz o analista.
A nova lei, que permite prender jornalistas, deve aprofundar essa corrosão.
O governo americano adotou uma postura parecida com a da UE. Ao ser questionado sobre a situação na Hungria nesta quarta, o Departamento de Estado dos EUA afirmou que o combate ao coronavírus não deve ameaçar a liberdade de expressão, mas sem citar diretamente o país ou Orbán.
"Enquanto os governos do mundo respondem [à pandemia], pedimos que evitem restrições indevidas dos direitos humanos essenciais e das liberdades fundamentais, incluindo a possibilidade de a imprensa livre informar o público sobre a crise e a resposta do governo", afirmou um porta-voz da pasta.
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