Apesar de ruídos, China está pronta para expandir cooperação com Brasil, diz embaixador

Para Yang Wanming, quem responsabiliza chineses por pandemia de coronavírus age de má-fé

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São Paulo

Em sua primeira entrevista após os ataques sinofóbicos do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do ministro da Educação, Abraham Weintraub, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, abandonou a postura combativa que manteve nas redes sociais e inaugurou a fase “paz e amor”.

“Apesar de alguns ruídos surgidos recentemente, o que conhecemos mais são histórias comoventes de solidariedade e de ajuda mútua entre os dois povos”, disse Yang em resposta por escrito a perguntas enviadas pela Folha.

Mesmo assim, o embaixador não deixou de passar recados às autoridades que vêm culpando a China pela disseminação da Covid-19. Afirmou que a China está pronta para trabalhar com o governo brasileiro para "tirar as interferências, diminuir as divergências e expandir as cooperações”.

O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, durante entrevista em Brasília
O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, durante entrevista em Brasília no ano passado - Adriano Machado - 15.abr.19/Reuters

A Folha enviou as perguntas por email a Yang em 24 de março, seis dias depois de a embaixada da China no Brasil reagir às acusações de Eduardo Bolsonaro, que comparou a atuação do regime chinês na pandemia ao episódio do acidente nuclear de Tchernóbil.

No dia 29 de abril, foram enviadas outras duas perguntas, relativas ao inquérito aberto pelo Superior Tribunal Federal para apurar suspeita de racismo nas declarações de Weintraub e ao comércio de soja entre os dois países.

Todas as respostas só foram enviadas de volta na última quinta-feira (30). O embaixador não respondeu se Eduardo e Weintraub se desculparam ou não pelas declarações contra a China, uma exigência da embaixada.

Como está a situação da Covid-19 na China? O fim da quarentena de Wuhan significa o controle da epidemia? Graças aos árduos esforços do governo e do povo da China, o país já superou o período mais difícil, de maneira que a epidemia está praticamente sob controle em todo o território. A retomada das atividades econômicas está avançando de forma ordenada, e a normalidade social está sendo restaurada.

Mas, à medida que a pandemia se alastra por todo o mundo, a China ainda corre o risco de ter uma segunda onda e, portanto, não pode relaxar. É uma corrida de toda a humanidade contra o vírus, e essa prova só termina quando todos atravessarem a linha de chegada.

Sob a liderança e a articulação do próprio presidente Xi Jinping, a China adotou as mais rígidas, abrangentes e minuciosas medidas de contenção e prevenção.

Essas experiências da China são aplicáveis ao Brasil? Sob a orientação do governo federal, rigorosas medidas de prevenção e controle foram adotadas em todo o Brasil. Estou confiante de que essas iniciativas terão resultados positivos e espero que o país saia da pandemia com a maior celeridade.

A China está disposta a compartilhar práticas de prevenção e controle com o Brasil e os demais países do mundo, mas não pretende fazer marketing das suas experiências. A evolução epidêmica pode tomar rumos diferentes devido à estrutura demográfica, condições climáticas e hábitos de cada país.

O governo chinês demorou algumas semanas para admitir a epidemia em Wuhan e pode ter perdido tempo precioso para que a China e outros países começassem a agir. Houve falta de transparência? Desde o início do surto, a China fez as devidas notificações com abertura, transparência e responsabilidade. O primeiro caso de infecção do novo coronavírus foi confirmado no final de dezembro de 2019 pelo Centro de Controle e Prevenção da província de Hubei. A China notificou as informações à OMS e a outros países no dia 3 de janeiro. No dia 11 de janeiro, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China concluiu o sequenciamento genético do vírus e disponibilizou os dados na internet para compartilhá-los com a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o mundo inteiro.

A transparência e a eficiência com que a China lidou com a epidemia foram amplamente reconhecidas pela OMS e pela comunidade internacional. Diante de um surto de causa desconhecida, qualquer país precisa de tempo para desenvolver pesquisas e avaliações. Em vez de reagir de forma desproporcional com informações limitadas logo no início, é necessário aumentar os níveis de resposta e tomar as medidas correspondentes conforme o grau de domínio real das informações e do conhecimento sobre o vírus.

Trata-se de uma abordagem científica que visa evitar, dentro do possível, o pânico. Quando a pandemia começou a se alastrar no mundo, as reações e as medidas tomadas pelos países afetados comprovaram isso também. Portanto, quem faz essas acusações estigmatizadas ou tem preconceitos sobre a China ou age de má-fé para pôr a culpa em outrem e se esquivar da sua própria responsabilidade.

Circulam versões, disseminadas até por autoridades, de que o novo coronavírus teria sido criado artificialmente pelos chineses como uma arma biológica. Ou, ainda, que teria sido fruto de um acidente em um laboratório na China. Outros afirmam que ele pode ter sido levado para a China por militares dos EUA. Como o senhor reage a essas versões? Acho isso uma teoria conspiratória completamente absurda, sem o mínimo escrúpulo. Tanto a OMS quanto cientistas de vários países já esclareceram, repetidas vezes, que todas as evidências disponíveis indicam que o novo coronavírus é de origem natural e impossível de ter sido criado artificialmente.

Os institutos de virologia e as entidades afins na China seguem sistemas rigorosos de gestão, normas operacionais e critérios científicos que impossibilitam qualquer “vazamento ou criação de vírus”. Quanto à especulação sobre o vírus “made in USA”, não tenho e tampouco conheço informações concernentes e, portanto, não tenho condições de comentar [um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China publicou no Twitter que militares americanos podem ter levado a doença para Wuhan no ano passado].

Alguns estados brasileiros já receberam a ajuda chinesa, mas outros encontraram dificuldades ao comprar equipamentos médicos do país. Até o momento, mais de 20 províncias e municípios, assim como cerca de 30 empresas da China, já doaram ou vão doar materiais médico-hospitalares aos estados e municípios-irmãos no Brasil, incluindo cerca de 30 respiradores, cerca de 2 milhões de máscaras, 10 mil trajes de proteção e um grande número de kits de teste e leitos hospitalares.

Estamos em contato com o governo federal para coordenar essas ações. O governo chinês também continuará facilitando a aquisição de material médico-hospitalar. Até agora, recebemos demandas do Ministério da Saúde e de 24 estados para comprar cerca de 300 tipos de suprimento. Recomendamos ao lado brasileiro, na primeira hora, um catálogo de exportadores qualificados. Já as disposições específicas, como o prazo e a forma de entrega, devem ser regidas pelos contratos comerciais negociados entre as partes e pelas regras do mercado.

Há uma escassez global de suprimentos médicos, e as restrições à exportação de alguns produtos impostas por alguns países causam dificuldades práticas nas cadeias de produção e de abastecimento de determinados itens. No entanto, fabricantes chineses estão trabalhando diuturnamente para aumentar a capacidade produtiva e atender às demandas do mercado internacional.

O Supremo Tribunal Federal determinou a abertura de inquérito para investigar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por suspeita de racismo contra os chineses [Weintraub ironizou a maneira como chineses costumam ser retratados ao falar português e afirmou que a China pode se beneficiar da pandemia]. Eduardo Bolsonaro havia acusado a China de tentar esconder o surto de coronavírus e disse que o país era culpado pela crise. O senhor vê um aumento da sinofobia em uma ala do governo brasileiro? Apesar de alguns ruídos surgidos recentemente, o que conhecemos mais são histórias comoventes de solidariedade e de ajuda mútua entre os dois povos. E ouvimos os sinceros apelos de todos os setores da sociedade, de ambas as partes, por unidade e parceria para vencer as dificuldades do momento.

As relações sino-brasileiras possuem amplos interesses comuns, estreitas cooperações e sólida base popular e têm mantido um desenvolvimento sadio e estável. A parte chinesa está pronta para trabalhar com o governo brasileiro e os diversos setores da sociedade a fim de tirar as interferências, diminuir as divergências, aumentar a confiança mútua e expandir as cooperações, para que as relações bilaterais possam ser aprofundadas e crescer de maneira contínua, trazendo benefícios aos dois povos.

Na fase 1 da negociação com os Estados Unidos para uma trégua na guerra comercial, a China concordou em aumentar as importações de produtos agrícolas dos EUA, mas por enquanto os chineses vêm aumentando as compras de soja do Brasil, e não dos EUA. Isso vai se manter? A conclusão da primeira fase das negociações China-Estados Unidos significa que as duas partes têm condições de encontrar soluções adequadas para os problemas por meio do diálogo e com base na igualdade e no respeito mútuo. Acredito que os dois países vão se empenhar para implementar o acordo alcançado.

É importante entender que o comércio China-Brasil e o comércio China-Estados Unidos não são excludentes. A China é um dos maiores mercados do mundo, com o mais rápido crescimento e o maior potencial. O aumento contínuo e acelerado do comércio, em geral, e do agronegócio, em particular, entre a China e o Brasil deve-se exatamente à reciprocidade das demandas e ao alto grau de complementaridade. Embasado na igualdade e no benefício mútuo, o comércio bilateral certamente se desenvolverá de forma estável e sadia.

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