Descrição de chapéu Coronavírus

Vulneráveis, bolivianos de SP sofrem com pandemia e paralisação de oficinas

Condições de moradia e trabalho favorecem transmissão; mortes começam a ser registradas

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Viçosa (MG)

“Ainda não caiu a ficha de que você se foi. Fico triste em saber que não vai estar aqui quando eu me formar, que no dia do meu casamento não será você que vai entrar ao meu lado, que não vai poder ver pessoalmente minhas conquistas. Até breve, pai, eu te amo.”

A homenagem foi postada nas redes sociais por Nicole, 16, para seu pai, Zenon Felix Tancara, com fotos dois dançando na festa de 15 anos dela. Boliviano, Felix, 51, morava no Brasil havia 18 anos e tinha sete filhos, com idades entre 9 e 32 anos.

Costurava vestidos, ao lado da mulher, em sua casa em Guarulhos e saía à 1h para vendê-los na feirinha da madrugada, no Brás. Dançava em um grupo de morenada, um ritmo típico de seu país.

Zenon está de Paletó cinza dando a mão para sua mulher, que está vestida com um poncho amarelo
Zenon Felix Tancara, 51, que morreu de Covid-19 em um hospital de Guarulhos - Arquivo Pessoal

Diabético, teve febre e falta de ar e procurou um posto de saúde e um hospital, de onde foi mandado de volta para casa. No dia 30 de março, piorou e foi internado no Hospital Geral de Guarulhos com Covid-19. Morreu nove dias depois.

“Falou com a gente pelo celular no primeiro dia, disse que estava com coronavírus e que era para limparmos a casa toda. Depois disso, não falou mais com a gente”, conta Nicole. A mulher de Felix também adoeceu, mas melhorou sem precisar de atendimento médico.

Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil, líderes comunitários e organizações que trabalham com bolivianos estão preocupados com o impacto da pandemia na maior comunidade de imigrantes de São Paulo. As condições precárias de moradia, as dificuldades de acesso à informação e à saúde e a perda de renda devido à quarentena são apontadas como dificuldades.

Agora, estão aparecendo as primeiras vítimas. Os números ainda são desencontrados. Segundo a presidente da Associação de Residentes Bolivianos (ADRB), Rosana Camacho, a entidade está apurando a morte de cinco pessoas (uma mulher e quatro homens). Há também alguns internados em estado grave.

“A situação está supercomplicada. Muitos trabalham e moram dentro de oficinas de costura. Pode ter 15, 20 pessoas vivendo em um espaço pequeno, com pouca circulação de ar, onde já existem problemas com tuberculose, por exemplo. Se uma pessoa se contamina, a oficina inteira fica exposta”, diz a cientista social Samantha Serrano, que estuda a saúde de imigrantes bolivianos de São Paulo.

Ela acrescenta outro problema: na região do Bom Retiro e na Barra Funda, há unidades de saúde preparadas para receber esses imigrantes, com profissionais que falam espanhol, por exemplo. Mas essa população não está mais concentrada ali, está espalhada por toda a cidade.

Rosana Camacho, da ADRB, diz ainda que há muita fake news circulando —inclusive a de que bolivianos teriam mais imunidade contra a doença. Um grupo de profissionais de saúde bolivianos se articulou para ajudar, com um plantão 24 horas de orientação a distância.

Outra dificuldade importante é a perda de renda por causa da quarentena. A maioria ganha por peça produzida, e as encomendas de roupas pararam. Muitos também não estão conseguindo se cadastrar para obter o benefício emergencial do governo federal.

“Para nós, que temos acesso à tecnologia, pode parecer simples, mas para eles não é. Alguns têm problemas com o CPF e estão tentando regularizar. Eles estão em uma situação de muita precariedade, com falta de recursos para o básico”, diz Soledad Requena, do Cemir (Centro da Mulher Imigrantes e Refugiada).

Segundo ela, como estratégia de sobrevivência, alguns estão fazendo a chamada panela comum, onde cada um dá o que tem e alguém cozinha uma refeição para todos na porta de casa. “Mas com isso eles se agrupam, o que não é recomendado. Estamos tentando orientar que tem que ser pouca gente de cada vez, lavar as mãos sempre, usar máscara.

Soledad diz que é inviável pedir que as famílias deixem as oficinas de costura, já que não teriam para onde ir. Por isso, ela e outras colegas estão mandando áudios com orientações de higienização constante desses locais. “Se não protegermos esse pessoal vulnerável, vai ser uma tragédia em termos epidemiológicos.”

O Cami (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante) também trabalha com orientações à comunidade boliviana, inclusive com um programa de rádio online.

Eles agora articulam uma rede de oficinas para fazer máscaras, aventais e outros equipamentos de proteção. “Estamos tentando sensibilizar empresários, hospitais e farmácias para que possam comprar esses produtos deles. Eles nunca ficaram sem trabalhar, então está sendo muito difícil essa situação”, diz Carla Aguilar, assistente social do Cami.

COMO AJUDAR

ADRB (Associação de Residentes Bolivianos)

Recebe doações de alimentos e de dinheiro para comprar cestas básicas para famílias que ficaram sem renda

(11) 99357-4934; (11) 99945-3372; (11) 98278-8736

Cemir (Centro da Mulher Imigrante e Refugiada)

Recebe doações para comprar cestas básicas e medicamentos para mulheres e famílias que passam necessidade, indicadas por líderes comunitárias.

cemir.mulherimigrante@gmail.com
(11) 95845-2979

Cami (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante)

Recebe dinheiro e doações de alimentos. Também informa sobre oficinas de imigrantes que confeccionam máscaras e aventais para proteção contra a Covid-19.

(11) 96729-4238

Instituto Alinha

A entidade, que atua em prol da melhoria de condições de trabalho em oficinas de costura, está com uma vaquinha virtual para alimentar 21 famílias por quatro meses. Informações neste link.

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